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Contos Populares Portuguezes/O retrato da princeza

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XLVI


O RETRATO DA PRINCEZA


Era uma vez um principe que não achava mulher que lhe agradasse. Um dia foi a uma feira e viu lá o retrato d'uma menina tão lindo, tão lindo que mal póde imaginar-se; perguntando de quem era, responderam-lhe que era da princeza de tal, mas elle custou-lhe a crêr que houvesse uma dama tão formosa. Logo que chegou a palacio disse a el-rei seu pae que só casaria com a princeza de quem vira o retrato. Tractou-se do casamento, que foi feito por procuração e o principe antes de levar a noiva para o palacio, quiz vêl-a sem ser conhecido; disfarçou-se e foi a umas cavalhadas que houve por aquella occasião e a que a princeza havia de assistir. Quando a princeza chegou com a sua companhia, o principe perguntou qual das damas era ella e disseram-lhe que a noiva era uma muito feia que ia na frente; elle ficou sem pinga de sangue e quando chegou o dia da noiva ir para a sua companhia, não a quiz ver. Todas as noites quando se ia deitar apagava a luz e levantava-se antes de amanhecer para não lhe vêr a cara. Andava a princeza por isso muito triste, mas não se queixava a ninguem. Um dia em que ella estava no jardim foi uma pobre pedir-lhe esmola e disse-lhe: «Eu bem sei a causa da vossa tristeza; mas posso dar-vos remedio, se quizerdes tomar os meus conselhos.» A princeza disse que sim e a pobre no outro dia voltou ao jardim e disse á princeza que fosse com ella a um sitio onde o principe tinha uma quinta. Chegados que foram ao portão, a pobre mandou dizer ao principe se lhe dava licença para passear na quinta com uma filha que andava muito doente e a quem os medicos mandavam tomar ares. O principe deu a licença e quiz vêr a doente, mas ficou maravilhado quando viu que a doente tinha a cara exacta do retrato da feira.

A princeza voltou no dia seguinte e por conselho da pobre pediu ao principe um copo d'agua d'aquella fonte de neve, pois talvez lhe désse saude. O principe mandou vir um rico copo que encheu de agua e lhe offereceu; mas ella, quando lhe ia a pegar, deixou cair e feriu um pé no vidro. O principe ficou muito afflicto por ella se ter ferido, pois já estava devéras apaixonado; mas a princeza disse que aquillo não valia nada, que o peor era ter quebrado o copo; pediu mil desculpas e foi-se embora encostada á velha.

Quando o principe á noite se foi deitar ainda com peores modos para a princeza, e tendo-lhe chegado a um pé, ella disse:

«Ai meu pé ferido,
Em fonte de neve,
Em copo de vidro.»

O principe, julgando que ella dizia aquillo por saber do que se tinha passado na quinta, disse que não se importasse com o que elle fazia; mas ella continuou a repetir as mesmas palavras, até que elle accendeu a luz e conheceu que a princeza era a doente da quinta. Ella então disse-lhe que a dama feia que elle tinha visto nas cavalhadas era uma aia sua e que o tinham enganado, pois que o retrato que estava na feira era realmente d'ella. O principe ficou muito contente, não sabendo nunca que a velha fôra quem tinha quebrado o encanto que trazia feia a princeza.

(Coimbra.)