Diccionario Bibliographico Brazileiro/Alexandre de Gusmão

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Alexandre de Gusmão — Irmão do celebre Bartholomeu de Gusmão, o voador, e filho do cirurgião-môr do presidio da villa, depois cidade do Santos, Francisco Lourenço, e de sua mulher dona Maria Alvares, nasceu nesta villa em 1695 e falleceu em Lisboa a 31 de dezembro do 1753, ou a 31 de outubro, como diz o finado Manoel Eufrazio de Azevedo Marques em seus Apontamentos historicos, geographicos, biographicos, estatisticos e noticiosos da provincia de S. Paulo.

Depois de estudar alguns preparatorios no collegio dos jesuitas, seguindo para Portugal, fez o curso de direito na universidade de Coimbra, onde recebeu o grau de doutor; e obtendo logo por intervenção de seu irmão, que gozava então de alto valimento na côrte portugueza, fazer parte da apparatosa embaixada que, depois da guerra da Hespanha e das convenções de 1712 a 1714, foi á França, ahi recebeu tambem o grau de doutor em direito civil, romano e ecclesiastico na universidade de Paris, e deu-se aos estudos da diplomacia.

De volta a Portugal em 1720, foi admittido na secretaria dos negocios do reino e no anno seguinte foi á Roma, como adjunto á missão especial de que fora encarregado o dito seu irmão, a quem elle substituiu com louvavel tino, alcançando para o rei de Portugal o titulo de fidelissimo, para o arcebispo de Lisboa o titulo de patriarcha, e sendo nomeado pelo papa, que era Benedicto VIII, principe romano, titulo que não aceitou por não querer perder sua nacionalidade. Depois disto foi Alexandre de Gusmão nomeado escrivão da puridade ou secretario particular do rei dom João V, e ministro dos negocios ultramarinos, cargo em que prestou serviços valiosissimos ao Brazil, como os da creação dos bispados de Minas-Geraes, S. Paulo e Pará, e a Portugal serviços não menos valiosos até a data do fallecimento deste soberano, em 1750.

Foi elle quem neste anno effectuou o famoso tratado de 13 de janeiro entre Portugal e a Hespanha, pelo qual se fixaram os pontos capitães da linha divisória entre as possessões dos dous Estados na America meridional, tratado que foi modificado em 1761 com desvantagens para Portugal, mas pelo qual — depois da morte de dom João V, porque não tinha as graças do successor deste — lhe imaginaram certas accusações e quando entretanto o proprio embaixador que concluira o tratado com geral aprasimento, em seu nome e no de sua familia, fizera a Gusmão offerta de um annel, que lhe fôra doado como brinde da honrosa negociação, offerta que elle recusou com toda dignidade e energia.

Foram tres annos de amarguras os tres annos que viveu Alexandre de Gusmão, depois da morte de dom João V, não tanto por se sentir ferido pela ingratidão de dom José, e da côrte portugueza, como por ver perecerem seus dous filhos nas chammas de um incendio que lhe devorara sua caza e seus bens em 1751. Era fidalgo da caza real, do conselho de sua magestade o rei de Portugal e do Brazil, cavalleiro da ordem de Christo, membro do conselho ultramarino, um dos cincoenta membros da academia real de historia portugueza, e de diversas associações litterarias.

Escreveu:

Relação da entrada publica que fez em Paris aos 18 de agosto de 1715 o excellentissimo senhor dom Luiz da Camara, Conde da Ribeira, do conselho d'el-rei de Portugal, seu embaixador extraordinario d côrte de França, reinando nesta monarchia Luiz XIV, em que se acham varias noticias concernentes ao ceremonial desta embaixada, Pariz, 1715.

Pratica com que congratulou a academia real em 13 de março de 1732 por ser eleito seu collega — Sahiu na collecção de documentos o memorias da mesma academia, Lisboa, 1732, e foi reproduzida no Patriota, Rio de Janeiro, 1813, n. 4.

Conta de seus estudos academicos, dada a 24 de junho de 1732 — Na dita collecção, tomo 9.º

Aventuras de Diofanes, imitando o sapientissimo Fenelon na sua viagem de Telemaco; por Dorothea Engracia Tavareda Dalmira. Lisboa, .... — Desta obra que se sabe ser de Alexandre de Gusmão, sahiram mais duas edições no seculo passado, sendo a ultima em 1790, de 340 pags. in-4º, todas em Lisboa. Innocencio da Silva estranha com toda razão, que o autor, ainda vivendo, consentisse em ser publicado este romance sob nome que está longe de ser um anagramma de seu nome, e que entretanto o é de] dona Thereza Margarida da Silva Horta, de cuja lavra foi considerado; e ainda mais estranha que o abbade Barboza Machado, devendo estar bem ao facto destas couzas, passadas no seu tempo, sob suas vistas, se deixasse illudir ao ponto de attribuir a obra, a que me refiro, a dona Thereza. De minha parte a mencionando aqui com estas observações, nada afirmo; dou sd noticia dos factos. O que ó com certeza da penna de Alexandre Gusmão — que escrevera sendo ministro de dom João V — é o — Tratado de limites das conquistas entre as muito altos e poderosos senhores dom João V, rey de Portugal, e dom Fernando V, rey de Espanha, pelo qual, abolida a demarcação da linha meridiana ajustada no tratado de Tordesillas de 7 de junho de 1494, se determina individualmente a raya dos dominios de uma e outra coroa na America meridional, etc. Lisboa, 1750, 144 pags in-4.º — Foi reimpresso na régia officina typographica em 1802, e vem reproduzido em diversas collecções e obras.

Já deixei dito que o secretario de dom João V foi accusado a proposito deste tratado, e não procurei justifical-o por não querer afastar-me do plano que neste livro adoptei; mas — quando se trata de uma das primeiras glorias do Brazil, seja-me licito ao menos referir o que escreveu a penna mais insuspeita a respeito delle, Nas Breves annotações á memoria que publicou o Visconde de S. Leopoldo sobre os limites naturaes do imperio, discorrendo ácerca do tratado de limites negociado por Alexandre de Gusmão com a côrte da Hespanha, disse o conselheiro Miguel José Maria da Coste e Sá:

«No tocante a Alexandre de Gusmão que o censor affirma comprehendido em semelhante suspeita de suborno, em asserção, tão grave, como espuria, prevalece o principio — que uma accusação vaga é uma accusação nulla. Quando não houvesse outras provas de seu acrisolado desinteresse, o que seria longo aqui deduzir, são terminantes a carte de Nuno da Silva Telles, e a prompta resposta que se lêm na collecção de seus escriptos ineditos, hoje impressos. Nessa carta, datada de 10 de maio de 1752, que transpira sentimentos da mais delicada gratidão, Silva Telles, que depois vemos em eminentes empregos, em nome de toda familia do embaixador, seu irmão, lhe offerta o annel que a este fora dado por brinde da negociação do tratado; Gusmão sente beliscado seu melindre e pundonor; immediatamente repulsa o brinde e responde até com desabrimento.

«Convencido dos beneficios que traria ao Brazil o tratado de limites que elle havia delineado, teve a intrepidez de publicar — quando já não tinha apoio e choviam sobre elle, como refere o censor, murmurações, escriptos anonymos e ataques pessoaes, ordinarios em mudanças politicas — a sua impugnação ao parecer do brigadeiro Antonio Pedro de Vasconcellos, obra importantissima, pois que sem ella não conheceriamos hoje as justes razões politicas, que regeram aquella convenção.

«Memorias coevas relatem a Gusmão dotado de uma alma nobre e elevado pelo seu merecimento a secretario de gabinete d'el-rei dom João V; sabia que a nada mais devia aspirar, possuindo claro discernimento para prever que, nascido além do Atlantico, nunca seria revestido da categoria de secretario de estado, a que chegou: desvelou-se em promover o bem geral, discorrendo, peregrinando e fazendo chegar os benefícios ainda ás mais remotas posãessões da monarchia, e entre os estrangeiros tornando respeitado o nome do rei até que, por morte deste, do pôsto, que occupou, desceu á nullidade com a qual ae contentou de viver; e não ao alto patrocinio, como se inculca no escripto do brigadeiro VasooncelloB é que deveu Gusmão o preservar-se de maior perseguição. Os desgostos, que o levaram á sepultura, não procederam de complicações e embates politicos; mas de desgraças domesticas.»

Impugnação ao parecer do brigadeiro Antonio Pedro de Vasconcello. Lisboa, 1751 — Acredito que fosse publicada em Lisboa em 1751, porque diz o conselheiro Costa de Silva que Gusmão a publicara logo depois do parecer de Vasconcellos a dom José I considerando, segundo o tratado, a cessão da colonia do Sacramento uma perda sensivel aos interesses de Portugal e á segurança de seus dominios por aquella parte do Brazil. Foram ambos esães escriptos impressos ainda na collecção de ineditos, publicada em 1841 no Porto, e um extracto da Impugnação ou resposta de Gusmão vem na Revista do Instituto historico brazileiro, tomo 1º, pags. 322 e seguintes. Não sei si esta resposta é a mesma obra que escreveu o illustre brazileiro com o titulo:

Carta critica escripta a Antonio Pedro de Vasconcellos, governador da colonia do Sacramento por Philolethes. Lisboa, 1751, 37 pags. in-4.º

Discurso em que Alexandre de Gusmão mostra os interesses que resultam a sua magestade fidelíssima e a seus vassallos da execução do tratado de limites da colonia do Sacramento, ajustado com sua magestade constitucional no anno de 1750 — Foi publicado no Panorama, tomo 7º, pags, 149 a 151, 1843. Escapara este discurso na collecção de ineditos, impressa no Porto em 1841. Escrevera-o Gusmão, receioso — em vista da demora da execução do tratado — que elle não fosse effectuado. A bibliotheca nacional possua uma cópia n'uma collecção de escriptos de Alexandre de Gusmão, de que darei noticia adiante, e outra cópia dos fins do seculo 18º ou do começo do seculo 19º sob o titulo:

Discurso de Alexandre de Gusmão, ministro de capa e espadado conselho ultramarino, em que faz a apologia do tratado de limites do anno de 1750 — Está annexo: «Papel que fez o brigadeiro Antonio Pedro de Vasconcellos, governador que foi da colonia, contra o dito tratado; ao qual responde o mesmo ministro. «No fim, em folha separada occorre o seguinte N. B.: «Gusmão foi obrigado a fazer estes papeis e os fez, contra sua vontade, e por isto (posto que em segredo) desabafou com a seguinte carta que logo depois escreveu.» Esta carta, porém, não está com o manuscripto, mas se acha no Panorama, vol. 9º, 1852, pag. 271, seguida da de Silva Telles, lhe ofifertando o annel do tratado, da repulsa do annel, etc. É do theor seguinte:

«Sr. M.el Per.ª de F.ª He bem verdade que fiz hua tal ou qual Apologia ao tratado de limites da America e tambem uma refutação ao papel contra o mesmo Tratado que escreveu Antonio Pedro de Vasconcellos, governador que foi da Colonia; nunca escrevi mais involuntario, mas como foi por ordem superior estou persuadido que não devo ser castigado. O que não obstante, logo me esforcei, escrevendo a este respeito o que se achará nos meus Papeis, se acaso houver quem os lêia......

De Vmce Ame Mto Obrigo e Mto Vor A. de G.»

Posteriormente á morte de Alexandre de Gusmão se publicaram diversos trabalhos seus, como:

A liberdade de Nise: cançoneta de Metastazio: traducção — No Patriota, junho.de 1813, e no Parnaso Brasileiro do conego J. da Cunha Barbosa, tomo 1.º

Calculo sobre a extincção da moeda do reino que A. de Gusmão apresentou ao senhor rei dom João V no anno de 1748. — No mesmo periodico, 1813.

Calculo sobre a perda do dinheiro. Lisboa, 1822 — Sahira antes no Investigador Portuguez e talvez seja a mesma obra acima.

Panegyrico do senhor rei dom João V dito no paço em 22 de outubro de 1739 — Creio que foi publicado em vida do auctor.

Representação dirigida a el-rei D. João V expondo-lhe os serviços prestados á corôa, e pedindo remuneração delles. — No Panorama tomo 4º, 1840, pags. 155 a 157, e 166 a 168; no Jornal de Coimbra n. 52, pags. 220 a 230, e finalmente no Complemento da collecção de ineditos. A alteração do titulo que se nota em cada publicação feita deste escripto, ha tambem em outros, e d'ahi resulta a confusão ou duvida em que mo acho ás vezes.

Collecção de varios escriptos ineditos politicos e litterarios de Alexandre de Gusmão. Porto, 1841 — É feita esta publicação por J. M. F. de C. e vem ahi o que já referi sobre o tratado de 13 de janeiro de 1750, etc.

Complemento dos ineditos de Alexandre de Gusmão. Porto, 1844 — É feita por Albano Antonio de Oliveira Pinto, e contém o calculo sobre a perda do dinheiro e outros escriptos já impressos, havendo entretanto ineditos que ahi não foram comprehendidos.

Existem igualmente diversos manuscriptos, quer das obras já mencionadas e publicadas na collecçào de ineditos, quer de outras. Destes manuscriptos mencionarei:

Remarques sur la bulle d'Alexandre VI, que commence par ces mots «Alexandre Episcopus» datée du 4 may, 1493 et sur les conferences de Tordesillas du 7 juin, 1494 — Existe uma cópia na bibliotheca nacional.

Notas d critica que o senhor Marques de Valença fez á tragedia de Cid, composta por monsieur Corneille — Idem na bibliotheca nacional de Lisboa n'um volume de miscellaneas com os opusculos do marquez.

Cartas e outras producções em prosa e em verso de Alexandre de Gusmão, secretario particular do rei dom João V — Existe no Instituto historico brazileiro um volume manuscripto com este titulo offerecido por J. J. da Gama e Silva.

Consulta em que satisfez o conselho ultramarino ao que sua magestade ordena sobre o regimento das casas de fundição das Minas, com o plano do mesmo regimento. 20 de fevereiro de 1751 — Cópia de 40 fls com a assignatura de A. de Gusmão e de alguns desembargadores. Figurou na exposição de historia patria de 1881, e pertence ao mesmo instituto.

Reparos sobre à disposição de lei de 13 de dezembro de 4750 a respeito do novo methodo da cobrança do Quinto, abolindo o da Capitulação, sobre os quaes assentou a consulta do conselho ultramarino de 22 de fevereiro de 1751 — Cópia de 63 fls. , por lettra do doutor Alexande de Gusmão, pertencente a dona Joanna T. de Carvalho. Ha outra do referido instituto. Este manuscripto anda com outros sobre igual assumpto, como o

Parecer de A. de Gusmão sobre a forma de cobrar o premio da conducçuo do dinheiro para o thesouro da junta dos tres Estados.

Cantigas ineditas compostas em 1749 — Ignoro onde param.

Collecção de escriptos de Alexandre de Gusmão, de 195 fls, que pertenceu ao conego Januario da Cunha Barbosa e passava peia mais authentica — Esta collecção contém cartas e papeis sobre assumptos da administração publica da mais alta importancia, alguns dos quaes foram ja publicados, e termina com o Elogio de Alexandre de Gusmão, fidalgo da casa real, ca vai le iro da ordem de Christo, e acadêmico do numero da academia real, lido por Miguel Alves de Araujo, e publicado em Lisboa em 1754. Pôde-se ver o que contém esta collecção no catalogo da bibliotheca, de historia do Brazil, tomo 1º, pags. 895 a 898.