Contos Populares Portuguezes/Prefação

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PREFAÇÃO




Os contos que hoje publicamos formam parte d'uma extensa collecção de tradições populares portuguezas reunidas por nós já, por assim dizer, stenographando-as ao sairem da bocca de narradores populares, já recebendo-as escriptas de pessoas d'alguma instrucção e d'indubitavel probidade, que ou as aprenderam na infancia ou as ouviram depois de pessoas indoutas. Não amplificamos nenhum; não introduzimos nenhum adjectivo, nenhum ornato; cortámos apenas alguma repetição inutil; introduzimos apenas e raramente algum pronome que a reproducção escripta torna necessario. Como os contos da primeira categoria, isto é, os que nós colligimos directamente da tradição viva, foram ouvidos de preferencia de pessoas que se exprimiam bem, não apresentam deturpações grosseiras de palavras; uma ou outra entendemos dever corrigil-a; conservamos, porém, as fórmas provinciaes interessantes com todo o cuidado.

Os contos que levam a subscripção Ourilhe foram-nos dictados pela snr.ª Anna Alves Leite, pequena proprietaria d'aquella freguezia (no concelho de Celorico de Basto), uma mina de tradições do que haurimos tambem cantos populares publicados na Romania de M. Gaston Paris e Paul Meyer (vol. III) e na Zeitschrift für romanische Literatur do snr. G. Gröber (1879) e varias lendas e outros contos que serão publicados em parte, pelo menos, n'essas duas revistas. A snr.ª Alves Leite só por si nos forneceu materia d'um bom volume. Os contos que tem a subscripção Coimbra foram-nos enviados por uma de nossas irmãs. Os contos que tem a subscripção Foz do Douro foram-nos dictadas por mulheres analphabetas da localidade; as de Oliveira do Douro por uma snr.ª Luiza, lavadeira; o de Villa Nova por um barqueiro; o n.º XXXIII, de Bragança, foi-nos enviada pelo nosso amigo B. M. de Sá que o ouvira a uma pessoa d'aquella cidade e o reproduziu depois de memoria; o n.º XXXII foi ouvido por um outro amigo nosso d'um mercieiro, poeta popular, d'Espadanedo (Douro); os n.os LX-LXVI foram-nos offerecidos com uma consideravel e interessante collecção pelo nosso amigo e collega Z. Consiglieri Pedroso: esses, com excepção do ultimo (LXVI) que lhe enviaram de Coimbra onde é muito popular e o ouvimos contar numerosas vezes quasi sempre na mesma fórma, foram ouvidos pelo nosso amigo de pessoas do povo.

Nos contos que recebemos escriptos notar-se-hão algumas fórmas litterarias, mas preferimos dal-os como nol-os offerecem a imprimir-lhes um caracter mais popular. É mister ter tambem em vista que entre nós ha muito menor distincção entre a linguagem popular e a litteraría que n'outros paizes. As pessoas do povo intelligentes são geralmente bem fallantes e empregam muitas expressões d'origem litteraría evidente, sem saberem ler.

Os contos que hoje publicamos não teem todos egual valor, mas offerecem todos mais ou menos interesse sob o ponto de vista tradicional. Em regra, pode considerar-se a tradição dos contos entre nós como assaz obliterada; falta-lhes vida, poesia, muitas vezes reherencia; muitas feições significativas em versões d'outros paizes tornaram-se aqui inintelligiveis e só pela comparação se explicam. A sua fórma em geral é secca, monotona, emumerativa. Alguns, porém, apresentam-se ainda n'uma fórma excellente, menos deturpados por elementos modernos; n'outros, como em todos os paizes succede, ha o resultado de extranhas combinações de elementos de contos diversos. É o que se dá, por exemplo, com o nosso n.º XIV: A Torre de Babylonia, que no fundo offerece analogias evidentes com o conto dos Cunhados animaes (Thierschwäger), estudado por R. Köhler na sua nota IV aos Awarische Texte, herausgegeben von A. Schiefner (Mém. de l'Acad. impér. des Sciences de S. Pétersbourg, VII sér. tome XIX, n.º 6). Posteriormente á publicação das notas de Köhler, deu Pitré uma nova versão siciliana d'esse conto (Fiabe, Novelle e Racconti popolari siciliane, n.º 16) e uma serba, complicada com elementos diversos, foi traduzida em inglez por Madam Csedomille Mijatovics (Serbian Folk-Lore, 1874. 8.º: Bash-Chalek, p. 146 ss.)

Até hoje apenas foram publicados os seguintes contos populares portuguezes: tres com fórma em parte não popular pelo nosso amigo e collega Th. Braga, dous nos Estudos da edade media (Cacheirinha; vid. n.º XXIV da nossa collecção; Tres cidras do amor, de que temos já cinco versões); outro no livro sobre o Amadis de Gaula (correspondente ao n.º XV da nossa collecção); o da Formiga e da neve, aqui reproduzido com o n.º II, que nós forneceramos ao mesmo escriptor e que elle publicou no seu livro sobre Os Trovadores, o n.º XXII que deramos em duas versões na Revista Occidental, e o nosso numero XLIV, já publicado por nós no Positivismo fasc. I.

Com esta collecção, que será seguida brevemente, como esperamos, da publicação dos outros contos que temos reunidos, fica realisado um desejo ha muito expresso pelos homens que conhecem o valor d'estas cousas; Portugal deixa de ser uma excepção com relação ao interesse que nos outros paizes de lingua romanica se vae desenvolvendo pelos contos populares, em virtude d'um movimento nascido na Allemanha com a publicação dos Kinder-und Hausmärchen pelos irmãos Grimm (1812-14), communicado aos paizes scandinavos, á Russia, á Inglaterra e mais tarde á Italia e á França. Iniciado na peninsula por Milà y Fontanals (1853), a cujo lado se deve citar o nome da dama assignada Fernan Caballero, continuado para a Catalunha por Maspon y Labròs, urge que esse movimento se propague rapidamente a todas as provincias de Portugal e da Hespanha, antes que o jornal levado a toda a parte pelo caminho de ferro conclua a obra de obliteração que accommette estas tradições; dar-nos-hemos por pagos de nosso trabalho se contribuirmos com o nosso exemplo para salvar o que ainda resta d'elles.

Mas, dir-se-ha, não merecem os contos populares o desprezo a que tem estado condemnados? Não são ridiculas invenções, boas só para divertir gente rude, que não tem cousa melhor para pasto do seu espirito e da sua ociosidade? Estamos certos que muita gente, séria e grave na propria opinião, pasmará de que haja quem gaste o seu tempo com taes cousas; mas algumas pessoas haverá tambem que queiram aprender e para essas escrevemos as observações que seguem, desnecessario aos que estão ao corrente da sciencia.

 
 

Muitos dos meus leitores terão por certo em rapazes ouvido contar na eschola a anecdota do homem que tendo sujado um dedo e indo a sacudil-o, bateu com elle n'uma pedra e logo se esqueceu de que estava sujo para o metter na bocca com a dôr. Eis uma tradição sem duvida muito mais insignificante do que a maior parte das contidas n'este volume e á qual não supporiamos meritos sufficientes para ser contada por diversos povos e de entrar em obras de moral muito sérias, redigidas para uso d'uma nação tão grave como a do Celeste imperio. Apesar de sabermos já alguma cousa da historia, migrações e reproducções independentes das tradições populares, não foi ainda assim sem surpreza que nos Avadânas, contos e apologos d'origem indiana extrahidos por Stanilas Julien d'uma enclyclopedia chineza (vol. I, n.º LXIV, Paris 1859) lemos ha annos o seguinte:

O filho d'um brahmane depois de ter feito as suas abluções estava encantado com a propria limpeza; mas tendo ido atraz de sua casa, sujou um dedo subitamente. Foi ter com um ferreiro, mostrou-lhe o dedo sujo e pediu-lhe que lh'o queimasse. O ferreiro apresentou-lhe suas razões e disse-lhe: «Desista d'esse intento; ha outros meios de limpar o dedo. Esfregue-o com cinza e lave-o com agua pura. Se eu lh'o queimasse, não poderia supportar o ardor cruel do fogo e o seu corpo padeceria mais que antes.»

Ao ouvir taes palavras encolerisou-se o filho do brahmane e injuriou o ferreiro. «Toma cuidado em não julgares os sentimentos d'outrem pelos teus; não digas que um homem não supportaria essa dôr porque tu não te sentes com coragem para ella.»

A essas palavras o ferreiro poz em brasa um par de tenazes e agarrou-lhe o dedo com ella. O mancebo sentindo a dôr da queimadura não a poude supportar; tirou o dedo e pol-o na bocca. O ferreiro deitou a rir. «Mancebo, lhe disse elle, então mette assim o dedo sujo na bocca?» «Emquanto não tinha sentido a dôr, notei que o meu dedo não estava limpo; mas depois de experimentar o ardor cruel do fogo, esqueci que o dedo estava sujo.»

Ora se a mesma anecdota se encontra na Allemanha (F. Liebrecht, Orient und Occident, I, 134), na Escocia, (Campbell, Popular Tales of the West Highlands, I, 201) não nos devemos admirar que cousas de mais vulto como a Historia da Carochinha, o Rabo do gato, a Bella-menina, o Creado do estrujeitante, etc., se achem reproduzidas em diversos povos, na Asia e na Europa, ou até na Africa e America, tanto na India, na China, na Allemanha, como entre os hottentotes ou os tupis.

Na bella collecção de contos e fabulas africanas publicada em allemão (e tambem em inglez) por o fallecido dr. W. H. J. Bleek, Reineke Fuchs in Africa (Weimar, 1870) encontramos por exemplo, a pag. XXVI XXVII um conto dos indigenas de Madagascar e a p. 70-74 um conto dos Dama, ramo da raça cafre (impropriamente chamados Damaras) que offerecem tão profundas analogias com o conto portuguez do Rabo do gato, (n.º X da presente collecção) que se pensaria que ou os portuguezes aprenderam o conto dos africanos ou os africanos dos portuguezes. Mas a verdade é que Portugal não é o paiz unico da Europa em que tal conto se acha, pois o vamos encontrar por exemplo na Sicilia (Giuseppe Pitré, Fiabe, Novelle e Racconti popolari Siciliani, n.º CXXXV); entre o povo fallando dialectos gregos na Terra d'Otranto (Morosi, Studi sui Dialetti greci della Terra d'Otranto, cit. por Pitré), etc. Vê-se, pois, que, se a existencia da narração entre povos tão distantes e de raças tão diversas deve ser explicada por uma transmissão, o vehiculo d'esta transmissão está bem longe de ser facil de determinar. Com relação á Africa, aos hottentotes, aos cafres, aos negros sudanitas explicar-se-hia assaz bem a transmissão pelos arabes. Não teem os arabes seus narradores, suas collecções de contos, suas fabulas? Como os arabes dominaram na Sicilia e na peninsula hispanica, nada mais natural na apparencia do que considerarmol-os como os transmissores das mesmas narrações para a Europa. O problema é, porém, mais complicado do que se affigura ao primeiro aspecto. Demais seremos forçados a admittir necessariamente uma transmissão para todos os contos de que encontramos versões entre diversos povos? Não se poderiam ter reproduzido independentemente as mesmas narrações em diversas epochas, em diversos paizes? A existencia de narrações identicas pelo fundo ou pela fórma na tradição de todas as raças humanas prova já de per si evidentemente uma unidade esthetica elementar tão completa, pelo menos, emquanto á receptividade, que nada a priori, nos impede de julgarmos essas raças diversas dotadas de egual grao de productividade artistica elementar, sujeito nas suas manifestações a leis identicas. Provando-se, como crêmos que não é difficil de provar, que pelo que respeita a um grande numero de contos populares a transmissão se operou de povo a povo, não se póde deixar de admittir que a condição sine qua non d'essa transmissão é a existencia no povo que recebe de tradições proprias do mesmo genero; sem estas o que se lhe conta seria para elle absolutamente inintelligivel ou não lhe despertaria nenhum interesse. Discriminar o que é de creação propria de cada povo, o que se pode explicar por identidade de producção, do que veiu de fóra; determinar por que canaes se operou a transmissão quando a houve, o ponto de partida d'ella, os elementos primitivos da cousa transmittida, até que ponto reagiram o genio, as condições sociaes de cada povo sobre o producto extranho; que leis dominam a producção, a transmissão, a apropriação e alteração dos contos populares — eis o objecto d'um novo e importante ramo d'estudos, a que se deu o nome de mythographia, para o distinguir da mythologia que é uma sciencia diversa. Esses estudos, vê-se, são de primeira importancia para a psychologia comparada, que com a anatomia e physiologia comparadas do homem constituem a anthropologia, e para o conhecimento da historia da civilisação. Comprehende-se pois o interesse com que hoje nos paizes em que se estuda são recebidas as collecções de contos populares colligidos com sinceridade: é que ellas são os documentos indispensaveis para a solução d'aquellas importantes questões, que até hoje não foram ainda estudadas no seu conjuncto, já porque os estudos de mythographia comparativa estão apenas iniciados e representados por um pequeno numero d'eruditos, já porque se devia começar naturalmente por trabalhos especiaes, exagerando-se algumas vezes a importancia d'um ponto de vista particular. Thedoro Benfey, auctor d'um dos mais importantes trabalhos que se possue sobre a litteratura dos contos, a introducção á sua traducção allemã do Pantschatantra (Leipzig, 1859, 2 v. 8.º) preocupou-se principalmente da transmissão dos contos e por um dos seus vehiculos mais importantes, sem duvida, mas não o unico — o budhismo; no Orient u. Occident, I, 719, ss[1]: indicou esse profundo investigador algumas das importantes questões geraes que devem ser resolvidas pelo estudo comparado dos contos, Angelo De Gubernatis na sua Zoological Mythology (Londres 1872, 2 vols. 8.º, trad. fr. 1874. 2 vols. 8.º) busca as origens mythicas dos contos, sem estudar as questões da sua transmissão e modificações. R. Köhler, o maior conhecedor da litteratura dos contos populares, tem-se occupado em artigos e notas dispersas em numerosas publicações, de que apenas conhecemos uma parte (a mais importante em verdade) do estudo bibliographico e comparativo d'essas tradições, preparando solidos materiaes que hão de servir de base para conclusões futuras. Nas notas de W. Grimm, aos Kinder-und Hausmärchen (III Band. Dritte Ausgabe. Göttingen, 1856), em differentes estudos de F. Liebrecht, de A. d'Ancona, D. Comparetti, A. Kuhn, Gaston Paris, H. OEsterley e d'outros eruditos ha tambem contribuições valiosas que devem ser estudadas previamente por quem se propozer tractar a serio o problema dos contos populares.

 
 

Do mesmo modo que as linguas litterarias vivem principalmente á custa das riquezas que lhe offerecem as linguas populares, como diamantes brutos que aquellas só tem que polir e fazer valer pela disposição artistica, assim as litteraturas só teem valor verdadeiro quando aproveitam as minas da tradição popular, haurem d'ellas as fórmas cujo sentido humano é provado pela sua generalisação no tempo e no espaço, vasando n'ellas os sentimentos e concepções d'uma epocha e imprimindo-lhes o cunho d'uma grande individualidade poetica.

Nada mais mesquinho que os productos da imaginação individual. Um verdadeiro artista, um Eschylo, um Sophocles, um Dante, um Shakspeare, um Goethe acha na tradição popular todas as fórmas para exprimir a sua concepção da natureza e da humanidade. O Prometheo era um conto das velhas gregas antes de ser a sombria tragedia cujo sentido é tão vasto que pagãos, christãos, philosophos de differentes escholas acham n'ella com que lisonjear as suas crenças e doutrinas[2]. A Cymbeline, The Merchant of Venice assentam sobre contos populares, como outras peças do tragico inglez. tecido d'um grande numero de contos de Boccacio e dos outros novellistas italianos, assim como da maior parte dos antigos novellistas de todas as nações saiu da tradição popular.

O estudo das origens litterarias está pois indissoluvelmente ligado ao dos contos populares.

Os hagiographos ou o povo, no seu desejo de adornar com bellos feitos a vida dos seus santos, não hesitaram muitas vezes em attribuir-lhes o que nas patranhas e historias da carochinha se conta de heroes imaginarios. Foi assim que o bispo do Porto D. Fernando Correa de Lacerda introduziu na lenda da Rainha Santa Izabel por elle escripta no seculo XVII, a historia do pagem que por obra d'um intrigante devia ir morrer queimado n'um forno, escapando por um milagre e sendo castigado com aquella morte o intrigante.

É a lenda ou conto de Fridolin, popular na Alsacia, de que Schiller fez a ballada Gang nach dem Eisenkammer, e de que a litteratura medieval offerece um grande numero de variantes[3].

Affonso o Sabio de Castella, o avô de D. Diniz, fizera d'ella uma das suas cantigas em louvor da Virgem, a cuja intervenção milagrosa attribuiu a salvação do innoconte; essa composição foi publicada por Adolf Helferich no Jahrhuch f. rom. u. englische Literatur, II, 429-432. No começo do seculo XII, Somadeva Bhatta, de Cachemira, incluia uma variante d'esse conto na sua collecção intitulado Katha sarit sagara, redigida em sanskrito, na sloka epica; póde ler-se na traducção de Hermann Brockhaus, vol. II, pag. 62, ss.

Este simples exemplo bastará para provar que as historias da carochinha são na essencia tão graves como as lendas maravilhosas do Flos sanctorum e da Legenda aurea.

Tencionamos publicar um trabalho consagrado aos contos populares e particularmente aos contos populares portuguezes, estudados nas suas multiplices relações, em que tentaremos elucidar as questões acima ennunciadas; contentamo-nos por agora com estas simples indicações, sufficientes, cremos, para mostrar que não é para gastar um tempo ocioso que nos démos ao trabalho de colligir estas tradições, vencendo com paciencia e ás vezes com dinheiro a desconfiança de alguma das pessoas que nol-as dictaram. Examinaremos apenas d'um modo geral um problema interessante — o da antiguidade dos contos populares em Portugal.

Os contos que temos colligido não teriam importancia alguma para a sciencia se por ventura a sua introducção em Portugal fosse recente e tivessem vindo pelo canal da litteratura. A traducção das Mil e uma noites em portuguez, assim como a de alguns contos de Perrault, madame d'Aulnoy, madame de Beaumont, a possibilidade de um conto lido n'alguma collecção recente extrangeira ser narrada por a pessoa a que leu e chegar assim até á reproducção popular reclamam naturalmente um exame com relação á antiguidade d'esses contos na tradição popular portugueza, Não tractaremos aqui esta questão senão d'um modo geral, limitando-nos a mostrar que ella póde ser resolvida de maneira que, pelo menos em quasi todos os casos, não deixe margem a duvidas. Eis os principaes argumentos que provam que os contos que publicamos e os que tencionamos ainda publicar não vieram para o nosso paiz recentemente e pelo canal mencionado.

1.º Todos esses contos proveem directa ou indirectamente da bocca popular; quasi todos foram aprendidos na infancia pelas pessoas que nol-os escreveram ou nol-os narraram e em geral, como essas pessoas nol-o affirmaram, de pessoas d'edade. A maior parte dos contos de Coimbra remontam a uma velha Evangelista que morreu com mais de cem annos na Misericordia d'aquella cidade;

2.º Nos antigos escriptores portuguezes, nos adagios, nos proloquios da lingua ha allusões a esses contos, ou a contos do mesmo genero;

3.º Alguns antigos escriptores portuguezes apresentam versões litterarias d'esses contos;

4.º A comparação prova que n'esses contos ha particularidades antigas que faltam ou se acham alteradas nas versões litterarias extrangeiras que modernamente entre nós podiam ser conhecidas;

5.º Muitos d'esses contos não se acham em versões extrangeiras traduzidas ou conhecidas em Portugal.

Diremos alguma cousa com relação ao 2.º 3.º e 4.º ponto.

Soropita no fim do seculo XVI allude ao conto das Tres Cidras do Amor: «Appareceram por prôa as Tres Cidras do Amor(Poesias e Prosas ineditas, publ. por C. Castello Branco, p. 103)[4]. D. Francisco Manuel de Mello no seculo XVII allude evidentemente ao conto de que publicamos uma versão com o n.º XLII e de que temos uma versão em que á heroina, chamada Maria Sabida, diz o seductor ludibriado:

«Ai Maria Sabida
Tão doce na morte
Tão agra na vida!»

Eis as palavras de D. Francisco Manuel:

«Eu cuido que vireys a ser aquella dona atrevida, doce na morte e agra na vida, que nos contão quando pequenos.» Cartas familiares, cent. V. carta 7.

No Orto do Esposo (codex alcobacense da Bibliotheca Nacional de Lisboa n.º 274), composição do fim do seculo XIV, que o nosso amigo Julio Cornu, professor na universidade de Praga, copiou e tenciona publicar, ha diversos contos entre os quaes uma versão (fol. 89-90), muito interessante do que vae em a presente collecção com o n.º LXXIV. Devemos a communicação d'esse conto ao nosso mencionado amigo.

«Hũu cavaleyro era muy namorado d'hũa dona muy filha d'algo casada. E a dona era de boa vida e non curava nada do cavaleyro, como que a elle demandava muy aficadamente. E aconteceo que morreo o marido da dona. E o cavaleyro começou de a demandar mais aficadamente. E ella mandou-o chamar e disse-lhe: «Vós sabedes que non sodes igual a mym; pero quero vos tomar por marido se vos iguardes a mym al de menos em riquezas e per esto me escusarey de meu linhagem. E o cavaleyro pidyo a elRey e aos outros senhores e trouve aa dona muyto ouro e muyta prata e muytas doas. E ella por se escusar de seu casamento disse-lhe que todo aquello era pouco se mais non trouvesse. E entom o cavaleyro teve o caminho a hũu mercador que levava muy grande aver e matou-o e soterrou-o fora da carreyra, e tomou todo o aver que levava e trouve-o aa dona. E ella entendeo que aquella requeza era de maao gaanho, e disse ao cavaleyro que se lhe non dissesse d'onde ouvera aquelle aver que non casaria com elle. E o cavaleyro descubriu-lhe todo o que fezera. E ella lhe disse que fosse ao loguar hu jazia o mercador soterrado e que estevesse aly des o serãao ataa o galo cantante e que lhe non encubrisse todo o que lhe acontecesse e se esto non fezesse que o non tomaria por marido. E elle fez assy como lhe a dona mandou. E viu sayr da cova o mercador e ficou os geolhos em terra e disse tres vezes: «Senhor Jesus Christo, que és Justo juiz, e que vees todalas cousas, posto que sejam feitas escondidamente, da a mym vingança d'este cavaleyro que me matou e tomou-me todalas cousas per que viviamos eu e minha molher e meus filhos.» E ouvyo huma voz que lhe disse: «Eu te digo e prometto em verdade que se elle nom fezer peendença em triinta annos, que eu te darey d'elle tal vingança que sera a todos exemplo.» E tanto que esto foy dito tornou-se o morto pera sua cova. E o cavaleyro muy espantado e tornou-se pera a dona e contou-lhe todo o que vira e ouvyra. E ella recebeo-o por marido e ouve d'elle filhos e filhas. E ella lhe dizia muyto a meude cada dia que se lembrasse do espaço que lhe fora dado pera fazer peendença. E este cavaleyro fez em huu seu monte hũas casas muy nobres e muy fortes. E estando elle hũu dia em aquelle loguar comendo com sua molher e com seus filhos e com seus netos em grande solaz com a boa andança d'este mundo, veo hũu jograr e o cavaleyro feze-o asseentar a comer. E emtanto elle comya, os sergentes destemperarom o estormento do jograr e huntaram-lhe as cordas com grussura. E acabado o jantar tomou o jograr o seu estormento pera tanger e nunca pode temperar. E o cavaleyro e os que estavam com elle começarom escarnecer do jograr e lançaram-no fora dos paaços com vergonça. E logo veeo hũu vento grande como tempestade, e soverteo as casas e o cavaleyro com todolos que hy eram. E foy feito todo hũu grande lago. E parou mentes o jograr tras sy e vyo em cima do lago andar hũas luvas e hũu sombreyro nadando, que lhe ficarom em-na casa do cavaleyro quando o lançarom fóra.»

Encontram-se na Asia, na Africa, em muitos paizes da Europa lendas da subversão ou conversão em lagos de palacios, aldeias; mas não achámos ainda prova palpavel de que o monge d'Alcobaça tivesse simplesmente referido uma lenda extrangeira e não redigido uma tradição popular portugueza; a existencia do conto ou lenda do Minho que adeante publicamos, parece, pois remontar á edade media na tradição portugueza.

A novellistica culta de fundo tradicional é um dos ramos mais pobres da nossa litteratura; por essa razão a historia dos contos populares entre nós não se póde estudar com a clareza que haveria se tivessemos numerosos documentos do genero do que trasladamos. O Orto do Esposo e os Contos de proveito e exemplo de Gonçalo Fernandes Trancoso assumem por isso uma importancia excepcional. A mais antiga edição d'esses contos é de 1575, segundo Theophilo Braga que mostra que elles foram escriptos por occasião da peste de 1569. Theophilo Braga asseverou terminantemente que Trancoso bebeu na tradição popular; parece-nos muito provavel isso para alguns contos, mas cremos que uma demonstração completa d'essa these ninguem a poderá dar. Entre os contos que giram na tradição popular e se acham em Trancoso citaremos como exemplo o conto das duas irmãs invejosas, de que temos já quatro versões populares portuguezas. Eis em resumo a de Trancoso:

«Desejava um rei mancebo casar com uma donzella de virtuosos costumes, claro sangue e bom viver. Um dia passando por uma rua ficaram fallando a umas janellas tres mulheres formosas e tendo o rei perguntado o que diziam foi-lhe respondido: «Senhor, uma disse que se casasse com o principe faria de suas mãos lavores de ouro e seda tão valiosos que bastariam para gasto da mesa; a outra disse que se casasse com elle lhe faria camisas tão preciosas que valeriam tanto como tudo o mais que elle vestisse e calçasse e a ultima dissera que se casasse com o rei teria delle dous filhos formosos como o ouro e uma filha formosa como a prata».

O rei mandou chamar á sua presença uma por uma as tres irmans; as duas primeiras disseram que fariam em serviço do rei tudo a que as suas forças bastassem; mas a terceira que era a mais nova, e mais formosa repetiu que lhe daria dous filhos formosos como o ouro e uma filha mais formosa que a prata. Casou o principe com a mais nova.

As duas irmans mais velhas, de inveja pela preferencia dada á mais nova, quando ella deu á luz os filhos promettidos, substituiram-os por monstros peçonhentos, dizendo ao rei que a rainha os dera á luz. O rei aborreceo por isso tanto a sua mulher que a expulsou; a rainha como creada e forasteira foi admittida n'um convento, onde pouco depois foi servida como as freiras, que a suspeitaram d'uma elevada posição.

Tentavam as cunhadas agradar ao rei, mas este soffria muito de paixão pela mulher expulsa, embora julgasse que a expulsara com razão. Um dia em que, para se distrahir, ia ao longo de uma ribeira, viu á borda da agua uma casa nova, a cuja janella estava um formoso menino, pobremente vestido; depois appareceu outro menino e uma mulher com uma menina pequenina pela mão. A mulher disse ao rei que não sabia de quem eram aquelles meninos, que o marido pescador lh'os trouxera pequeninos nascidos d'aquelle dia e ella com ajuda da mulher d'outro pescador os creara.

Seguindo ao longo da ribeira á busca de caça o rei viu sahir d'entre umas lapas uma mulher rôta, de cabellos crescidos e desgrenhados, que tentou fugir; mas alcançada pelo rei, depois contou que fôra creada com a rainha expulsa, e com ella e suas irmans fôra para o paço e que tendo a rainha dado á luz um formoso menino ella por instigações das irmans da rainha, tomara a creança envolta em ricos pannos e que, em quanto havia grande revolta no paço, porque as más irmans deitaram um sapo grande com as pareas e deitaram a corrêr dizendo que aquillo déra á luz a rainha, fôra ella, não lançar ao mar a creança como lhe tinham ordenado, mas deixal-a entre as lapas d'onde viu levantal-a um pescador. O mesmo succedeu com os outros dous filhos da rainha, que tinham sido substituidos um por uma cobra e o ultimo que era menina por uma toupeira; ambos recolhera o mesmo velho pescador assim como fizera ao primeiro, tendo tentado reter a portadora que se lhe escapara e que, de mêdo que ella fosse ao paço e a reconhecesse, ficara alli vivendo d'hervas entre aquellas pedras.

O rei mandou chamar as más irmans á sua presença e ellas vendo o seu crime descoberto precipitaram-se ao mar. Promettera a mulher do pescador que iria ao rei dar mais informações ácerca dos meninos que achara, e o rei reconheceu por todos os signaes que eram os seus proprios filhos.

A menina que o pescador levava comsigo, assim como os irmãos, tanto que a poseram no chão fugiu da supposta mãe e metteu-se entre as pernas do pae, dizendo: «Ha, ha, agora sim que está aqui meu pae, não quero ir comvosco.»

O rei perdoou á creada que exposera as creanças e concedeu grandes mercês aos paes adoptivos.

Fizeram-se buscas por todo o reino e a nova do descobrimento dos filhos do rei chegou ao convento, onde estava a rainha, cuja alegria foi tanta que as freiras suspeitaram fosse ella a rainha; esta declarou-lhes a verdade e pouco depois foi-a buscar o rei.»

O conto de que acabamos de condensar a versão dada por o novellista portuguez acha-se muito espalhado; podemos mencionar as seguintes versões, das quaes as duas primeiras teem um caracter litterario, e as outras são perfeitamente populares.[5]:

1. Arabe, Historia das duas irmãs invejosas nas Mil e uma noites;

2. Italiana do seculo XVI em Straparola, Tredeci piacevolissime notti IV, 3 (servimo-nos da antiga traducção franceza, edição Jannet, pois as edições originaes são raras e não se encontram em Portugal);

3. Florentina em * Vittorio Imbriani, Novellaja fiorentina, n.º 6;

4. Toscana em * Angelo de Gubernatis, Novelline di S. Stefano di Calcinaja, n.º 16;

5. Siciliana em Laura Gonzenbach, Sicilianische Märchen (Leipzig, 1870), n.º 5;

6. Outra siciliana em Giuseppe Pitré, Nuovo Saggio di Fiabe e Novelle popolari siciliane (Imola, 1873; Estratto dalla Rivista di Filologia romanza), n.º 1;

7. Outra siciliana em G. Pitré, Fiabe, Novelle e Raconti popolari siciliane (Palermo, 1875, 4 vols.), n.º 36;

8. Italiana de Basilicata em Domenico Comparetti, Novelline popolari italiane (Torino, 1875), n.º 6;

9. Outra italiana de Pisa, ibidem n.º 30;

10. Tiroleza em Chr. Schneller, Märchen und Sagen aus Wälschtirol (Innsbruck, 1867), n.º 26;

11. Hungara em * G. Gaal, Die Märchen der Magyaren, p. 390;

12. Alleman em Grimm, Kinder-und Hausmärchen (12.ª ed. Berlin, 1874), n.º 96;

13. Outra alleman em J. W. Wolf, Deutsche Hausmärchen (Göttingen, 1851), p. 168;

15. Outra alleman em * Ernst Meyer, Deutsche Volksmärchen aus Schwaben (Stuttgart, 1852), n.º 72;

15. Outra alleman em * Heinrich Pröhle, Kinder-und Volksmärchen (Leipzig, 1853), n.º 3;

16. Austriaca em Vernaleken, Oesterreichische Kinder-und Hausmärchen (Wien, 1864), n.º 34;

17. * Zingerle, Kinder-und Hausmärchen (1852-54), II, 112;

18. Gregos em J. G. Hahn, Griechische und albanesische Märchen, n.º 69 (Leipzig, 1864);

19. Outra grega, em * Νεοελληνίκα Ανάλεκτα 2, 1, n.º 4;

20. Outra alleman em * Frommann, Die deutsche Mundarten, IV, 263;

21. Catalans em Fr. Maspons y Labrós, Lo Rondallayre, quentos populars catalans, Barcelona, 1871, n.os 14 e 25.

22. Avarica em Awarische Texte, n.º 12.

A unica forma litteraria das conhecidas que Trancoso poderia ter lido é a de Straparola. Este publicava já em 1508 um livro de versos e vivia ainda em 1557; foi entre essas duas epochas que compoz e publicou pela primeira vez as Notti. A versão de Trancoso desvia-se porém, assaz da do novellista italiano para que possamos consideral-a como independente d'ella. Resta ainda a possibilidade d'uma fonte litteraria desconhecida. As formas populares reunidas por nós desviam-se tambem muito da versão do nosso novellista, que tirou ao conto quasi todo o maravilhoso.

A facecia n.º LXVI da presente collecção, que serve de explicação popular aos proloquios: quem não te conhecer que te compre, ou quem te conhecer que te compre, ou ainda quem não te conhecer que te compre, saberá a besta que leva, era corrente no seculo passado, como nos mostra a versão que d'ella dá Bluteau a proposito do mencionado proloquio:

«O caso foy, que estando huns Estudantes na ponte de Coimbra, a tempo que passava um homem com seu jumento carregado, o qual levava pelo cabresto, se chegou hum dos Estudantes ao jumento, e tirando-lhe o cabresto sutilmente, o meteo na sua cabeça, e foy seguindo o homem, que hia puxando por elle; os mais Escholasticos com diligencia esconderão o asno, que ficou solto; e o Estudante encabrestado, vendo que já o jumento estava escondido, não quiz andar mais adiante, e entendendo o pobre homem, que o burrico para seguir a viagem necessitava de quatro pauladas, virou para traz, e vendo que levava pelo cabresto hum Estudante, ficou assustado com o tal objecto; n'este tempo o Estudante lhe disse: Meu Senhor, vossa mercê não se espante, porque eu sou hum homem bem nascido, mas por fado ando ha muitos annos com a forma e figura, que até agora me vio; mas neste instante foy Deos servido, que o meu triste fadario se me acabasse, e assim lhe peço, que n'este caso me guarde segredo para que se me não saiba a falta, e me perdoe o que lhe faço do dinheiro que por mim deu, e o serviço que lhe faria. O simples homem entendendo que era isto verdade, lhe respondeu: Senhor Estudante, não permitta nosso Senhor, que uma alma Christã padeça tão grandes tormentos, e entenda, que não só me não dá pena, mas grande gosto em o ver livre de tão triste fado; e com isto se foy cada qual buscar sua vida. Os velhacos dos Escholasticos não se contentando com a carga que o jumento levava, o levarão á feira a vender, e vendo-o o dono, que lá se achou, para comprar outro, e conhecendo-o perguntou a quem o levava, se vendia aquelle jumento, e lhe responderão que sim, e entendendo o Villão que o Estudante se tinha outra vez convertido em burro, pedio licença ao que o levava para dar em cortezia uma palavra áquelle jumento, o que sendo-lhe concedido, se chegou a elle, e lhe disse: «Ouve, senhor burro, quem te não conhece, te compre

O agagio:

Comei mangas aqui;
A vós honram não a mim,

é o ultimo vestigio d'um conto que ainda não encontramos na tradição portugueza, mas que é conhecido d'outros paizes e sobre o qual R. Köhler deu ricas indicações no Jahrbuch für rom. und engl. Literatur, XII, 351 s. e XIV, 425 s. O papa Innocencio III no seu livro De contemptu mundi sive de miseria humanae conditionis deu a seguinte versão, transcripta por Köhler:

Cum quidam philosophus in habitu contemptibili principis aulam adisset et diu pulsans non fuisset admissus, sed quotiens tentasset ingredi, toties contigisset eum repelli, mutavit habitum, e assumpsit ornatum. Tune ad primam vocem aditus patuit venienti. Qui procedens ad principem, pallium, quod gestabat, coepit venerabiliter osculari. Super quo princeps admirans, quare hoc ageret, exquisivit. Philosophus respondit: Honorantem me honoro, quia quod virtus non potuit, vestis obtinuit.»

Pitré, Fiabe, novelle e racconti popolari siciliane CXC, 8 offerece uma versão popular que se aproxima mais da que suppõe o nosso adagio. Giufà que como pateta não era convidado por ninguem, é vestido luxuosamente pela mãe. Convidam-no para a mesa onde o tinham antes repellido e elle ia comendo e metendo comer nas vestes, dizendo: «Manciati, rubbiceddi miei, cà vuàtri fustivu 'mmitati.»

O conto da Bella-menina, n.º XXIX da presente collecção, apresenta analogias tão intimas como o conto de La Belle et la Bête, redigido em francez por Madame de Beaumont[6], e traduzido mais de uma vez em portuguez, que nada ha mais natural do que pensar que a forma que publicamos deriva d'essa fonte litteraria; a concordancia é sobretudo muito particular na primeira parte do conto, até que Belle vae habitar o palacio do monstro; no resto ha differenças apparentemente insignificantes e que se poderiam attribuir aos caprichos da imaginação dos narradores portuguezes, se a comparação não nos mostrasse o seu valor tradicional. Na versão de Madame de Beaumont, Belle familiarisa-se com o monstro que a tracta magnificamente e lhe pergunta sempre antes de se ir deitar-se ella quer casar com elle; ella responde que não, e o monstro lança um terrivel suspiro. Belle, um dia vê n'um espelho que seu pae estava doente de pena; exprime ao monstro o desejo de o vêr; elle consente, mas faz-lhe prometter que voltará ao fim de oito dias; diz-lhe quando ella quizer voltar que ponha ao deitar-se o seu annel em cima da mesa. Quando Belle acordou achou-se em casa de seu pae. As irmãs tinham casado, mas eram desgraçadas; vendo a irmã vestida como uma princeza, tiveram-lhe inveja e tractaram de a demorar mais dos oito dias, o que conseguiram, fingindo-se muito penalisadas pela partida d'ella. Ao fim de dez dias voltou Belle ao palacio, mas o monstro não apparecia; ella correu a um sitio onde o vira em sonho e achou-o sem sentidos; lançou-se sem horror sobre o corpo do monstro; deitou-se agua na cabeça, e elle voltando a si diz-lhe que de pena de a ter perdido resolvera matar-se á fome. Belle diz-lhe que elle ha de viver e ser seu esposo; então o monstro desapparece e em seu logar fica um bello principe, pois o seu encanto devia acabar quando uma donzella o acceitasse para esposo. As más irmãs são convertidas em estatuas. O final da versão portugueza é mais curto; mas pondo de parte circumstancias que podiam ser supprimidas simplesmente, notaremos as seguintes differenças: a Bella-menina não vae a casa para ver o pae doente, mas sim pelo casamento d'uma irmã; o encanto do monstro não acaba por ella dizer que o quer para esposo, mas sim quando Bella-menina lhe dá um beijo.

Há versões populares d'este conto ou contos mais ou menos similhantes em diversos paizes; taes são o n.º 88 dos Kinder und Hausmärchen, de Grimm, e as indicadas por W. Grimm, vol. III, 152 ss., 329 s., a grega de Cypre, colhida por Sakellario e traduzida em allemão por F. Lebrecht no Jahrbuch f. rom. u. engl. Literatur, XI, 374-379 (nota a pag. 386), o conto masurico publicado por Toeppen: Die Rose (vid. R. Köhler em G. G. Anzeige, 1868. St. 35), o n.º 9 dos Sicilianischen Märchen de Laura Gonzenbach (vid. nota de R. Köhler no vol. II, p. 208 9), o n.º XXXIX da grande collecção de Pitré. Ora em pontos em que a nosso versão do Minho se afasta da de Beaumont aproxima-se d'algumas das outras versões o que prova que não deriva d'aquella. Assim o que motiva a ida da donzella a casa é o casamento das irmãs em Pitré, Gonzenbach, Grimm n.º 88. N'algumas d'essas versões o nucleo do nosso conto funde-se com outros elementos; assim na de Grimm, n.º 88, acha-se uma versão do nosso n.º XLIV; o conto acha-se assim alterado e a sua solução não se póde comparar com a das formas simples, como a nossa n.º XXIX, a de Pitré, n.º XXXIX, a cyprica, etc.

N'estas ultimas duas, o encanto quebra-se como na de Madame de Beaumont quando a donzella diz que acceita o monstro para marido; mas no antigo poema francez Le bel inconnu, publicado por C. Hippeau, ha uma forma da nossa tradição em que o encanto do monstro (aqui uma donzella) se quebra com um beijo que dá na bocca de Giglain, (v. 3150 e ss.) ora esta variante é, senão a mais antiga, como cremos, pelo menos tradicional e antiga no nosso conto.

A quebra d'um encanto por meio de beijo apparece n'outros contos. N'um conto ehsthnico (Ehsthnische Märchen. Aufgezeichnet von Friedrich Kreutzwald. Aus dem Ehstnischen übersetzt von F. Löwe; Halle, 1869. 8.º, n.º 19) o encanto d'uma donzella quebra-se quando ella em forma serpente beija tres vezes um mancebo. No conto serbo traduzido por Madame Mijatovies com o titulo Bird Girl (Serbian Folk-Lore, pag. 119 ss.) o filho d'um rei beija uma ave que se transforma em bellissima donzella. Na lenda allemã Die Schlangenjungfrau (Deutsche Sagen, herausgegeben von den Brüdern Grimm n.º 13) o encanto d'uma donzella que é meio serpente quebra-se quando um mancebo puro e casto a beijar tres vezes. No poema de Lanzelet citado por J. Grimm, Deutsche Mythologie, p. 921 (3.ª ed.) um beijo na bocca d'um dragão fal-o transformar n'uma bella mulher.

Ferdinan Wolf nos seus Studien zur Geschichte der spanischen und portugiesischen Nationalliteratur (8.º Berlin, 1859, pag. 513 n.º 1, 514 n.) exprimiu a opinião de que os contos populares que se encontram na Hespanha tenham passado de França e Italia para a nossa peninsula pela maior parte só depois do seculo XVI, pelo canal da litteratura e de que só mais tarde ainda é que elles chegassem á tradição popular; o Pentamerone de Basile, collecção de contos populares napolitanos redigidos com ornatos litterarios, cuja primeira edição conhecida é de 1637, teria na opinião de Wolf contribuido muito para essa divulgação dos contos na Hespanha. Ora é evidente para quem conhece a historia das litteraturas peninsulares que a opinião de Wolf é extensiva a Portugal.

Mas o que acaba de ser dito fornece já argumentos contra ella; um estudo comparado dos contos portuguezes que temos reunido e do que já conhecemos dos contos hespanhoes prova á evidencia que essa opinião não tem fundamento, salvo com relação a alguma caso excepcional. A tradição oral de povo a povo foi, a nosso vêr, o vehiculo mais importante que trouxe esses contos para a peninsula. Vejamos por exemplo como isto se póde provar em relação directa á opinião do celebre critico austriaco.

O n.º XLIII da nossa collecção é uma versão d'um conto de que se acha uma forma no Pentamerone IV, 10: Lo soperbia castecata. Na versão de Coimbra o desprezo da princeza é motivado por o pretendente de sua mão deixar á sobremeza cair um grão de romã na barba e apanhal-o com o garfo e comel-o. Este motivo excellente falta na versão de Basile, assim como em versões populares d'outros paizes, por exemplo em Grimm n.º 52: König Drosselbart, A. Kuhn, Sagen, Gebrauche un Märchen aus Westfalen (Leipzig, 1859, 2 vol. 8.º n.º 17 dos contos), mas o mesmo ou similhante se acha em outras variantes. Em o n.º CV da grande collecção de Pitré o rei é desprezado pela princeza, porque se abaixa para apanhar um bocado de romã que caíra no chão. N'outra versão siciliana da collecção de L. Gonzenbach n.º 18 o rei pretendente toma á mesa uma cadeira em que está uma pequena penna e deixa cair molho na barba, o que o fez egualmente ser desprezado.

É evidente pois que a versão portugueza que damos n'este volume, offerecendo aquelle motivo proprio a uma das formas conhecidas do conto, não pode provir do Pentamerone. Aquelle motivo acha-se em verdade n'uma redacção litteraria italiana do conto por Luigi Alamanni. (Novella da condessa de Tolosa e do conde de Barcelona). a Alamanni morreu em 1556, mas a sua novella esteve inedita até 1794, em que foi publicada n'uma obra pouco accessivel[7].

Em regra, se para a forma litteraria, individual, d'um conto fica de pé a possibilidade d'uma fonte litteraria, embora desconhecida, salvo quando se prove directamente a sua origem popular, para a forma popular, collectiva, d'um conto deve admittir-se uma corrente de tradição oral, salvo quando se prove a communicação litteraria. Era preciso uma grande divulgação litteraria e já muito antiga para explicar a generalisação dos mesmos contos populares, em todas as provincias de Portugal, em todas provavelmente da Hespanha.

Alludimos acima (pag. XIII) ás versões peninsulares do conto ou lenda de Fridolin (pagem queimado no forno). Essas versões (que não são as unicas que se encontram aquem Pyrineus) parecem indicar pela sua completa localisação que os seus redactores as beberam na tradição popular. Em Coimbra corre ella ainda hoje na bocca do povo com relação á Rainha Santa Izabel; é verdade que poderia ser uma derivação da redacção escripta por intermedio da predica; mas a versão de Affonso X attesta a sua antiguidade na peninsula, a qual se póde ainda verificar em relação a outras narrações que se encontram tambem no Oriente. A narração portugueza tem taes relações particulares com a hespanhola que parecem derivar ambas da mesma fonte immediata. Eis as duas:

Como o coração de ElRey andava neste tempo cégo do amor illicito, sendo que a Santa Rainha era hũa mulher forte, teve d'ella desconfiança, porque nem a Magestade está segura da calumnia no Paço, aonde he ouvida a inveja; servia n'elle hum Pagem de quem a Santa Rainha, por razão de sua vida virtuosa, fazia confiança particular servindo-se do seu modesto silencio, para obras de sua occulta charidade, e sentindo outro que ella fizesse o favor à virtude, que pertendia a emulação, insinuou a ElRei, que aquelle agrado nascia da infidelidade, e não do merecimento, e sendo que a santa honestidade da Rainha Santa era irrefragavel prova de sua inviolavel fé, devendo ElRey castigar a ousadia, creo a impostura, porque a má disposição de seu animo, facilitou a credulidade do agravo, e determinou tirar ao innocente a vida, a quem a malicia tinha imputado a injuria; para que a vingança se tomasse com cautela, chamando em segredo hum homem que tinha a seu cargo hum forno de cal, a que naquelle tempo lançara o fogo, lhe disse, que quando, na hora certa de hum dia determinado, mandasse hum Pagem da Rainha a saber se fizera o que lhe ordenara, o lançasse dentro no ardente forno, porque assim convinha a seu Real serviço; chegado o prescripto dia, à hora sinalada mandou ElRey o innocente Pagem com o recado fingido ao lugar do incendio, em que determinava, que se queimasse a innocencia, e Deos dispunha que ardesse a culpa; obedeceo elle com diligencia prompta, e como tinha por inalteravel devoção entrar nas Igrejas, quando ouvia fazer os sinaes ao levantar da Hostia consagrada, ouvindo-os no Convento de S. Francisco da Ponte, que estava no caminho, entrou nelle e ouvio hũa, e outra Missa, e assistindo no exercicio de sua devoção, pôz Deos embargos à sentença de sua morte; dispondo o Senhor que se consumisse no fogo quem lhe procurara o incendio, porque quem venera a saudavel Hostia, logra immunidades na vida, e não só não padece o dano que se lhe prepara, mas faz que elle recaya em quem lho solicita; bastou sonhar Gedeão com o Pão que era figura da Eucharistia para debellar os exercitos de Madian; antes de sonhar com o Sacramento, teve por duvidosa a batalha, tanto que ouvio o misterio, deu por conseguida a victoria. Estando ElRey cuidadoso do successo, e desejando saber, se o fogo tinha desvanecido em fumo o seu presumido aggravo, chamou o outro Pagem, que atrevidamente tinha infamado, na Magestade mais decorosa, a mais innocente castidade, e lhe disse que fosse saber, se se tinha dado à execução a sua ordem; chegou elle ao lugar que se destinara para o suplicio do outro, que estava na Igreja ouvindo Missa, e entendendo o executor da morte, que àquelle mandava ElRey tirar a vida, lançando-o precipitadamentre entre as flamas, se reduzio justissimamente em cinzas, porque a divina justiça faz que pereça o culpado, no laço que se arma para o innocente: no patibulo que Amão levantou para Mardocheo, não morreo Mardocheo, e padeceo Amão.

Acabadas as Missas, se foy o devoto innocente para o forno, onde o delinquente estava consumido, e dando o recado de ElRey, lhe trouxe por resposta, que a sua ordem se dera á execução, etc.» Historia da vida, morte, milagres, canonização, e trasladação de Santa Izabel, sexta Rainha de Portugal. Escripta por D. Fernando Correa de Lacerda. Lisboa Occidental. 1735. 4.º p. 47-50.

Agora a versão metrificada de Affonso X:


Non pode prender nunca morte vergonhosa
Aquelle que guarda a virgen groriosa.

E d'aquest'aveno gran temp'á ja passado,
Que ouv'en Tolosa un conde mui preçado,

E aquest'avia un ome seu privado,
Que fazia vida come religioso.

Non pode prender nunca morte vergonhosa,
Etc.

Entre outros benes muitos que el fazia
Mais que outra rem amava Sancta Maria,
Assi que outra missa nunca el queria
Oyr erga sua, nen lh'era saborosa.

Non pode prender, etc.

E outros privados que con el cond'andavan
Avian lh'enveja, e por ende punhavan
De con el volvel-o, porque desi cuidavan
Aver con el conde sa vida mais viçosa.

Non pode prender, etc.

E sobr'esto tanto con el conde falaron,
Que aquel bon ome mui mal con el mezcraron,
E de taes cousas a el o accusaron,
Perque lhe mandava dar morte doorosa.

Non pode prender, etc.

E que non soubessen de qual morte lhe dava,
Por un seu caleiro a tan tost'enviava,
E un mui grande forno encender lhe mandava,
De lenha mui grossa que, non fosse fumosa.

Non pode prender, etc.

E mandou-lhe que o primeiro que chegasse
Om a el dos seus, que tan toste o filhasse,
E que sen demora no forno o deitasse,
E que y ardesse a carne d'el astrosa.

Non pode prender, etc.

Outro dia el conde ao que mezcrad'era
Mandou-o yr que fosse veer, se fezera
Aquel seu caleiro o que ele dissera,
Dizend: «'esta via non te seja nojosa.»

Non pode prender, etc.


Quando (?) ele ya cabo d'essa carreira,
Achou un'ermida que estava senlheira,
U dizian missa ben de mui gran maneira
De Sancta Maria, a virgen preciosa.

Non pode prender, etc.

E logo tan toste entrou en a egreja
E disse: «esta missa, como quer que seja,
Oyrei eu, porque Deus de pelleja
Me guarde, de mezcra maa e revoltosa.

Non pode prender.

Enquant'el a missa oya ben cantada,
Teve ja el conde, que a cous' acabada
Era que mandara, e por en sen tardada
Enviou outr'ome natural de Tolosa.

Non pode prender, etc.

E aquel'om'era o que a mezcra feita
Ouvera, e toda de fond'acima treita,
E disse-lhe logo: «vae correndo e aseita (?)
Se fez o caleiro a justiça fremosa.»

Non pode prender, etc.

Tan toste correndo foi-s'aquel fals'arteiro
E non se teve mas que per un semedeiro
Chegou ao forno e logo o caleiro
O deitou na chama forte e perigrosa.

Non pode prender, etc.

O outro, pois toda a missa ovu oyda,
Foi ao caleiro e disse-lhe: «ás comprida
Voontad del conde? «Diss'el:» Si! sen falida,
Senon nunca faça eu mia vida gayosa.»

Non pode prender, etc.

Enton do caleiro se partia tan toste
Aquel ome bono, e per un gram recoste
Se tornou al conde, e dentr'en sa reposte
Contou-lh' end'a estoria maravilhosa.

Non pode prender, etc.


Quando viu el conde aquele que chegara
Ant'ele viv'e soube de como queimara
O caleir'o outro que aquele mezcrara,
Teve-o por cousa d'oyr muit' espantosa

Non pode prender, etc.

E disse chorando: «Virgen, beneita sejas,
Que nunca te pagas de mezcras, nen d'envejas,
Por en farei ora per todas tas egrejas,
Contar este feito, e como es poderosa.

Non pode prender, etc.

A Disciplina clericalis, o Calila e Dymna, o Conde de Lucanor, o Libro de los engannos et los asayamentos de las mugeres e outras obras similhantes da litteratura medieval de Hespanha, monstram-nos á evidencia os arabes da peninsula como um dos vehiculos dos contos para a nossa tradição, quer directamente, quer por meio da litteratura. Esse canal está bem longe de ser o unico. Alguma cousa deveria ter ficado ainda da tradição greco-latina. Em verdade o nosso conto n.º XLIV tem intimas relações com o de Psyque e Amor no Metamorphoseon de Apuleu (lib. IV, V e VI), o n.º L é uma versão da historia de Midas (vid. Positivismo, I, fasc. 1 e 2); uma historia como a de Rhampsnito contada por Herodoto (II, 121, 122) é contada pelo povo sendo o thesouro do rei egypcio substituido pela casa da moeda; a historia da filha que amamentou o pae, referida por Valerio Maximo, é corrente no Minho; o nosso povo sabe algumas fabulas como as de Esopo e Phedro; mas esses factos não attestam uma tradição ininterrompida entre nós que remonte directa ao tempo do dominio romano; essas narrações podem-nos ter vindo na edade media ou ainda nos tempos modernos pelos mesmos canaes porque nos chegaram outras que por certo não provéem da antiguidade classica. Esperamos provar que ha entre alguns contos portuguezes e contos correspondentes italianos relações particulares, que fazem suppôr que a Italia, sem duvida por intermedio dos seus marinheiros, muito mais que pelo de suas novellas, nol-os enviou. O mesmo se deu provavelmente com relação a outros povos, principalmente á França.

Do mesmo modo que não podemos admittir uma origem unica para os contos, por exemplo, a origem mythica, considerando o conto e o mytho como dous productos radicalmente diversos, embora no conto entrem muitas vezes elementos mythicos, vendo nos contos o producto d'uma faculdade que se acha mais ou menos desenvolvida em todas as raças humanas, não podemos crer que a transmissão d'elles para a Europa, para cada paiz particular se operasse por um unico vehiculo. O que nós hoje possuimos d'esses documentos é o resultado do struggle for life de tradições differentes; é o residuo da reacção de diversas correntes.

Não podemos hoje fazer mais que indicar esses interessantes problemas, esperando que maior massa de materiaes e a realisação de estudos planeados ha annos nos permittam contribuir para a sua solução.


Lisboa, maio de 1879.



Notas do autor[editar]

  1. Vid. Gaston, Paris Revue critique, 1874, art. 145.
  2. Vid. Patin, Etudes sur les tragiques grecs I, 3 254 not.
  3. Vid. Loiseleur Deslongschamps, Essai sur les fables indiennes, Paris, 1838. 8.º p. 132 ss; Hermann OEsterley, Gesta Romanorum. Berlin, 1872. 8.º N.º 283 e nota respectiva. A. d'Ancona, Romania, III, 187, s.
  4. Th. Braga citou já esta passagem n'um estudo sobre os contos populares portuguezes, publicado nos Estudos da edade media e refundido duas vezes, a primeira na Revista de Portugal e Brasil I, 157-160, 191-195, II, 68-80, 91-92, a segunda na Rivista di letteratura popolare diretta da G. Pitré, F. Sabbatini, vol. I (que não podemos ainda ver); reproducção na Evolução (de Coimbra) n.os 10-12. Th. Braga pretende ver na expressão Gatas borralheiras, em Jorge Ferreira de Vasconcellos, designado mulheres que vivem na cozinha, uma allusão ao conto da Cendrillon, como se uma tal expressão não podesse existir, anteriormente ao conto; a Cendrillon foi denominada entre nós gata borralheira, porque esta expressão existia já na lingua geral.
  5. Marcamos com o asterisco as versões que não pudemos estudar; grande parte d'ellas são indicadas por R. Köhler, nas notas á versão avarica.
  6. Contes moraux pour l'instruction de la jeunesse, por Madame Le Prince de Beaumont, extraits de ses Ouvrages et publiés pour la première fois en forme de recueil. Paris, chez Barba, 1806, 3 vol. 8.º.
  7. Vid. a nota de W. Gimm K. u. Hm. III, 86 s., a de R. Köhler em Gonzenbach II, 216, F. Liebrecht, Orient u. Occident I, 122.