Diccionario Bibliographico Brazileiro/Prólogo
Mais um livro aspirando um pequeno espaço na bibliotheca braziliense, mas votado talvez ao pó do esquecimento e á condemnação, quasi infallivel, que paira sobre todos os livros de autor brazileiro; e tanto mais devo esperar que seja esta a sua sorte, quanto — sou o primeiro a confessal-o — elle está bem longe de ser o que seu titulo promette.
Entretanto só Deus sabe as decepções, as contrariedades de toda especie, com que teve de lutar seu autor para o apresentar tal qual sahe.
— E porque não mediste assaz tuas forças antes de aventurar-te á empresa? — perguntar-me-ha o leitor.
Medi-as tanto, que ainda nutro a convicção de que um trabalho deste genero um homem só, por muito grande cabedal de illustração que possua, não póde cabalmente desempenhar; e portanto não poderia eu esperar leval-o a effeito, sem a cultura intellectual precisa, sem outros titulos, para isto indispensaveis.
Mas, além de que, como já tive occasião de declaral-o, eu precisava de uma distracção séria, acurada, quando metti mãos á empresa, nutria a firme convicção de que — tratando de um livro, onde se registrassem as obras de tantos brazileiros desde os tempos coloniaes até hoje, muitos dos quaes deixaram obras do mais alto valor sem que, entretanto, sejam seus nomes conhecidos; onde se pozessem em relevo os meritos litterarios de tantos brazileiros, distinctos nos diversos ramos dos conhecimentos humanos — nenhum brazileiro, que preze as lettras, deixaria de contribuir com seu obulo, com os esclarecimentos relativos a si, ou a outros patricios, para um commettimento que, si dá a quem o toma a gloria do trabalho, dá tambem ao paiz a gloria de perpetuar-se a memoria de tantas illustrações, já cahidas, ou que vão tombando na valla obscura do esquecimento, e aos estudiosos a conveniencia de acharem n’um só livro o que, a custo, só poderão encontrar esparso.
E foi ahi que enganei-me.
De corporações scientificas, a cada um de cujos membros me dirigi, uma só resposta não tive!
De homens considerados como esforçados athletas das lettras patrias, porque seus nomes figuram em todas as associações litterarias, ou á frente de diversoso pusculos contendo, ora um discurso sobre qualquer assumpto, ora uma edição refundida de cousa já sabida sobre qualquer ponto scientifico, nem pude obter uma dessas noticias, que me dariam de momento, si o quizessem!
Homens, em summa, que vi pressurosos pedindo apontamentos para o importante diccionario de Innocencio, — e alguem até a quem me acostumara a olhar quasi como parente — nenhum auxilio me prestaram!
Não deveria talvez dizel-o; mas digo-o, porque o dezar não reflecte sobre o paiz. Reflecte, sim — com bastante mágoa o confesso — sobre o autor da obra, em quem não suppunham merito.
Deveria quebrar a penna. Mas o trabalho estava encetado; precisava de assumpto que me occupasse seriamente o espirito, e sobretudo não sei que sentimento de mim se apoderou… Foi um capricho, uma loucura talvez.
E então prosegui.
Já se me tem apontado como causa dessa recusa um sentimento de modestia. Como? Ha quebra de modestia na declaração, toda particular, do logar e data do nascimento, dos estudos feitos, do emprego que se exerce e das obras, publicadas ou ineditas, que se tem escripto, para uma noticia que vae ser redigida e assignada por outro? Não se fere a modestia publicando um livro, e se fere deixando que se dê noticia do livro?
Não será menos modesto publicar uma obra assignando-a, e dando após a assignatura, como fazem muitos, uma enumeração de todas as commissões, ás vezes ephemeras, ou empregos que foram exercidos; de todas as associações, ás vezes extinctas, a que se tem pertencido; de condecorações, ás vezes compradas, e de títulos iguaes?
Como se póde conciliar esse afan, de que tanta gente por ahi alardeia pelas lettras, com esse procedimento que acabo de revelar?
O trabalho, que dou agora á publicidade, repito-o, é um trabalho incompleto, deficientissimo, mórmente no que é concernente ao seculo actual, ou ao tempo decorrido de nossa independencia litteraria. Apresentando tão limitado numero de escriptores das épocas coloniaes, em relação a estas, é elle mais completo. Parece um absurdo; e entretanto é a verdade.
« Procurae nos seculos XVI e XVII— escreveu uma das mais robustas intelligencias que possue o Brazil, o doutor Sylvio Roméro, tratando da poesia popular no Brazil — manifestações serias da intelligencia colonial, e as não achareis. A totalidade da população, sem saber, sem grandezas, sem glorias, nem sequer estava nesse periodo de barbara fecundidade, em que os povos intelligentes amalgamam os elementos de suas vastas epopéas… Os pobres vassallos da corôa portugueza não tinham tradições; eram como um fragmento do pobre edificio da metropole, atirado em um novo mundo, onde cahiu aos pedaços e perdeu a memoria do logar em que servia. »
Nem ha negal-o.
Que homens nos mandava Portugal para o Brazil, sinão miseros degredados, analphabetos, homens enervados no vicio e tirados das ultimas camadas da sociedade, ou audaciosos aventureiros, avidos de fortuna, e alguns governadores ou capitães-generaes, em geral estupidos, e só tendo merecimento por carunchosos titulos de nobreza?
Que fontes de instrucção encontravam os brazileiros em sua patria a não serem as aulas dos collegios dos jesuitas, que, como é sabido, instruiam a mocidade, preparando-a ao mesmo tempo a seu serviço, a seus particulares interesses?
Os jesuitas entregavam-se á catechese dos nossos sertões para melhor illudirem os incautos e pobres de espirito em sua obra monumental, que consistia em enthesourar riquezas e constituirem-se dominadores de todo mundo catholico.
Uma prova do que aventuro é que, mesmo no tempo da escravidão dos brazileiros, estes chegaram a revoltar-se contra os jesuitas manifestamente, como fizeram a 17 de julho de 1661 os habitantes da cidade de Belem, que os prenderam — a todos — para envial-os a Portugal, sendo o proprio Antonio Vieira um dos presos.
As mais altas questões sociaes e politicas eram tratadas e resolvidas em segredo nos reconditos concilios de Loyola. Jesuitas sinceros houve poucos; os Anchietas foram raros. E houve na companhia homens, que pela nobreza de seus sentimentos despiram a roupeta, como o padre Euzebio de Mattos, que Antonio Vieira considerava um dos ornamentos da companhia.
Desculpem os leitores a pequena digressão, e continuemos as considerações, que faziamos.
Si a metrópole não offerecia aos brazileiros, nos tempos primitivos, fontes em que bebessem instrucção; si no banquete do funccionalismo publico não havia talheres para os nascidos no Brazil; si até lhes era vedado possuir fortuna… e portanto não podiam elles possuir cabedaes, com que mandassem seus filhos a Coimbra estudar, é claro que não podiam os brazileiros naquelles seculos cultivar as lettras.
No seculo passado pouco modificaram-se as cousas em beneficio dos filhos do paiz.
Os conventos de diversas ordens religiosas abriram aulas para a mocidade estudiosa; outras aulas de humanidades appareceram nas capitaes das capitanias; alguns jovens, descendentes de portuguezes e mesmo de nacionaes, poderam ir á Portugal e ahi fizeram cursos academicos. Mas, si não era permittido ao Brazil possuir um prelo, e nem se consentia que houvesse associações litterarias; si era vedada em summa a transmissão pela palavra do estudo que cada um fizesse, ou dos conhecimentos que adquirisse, com quantas e quão grandes difficuldades não lutava o brazileiro, já instruido, para dar á publicidade qualquer obra?
Taes difficuldades não consistiam só nas despezas maiores, e em ter em Portugal um encarregado da impressão da obra, que muitas vezes era extraviada antes de vir á luz. Era preciso fazel-a passar incolume pelos cadinhos do desembargo do paço e do nunca assaz execrando santo officio, dessa horda odiosa e amaldiçoada de homens que tanto abateram e ultrajaram a religião de Christo.
Sabe-se que antes da familia real passar-se para o Brazil, apenas uma typographia aqui se inaugurou, no meiado do seculo passado, por iniciativa de uma sociedade litteraria, a dos selectos, instituida por consentimento e sob os auspicios do governador Conde de Bobadella, a quem esta sociedade tecera tantos encomios, que — parece — fôra ella instituida só para elogial-o. Essa typographia deu a lume apenas uns opusculos, noticiando a entrada do bispo dom frei Antonio do Desterro no Rio de Janeiro, e publicando os applausos ao mesmo bispo e diversas poesias a elle feitas; e clandestinamente as duas obras: Exame de Artilheiros e Exame de Bombeiros, com a declaração de serem impressas — esta em Madrid em 1748 e aquella em Lisboa em 1744, apezar de terem ellas as respectivas licenças do santo officio e do ordinario do paço, porque era conhecido o perigo que corria quem escrevesse no Brazil e o proprietario da officina, Antonio Izidoro da Fonseca.
E apenas constou ao governo portuguez a existencia della, foi logo mandada abolir e queimar para não propagar ideias que podessem ser contrarias aos interesses do Estado!!
E permitta-se-me aqui um parenthesis.
Foi talvez para não propagar ideias, que podessem ser contrarias aos interesses do Estado, que por carta régia de 30 de agosto de 1766 se mandou fechar todas as lojas de ourives, estabelecidas no Brazil, sequestrar-lhes os instrumentos, assentar praça no exercito os officiaes de ourivesaria que fossem solteiros, prohibir em summa o exercido desta arte, castigando os contraventores com as penas de moedeiros falsos!!…
Foi talvez para não propagar ideias, que podessem ser contrarias aos interesses do Estado, que por alvará de 5 de janeiro de 1785 se mandou, sob gravissimas penas, que fossem fechadas no Brazil todas as fabricas, manufacturas e theares de ouro, prata, seda, linho, lã ou algodão, exceptuando-se sómente a fazenda grossa de algodão para uso dos negros, indios e familias pobres!!…
Foi talvez para não propagar ideias, que podessem ser contrarias aos interesses do Estado, que por essa mesma época o magnanimo e sabio governo da metropole prohibiu a venda de navios do commercio para qualquer dos portos do Brazil!!…
Foi, em ultima analyse, para não propagar ideias que podessem ser contrarias aos interesses do Estado, que tão benevolo e paternal governo ordenou por lei que todo vassallo da corôa que viesse a possuir mais de uma fortuna mediana, fosse enviado para Portugal!!…
Oh! não é possível se acabrunhar mais um povo! Não póde haver uma oppressão mais iniqua!
Com effeito, durante o longo periodo, em que o Brazil gemeu sob o domínio de Portugal, só rigores lhe dispensava a metropole. Por qualquer das faces das capitanias de nosso vasto territorio, a que lancemos as vistas, só a imagem lugubre e esqualida da desolação é o que enxergamos. Beneficios tendentes ás instituições brazileiras, e as mais indispensaveis reformas não se apontam. Portugal só queria do Brazil o ouro, as riquezas naturaes [1]; e entretanto, como disse o finado Pereira de Alencastre — a metropole de nada soube aproveitar-se, porque na hora em que teve de dar contas ao mundo do deposito, que a Providencia lhe houvera confiado, estava mais pobre do que a sua tutelada.
Só com a presença da familia real no Brazil, em 1808, foi permittida uma typographia á cidade do Rio de Janeiro, onde se publicou a primeira folha que tivemos, a Gaveta do Rio de Janeiro, que sahia duas vezes por semana em meia folha de papel commum, dobrado em quarto, folha de propriedade dos empregados da secretaria de estrangeiros, contendo só despachos, ordens do governo e noticias de Portugal, amenizada com a commemoração dos anniversarios natalicios da familia real e das festas da côrte, odes e panegyricos ás reaes pessoas.
Foi nesta época que despontou, como que a furto, medroso, o sol da independencia litteraria no horisonte brazileiro. Luzir no firmamento da patria, só depois de nossa independencia politica lhe foi permittido.
Depois desta typographia, por muitas instancias do benemerito Conde dos Arcos, governador e capitão general da Bahia, foi concedida outra a essa provincia por carta régia de 5 de fevereiro de 1811, na qual se publicou a Idade de ouro, folha igual á Gazeta. Mas a nascente imprensa marchou com tão fortes peias, que em 1821 apenas contava o Brazil oito jornaes, sendo no Rio de Janeiro a Gazeta já mencionada, o Conciliador, o Amigo do povo e do rei; na Bahia a Idade de ouro, o Diario constitucional e o Semanario civico; e em Pernambuco a Segarrega e a Aurora pernambucana. Nenhum delles era propriamente instructivo.
Quanto ás associações de lettras, o paternal governo da metropole teve sempre o cuidado de cortar-lhes os vôos.
A academia brazileira dos esquecidos, fundada no Rio de Janeiro em 1724 ou 1725, desappareceu por motivos ainda mysteriosos, naturalmente, para não propagar ideias que podessem ser contrarias aos interesses do Estado, depois de algumas sessões, sendo a ultima a 4 de fevereiro desse anno.
A academia dos felizes, fundada em 1736 sob as vistas do governador, em seu palacio, hoje paço imperial, só composta de trinta membros, ainda menos tempo viveu, restando na bibliotheca nacional algumas memorias, interessantes pelo assumpto, mas de tal modo desconnexas e desordenadas, que mais parecem os primeiros traços e simples bosquejos de um trabalho que ainda tinha de coordenar-se, do que um trabalho completo.
A esta seguiu-se a academia dos selectos, a que já nos referimos, que foi fundada e celebrou uma unica sessão a 30 de janeiro de 1752, tambem no palacio do governador, com o unico fim de tecer a este elogios em prosa e em verso.
A academia dos renascidos, fundada na Bahia a 6 de junho de 1759, pela necessidade, dizem seus estatutos, « de erigir um padrão da alegria que sentiram os habitantes da Bahia com a noticia do perfeito restabelecimento de S. M. Fidelissima depois de perigosa enfermidade, e de seu affecto á real pessoa », celebrou algumas sessões, sendo a ultima a 16 de abril do anno seguinte, e marcando-se préviamente o ponto que deveria ser discutido em cada reunião, quando de repente, por ordem do governo, foi agarrado seu director, o velho conselheiro José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Mello, accusado de inconfidente e sepultado nos carceres de uma fortaleza, onde permaneceu longos annos, já considerado morto por sua familia, sendo o verdadeiro e unico crime do ancião venerando, do magistrado integerrimo, ser desvelado cultor das lettras, e querer afujentar as trevas da ignorancia no Brazil!!
Propunha-se esta associação a escrever a historia universal da America portugueza.
Nesta academia foram lidas diversas obras por seus associados; tudo porém sumiu-se com a dispersão destes, consecutiva á prisão do velho director.
Só nos resta a noticia de duas de taes obras, que são: Historia militar do Brazil desde 1547 até 1752 por José Miralles, tenente-coronel do regimento de caçadores da cidade de S. Salvador, academico da academia brazilica dos renascidos, manuscripta; e Culto metrico, tributo obsequioso que ás aras da Sacratissima Pureza de Maria Santissima, Senhora Nossa e Mãe de Deus, dedica, offerece e consagra José Pires de Carvalho e Albuquerque.
O que acabo de referir, com relação á academia dos renascidos principalmente, mostra a toda evidencia a má vontade do governo portuguez no que diz respeito á diffusão das luzes no Brazil. Seu horror aos progressos intellectuaes da triste tutelada é bem manifesto. Entretanto estes factos não extinguiram ainda o espirito de associações scientificas; a tendencia dos brazileiros para as lettras permanecia.
Fundou-se depois disto a academia scientifica do Rio de Janeiro, cuja primeira reunião teve logar a 18 de fevereiro de 1772 no palacio do vice-rei, Marquez do Lavradio, por iniciativa do doutor José Henriques de Paiva, seu medico, com o fim de se tratar do desenvolvimento das sciencias naturaes, da medicina e da agricultura. Foi presidente desta associação o mesmo doutor Henriques de Paiva, e secretario Luiz Borges Salgado; e apezar de tão restrictos serem seus fins, e de fazer conhecidas na Europa plantas do Brazil, contribuindo para o cultivo do cacau, do anil, da cochonilha e de outros productos, morreu, como suas irmãs, aos maus olhados da metropole.
Finalmente e já nos fins do seculo XVIII o illustrado mineiro Manoel Ignacio da Silva Alvarenga, tendo a felicidade de merecer a estima do governador do Rio de Janeiro Luiz de Vasconcellos, que — honra lhe seja feita — sabia reconhecer e dar valor ao merito onde elle estivesse, e demonstrou desejos de ver no Brazil florescerem as lettras, Alvarenga, associando-se a seu conterraneo José Basilio da Gama, o festejado cantor do Uruguay, que acabava de chegar de Portugal, obteve a instituição de uma sociedade litteraria, moldada pela Arcadia de Roma, á qual chegaram a agrupar-se brilhantes intelligencias, que então floresciam na terra do Cruzeiro. Mas, quanto lutaram os associados e que fim teve essa associação, logo que constou em Portugal sua existencia!
Sendo Luiz de Vasconcellos substituido no governo pelo famigerado Conde de Rezende, um dos mais ferozes infanticidas das lettras brazileiras, ordenou que fosse dissolvida a academia e presos os que della faziam parte!! E o pobre Alvarenga gemeu dous annos nos carceres da ilha das Cobras, sem se lhe formar culpa, porque para ella não havia base alguma, tendo por seu severo juiz o desembargador portuguez Antonio Diniz da Cruz e Silva, o epigrammatico autor do Hyssope, tambem poeta e litterato! E quando, depois de dous annos, obteve a liberdade, foi para viver alquebrado de todas as forças, quer physicas, quer moraes.
Foi o ultimo tentamen para a independencia das lettras brazileiras até á vinda ao Brazil da real familia de Bragança.
Mas… quando me propunha apenas a dar os porques de meu livro, eis-me tratando da litteratura brazileira, ou antes dos desastrosos e mal succedidos tentamens dos brazileiros para terem uma litteratura sua antes de serem nação independente. Não tenho em vistas estudar aqui o desenvolvimento que têm tido as lettras no Brazil, e que só se effectuou depois da imdependencia; e quando o tivesse, desistiria da empresa, porque para uma introducção, cousa que de ordinario pouca gente lê, já vai esta por certo longa, não tendo entretanto dito tudo quanto ainda preciso dizer.
Bem que propriamente bibliographico seja meu livro, entendi que não podia deixar de dar algumas noticias biographicas relativamente a cada um escriptor, de que me occupo, guardando nesta parte uma certa concisão, porque, de outra sorte, teria de dar á empresa uma amplidão, que não se coaduna com a natureza della.
Neste intuito ainda vi-me em apuros muitas vezes por nada ter podido obter, nem ao menos a respeito da naturalidade do escriptor, que conhecia apenas pela obra que escrevera; outras vezes, ainda que raras, ao contrario colhi tantos, tão importantes factos da vida do escriptor, e todos estes factos tão sympathicos, que, não cabendo nas raias deste trabalho enuncial-os todos, vi-me embaraçado na escolha daquelles a que devia restringir-me. Foi isto o que aconteceu-me ao occupar-me do chefe de esquadra Miguel de Souza Mello e Alvim, fallecido em 1866, do almirante Visconde de Inhaúma, fallecido em 1869, e de alguns outros.
Prevejo que serei accusado de omittir neste livro escriptores que de direito devem figurar nelle, e obras de escriptores de quem faço menção. Para ser absolvido dessa culpa bastar-me-ha o que fica exposto no principio destas desordenadas linhas. Sou o primeiro a reconhecer que ha aqui omissões, e ainda as haveria, si não se dessem as circumstancias expostas.
Que obra se apresentará no genero desta, isenta completamente de taes omissões?
Não ha quem não teça elogios, que em minha opinião nunca serão exagerados, ao abbade Barboza Machado e a Innocencio da Silva, os dous escriptores, que na lingua portugueza mais desenvolvidamente se occuparam de assumpto igual; não ha quem desconheça os serviços que prestaram ás lettras portuguezas, o primeiro com sua Bibliotheca luzitana, e o segundo com seu Diccionario bibliographico. Entretanto este aponta a cada passo omissões daquelle; e quando assim procede, apresenta em supplemento ao primeiro volume de sua obra, o qual só abrange as lettras A e B, um volume, abrangendo as mesmas lettras, apenas.
Metade pelo menos deste supplemento é de obras que não foram mencionadas opportunamente.
Tome-se um catalogo de uma livraria qualquer, mesmo do imperio, por exemplo o da bibliotheca municipal do Rio de Janeiro, e logo nas primeiras paginas encontram-se autores portuguezes, que escreveram em Portugal, e que Innocencio da Silva não conhecia. Para o demonstrar citaria muitos nomes, como: frei Clemente de S. José, autor do Ceremonial reformado segundo o rito romano e serafico para uso dos religiosos da reformada provincia de Santo Antonio de Portugal, Lisboa, 1763; e dom João de Nossa Senhora da Porta Siqueira, autor dos Incendios de amor ou elevações e transportes d′alma na presença real de Jesus Christo e de suas veneráveis imagens. Porto, 1791.
E como estas omittiu ainda muitas obras publicadas em sua patria, em solemnidades, e em seus dias, como o Elogio funebre de s. m. o senhor D. Pedro, recitado na real capella da Lapa do Porto no dia 24 de setembro de 1842 por Antonio Alves Martins, etc. Porto, 1842, in-8.º
Barboza chegou a se esquecer até de contemporaneos, que conhecia perfeitamente, como João Carlos da Silva, que publicou a Origem antiga da phisica moderna pelo padre Noel Regnault, da companhia de Jesus, traduzida em portuguez, Lisboa, 1753, tres volumes — obra, de que o proprio Barboza foi um dos censores, que a qualificaram, approvando-a.
Este autor teve descuidos de outra especie que deixam ver, que tinha outras preoccupações, pelo menos, quando escreveu sua Bibliotheca. Por exemplo, dá o padre João Duarte, brazileiro, como morto em 1637, e partindo para Pernambuco em 1694 ou 57 annos depois de morto.
Apezar dessas lacunas, em meu entender todos os elogios que se façam aos dous bibliographos portuguezes, estão áquem dos que merecem elles. Mas, si vultos tão gigantes cahiram em omissões, dispondo de elementos, que nunca encontrei, não mereço eu por ventura uma absolvição por faltas identicas?
Talvez, por outro lado, seja censurado por admittir neste livro pessoas, que não deveriam ahi figurar, por não serem seus escriptos bastante dignos disto. E’ possivel que assim tenha succedido, quando para a imprensa não ha condescendencias.
Mas, admittida a hypothese de que eu fosse encyclopedico, e portanto competente para ajuizar de todas as obras, de que faço menção, sobre os variadissimos ramos de conhecimentos humanos, poderia eu por ventura ler todas? E, quando todas podesse ler e apreciar, poderia traçar com exactidão uma linha de demarcação entre o bom e o mau, sem afastar-me muitas vezes da justiça? Parece-me que não; e declaro com toda a solemnidade e franqueza, que não conheço quem o possa fazer.
Declaro entretanto que exclui deste livro muitas obras que conheço, assim como seus autores.
Talvez ainda me censurem por fazer menção de ineditos, e até de alguns que se suppõe extraviados.
Não vejo motivos para que um bibliographo não dê taes noticias. Alguns, como Barboza Machado e Bento Farinha no seu Summario da bibliotheca lusitana, o têm feito. E, além de que muitos escriptos ineditos se acham em livrarias publicas e archivos, onde podem ser consultados, muitos se espera que serão publicados, e todos os dias dá-se o facto de se descobrirem, ou virem à luz da publicidade antigos manuscriptos, de que nenhuma noticia havia.
Entendi que não devia referir-me sinão a obras, que, embora publicadas sob o anonymo ou sob diversos pseudonymos, têm autor conhecido ou designado, e que devia excluir todas aquellas de que não conheço o autor, embora tenha presumpção de serem de penna brazileira, como são algumas que tenho á vista com a declaração de serem escriptas por um magistrado brazileiro, por um vigario geral, por um bahiano, etc.; embora mesmo tenha certeza de que o autor é brazileiro. Não podendo dar o autor, não dou a obra.
Todas as obras portanto, cujos autores só se declaram por seus appellidos, visto como na classificação dos autores adoptei por systema o nome proprio, porque este systema pareceu-me preferivel, ou pelas lettras iniciaes do nome, que não pude decifrar.
Entre as que me pareceu que devia excluir estão algumas de autores conhecidos: são, por exemplo, as theses inauguraes, de que só faço menção quando seu autor tem publicado qualquer outro escripto; os relatorios ou exposições apresentados em época determinada pela lei no exercicio de cargos, como de ministro de estado, de presidente de provincia, director de companhia, etc, quando nada mais ha de seu autor; os estatutos de associações, confrarias, e collegios de educação e outros trabalhos semelhantes.
Entendi tambem que podia dispensar-me de declarar a typographia em que se fez a impressão da obra, não só para resumir mais a materia, como porque ninguem procura um livro pela officina em que foi impresso; mas pelo autor, pelo titulo, e pelo logar e anno em que foi editado, si ha mais de uma edição. Só em casos excepcionaes, como o de se terem feito duas edições no mesmo anno e no mesmo logar, faço menção da typographia.
No supplemento, que pretendo dar, serão preenchidas lacunas ou faltas, devidas a diversas circumstancias.
E, pondo termo a estas observações, declaro que não me dirijo a esses que me recusaram o auxilio, que com toda cortezia lhes pedi, sem o menor cavaco darem. A esses — que serão provavelmente os mais inexoraveis censores que hei de encontrar… não devo explicações.
Façam melhor, si o quizerem; e poderão fazel-o, porque necessariamente lhes ha de aproveitar muita cousa desse mesmo trabalho mau e imperfeito que ahi deixo.
- ↑ No antigo districto diamantino tirava-se para a fazenda real 4 a 5 mil oitavas de diamante por anno — De 1700 a 1820 deu a provincia de Minas 35.647 arrobas de ouro.
Consta mais dos registros as quantidades do ouro fornecidas pelo Brazil:
Matto Grosso de 1720 a 1820 forneceu 3.107 @ Goyaz de 1720 a 1800 »9.712 »S. Paulo de 1600 a 1820 »1.650 »
Motal das 4 Provincias 53.116 »