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Contos Populares Portuguezes/Os sapatinhos encantados

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XXXV


OS SAPATINHOS ENCANTADOS


Era uma vez uma mulher muito bonita e dava estalagem e a todos os almocreves que lá iam perguntava se tinham visto uma mulher mais bonita do que ella. Ella tinha uma filha mais bonita do que ella e tinha-a fechada para ninguem a ver. Disse-lhe um dia um almocreve.

— Ainda agora ali vi uma mulher mais bonita a uma janella a pentear-se.

— Ai! era a minha filha; pois vou mandar matal-a.

E mandou dous creados matal-a a um monte e ella disse-lhe que a não matassem, que a deixassem, que promettia de não tornar a casa. Os creados tiveram dó d'ella e deixaram-na. Ella foi indo e chegou a uma serra e viu uma casa; era noute; pediu se a acolhiam e não achou ninguem. Entrou para dentro e fez a ceia, e assim que a acabou de fazer, escondeu-se; n'isto chegam ladrões que vinham de fazer um roubo e depois que viram a ceia feita começaram a dizer:

— Ai! quem nos déra saber quem é que fez a ceia. Se por ahi está alguem appareça.

E ella appareceu-lhes e contou-lhes a sua sorte, coitadinha, e elles disseram:

— Agora não se afflija; ha de ficar comnosco e fazemos a attenção que você que é nossa irmã.

D'ahi por deante os ladrões lá íam para os seus roubos e ella ficava sempre; elles estimavam-na muito e tractavam-na.

Ia uma velhota a casa da mãe d'ella, que andava sempre em recados por muitas terras e ella disse-lhe.

— Você como anda por muitas terras, diga-me se já viu uma cara mais linda do que a minha.

E ella disse:

— Vi; vi uma rapariga que ainda era mais linda que você em tal banda.

— Você quando vae para lá? Quero que lhe leve uns sapatos.

E deu uns sapatos á velha e disse-lhe:

— Leve-lh'os e diga-lhe que é a mãe que lh'os manda; mas ella que os calce antes de você de lá sair; eu quero saber de certo que ella os calça; olhe que eu pago-lhe bem.

A mulher levou os sapatos á filha; chegou lá e disse-lhe:

— Aqui tem estes sapatos que lhe manda a sua mãe.

Ella disse-lhe:

— Eu não quero cá sapatos nenhuns; meus irmãos dão-me quantos sapatos eu quizer; não os quero.

A velha ateimou tanto com ella que ella pegou n'elles; calçou um, fechou-se um olho; calçou outro, fechou-se-lhe o outro olho e ella caiu morta. Depois vieram os ladrões, choraram muito ao pé d'ella, lastimaram muito a morte d'ella e depois disseram:

— Esta cara não ha de ir para debaixo da terra; levemol-a n'um caixão á serra de tal banda que vem lá o filho do rei á caça para elle ver esta flor.

Depois levaram-na a esse sitio; veiu o filho do rei e viu-a e achou-a muito bonita e depois tirou-lhe um sapato e ella abriu um olho, tirou-lhe outro, abriu outro olho e ficou viva. E elle então levou-a para casa e casou com ella e foram visitar a bebeda da mãe e esta ainda depois mesmo a queria mandar matar, mas não o conseguiu.

(Ourilhe.)