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Contos em verso/Contos cariocas/Improbus amor!

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IMPROBUS AMOR...
 

O Alfredo era poeta,
E na imprensa chamavam-lhe eminente;
Todavia, gostava loucamente
De uma mulata quasi analphabeta,
Que desdenhava o seu amor ardente,
Pois que lhe preferia
O primeiro caixeiro
De um armazem de seccos e molhados.

Suspirando e gemendo noite e dia,
E tirando do fundo do tinteiro
Chorosos versos, versos inflammados,
Que a mulata não lia,
E quando os lesse, não os entenderia,
As esperanças não perdia Alfredo
De, mais tarde ou mais cedo,
Aquelle coração tornar mais brando.

Um dia, um bello dia, eis sinão quando
Uma poetiza de talento, e bella,
Branca e não amarella,
Mixto de musa e fada,

Olhos da côr do céo sereno e puro,
E cabellos da côr da madrugada
Quando reponta no horizonte escuro,
— Apaixonou-se pelo nosso Alfredo,
E taes olhares lhe lançou, tão fundos,
Que não pôde guardar o seu segredo.

O poeta, nos seus versos gemebundos,
Continuou a lastimar, coitado,
Viver pela mulata desprezado
Como folha arrastada pela brisa,
E não deu attenção á poetiza.

Um amigo do peito,
Que de tudo sabia,
Protestou contra essa anomalia:
— Alfredo! com effeito!
Isso é depravação! Pois tu engeitas
O amor de uma senhora intelligente,
Lindissima, attrahente,
Que faz poesias e que as faz bem feitas,
Pelo menos tão boas como as tuas,
Por não poderes esquecer um diabo
Uma mulher das ruas,
Que de ti dará cabo
Si não tomares juizo?!...
Vamos! que os olhos abras é preciso!
Não pódes hesitar entre ellas duas!...

— Meu caro amigo, respondeu Alfredo,
Tu tens toda a razão, mas eu não cêdo.

E’ uma fatalidade! O fado nosso
Não depende de nós; aquella eu amo,
E outra, seja qual fôr, amar não posso!
Insulta-a! Não reclamo!
Dize contra ella o mal que bem quizeres;
Mas ha milhões, bilhões de outras mulheres
E não posso outra amar sinão aquella,
Que não é boa e nem siquer é bella!

Tanto amor teve, enfim, a recompensa:
A mulata, depois de percorrida
Uma carreira immensa
Que não podia ser menos abjecta,
Condoeu-se do poeta.

Hoje comem os dois á mesma mesa,
Hoje dormem os dois na mesma cama,
Não sei si ella é feliz, mas com certeza
Elle o é, porque a ama,
E a f’licidade nada mais precisa.

Por uma coincidencia, a poetiza
Casou-se com o caixeiro
De seccos e molhados,
Que da mulata o amor logrou primeiro;
E creiam todos que são bem casados.