Diva/XX
"Sim, Augusto, eu te amo!... Já não tenho outra consciência de minha vida. Sei que existo, porque te amo.
Naquele momento, de joelhos, a teus pés, essa grande luz encheu meu coração. Acabava de ultrajar-te cruelmente; detestava-te com todas as forças de minha alma; e de repente todo aquele ódio violento e profundo fez-se amor! Mas que amor!
Desde então me sinto como inundada por este imenso júbilo de amar. Minha alma é grande e forte; guardei-a até agora virgem e pura; nem uma emoção fatigou-a ainda. Entretanto receio que ela não baste para tanta paixão. É preciso que eu derrame em torno de mim a felicidade que me esmaga.
Por que me fugiste, Augusto?... Segui-te repetindo mil vezes que te amava; confessei-o a cada flor que me cercava, a cada estrela que luzia no céu. Minha alma vinha aos meus lábios para voar a ti nestas abençoadas palavras: eu te amo! Tudo em mim, meus olhos cheios de lágrimas, minhas mãos súplices, meus cabelos soltos, se tivessem uma voz, falariam para dizer-te: Ela te ama!
Beijei na areia os sinais de teus passos, beijei os meus braços que tu havias apertado, beijei a mão que te ultrajara num momento de loucura, e os meus próprios lábios que roçaram tua face num beijo de perdão.
Que suprema delícia, meu Deus, foi para mim a dor que me causavam os meus pulsos magoados pelas tuas mãos! Como abençoei este sofrimento!... Era alguma coisa de ti, um ímpeto de tua alma, a tua cólera e indignação, que tinham ficado em minha pessoa e entravam em mim para tomar posse do que te pertencia. Pedi a Deus que tornasse indelével esse vestígio de tua ira, que me santificara como uma coisa tua!
Vieram encontrar-me submergida assim na minha felicidade. Interrogaram-me; porém eu só ouvia os cânticos de minha alma cheia das melodias do meu amor. Não lhes falei, com receio de profanar a minha voz, que eu respeito depois que ela te confessou que eu te amo. Não deixei que me tocassem para não te ofenderem no que é teu.
Quero guardar-me toda só para ti. Vem, Augusto: eu te espero. A minha vida terminou; começo agora a viver em ti.
Tua Emília.
São onze horas.
Recebo agora esta carta, aqui na cidade.
Quando fugi ontem de Emília, tinha tão grande terror de mim mesmo, que não me animei a ficar no Rio Comprido.
Acabando de ler o que ela me escrevera, pedi a Deus que me desse coragem para resistir:
— Senhor! Vós sabeis que eu não devo amar essa mulher! Seria uma infâmia!...
Achei Emília sentada em uma cadeira, absorta em seu enlevo. Vendo-me, toda essa bela criatura assumiu-se num só e inefável sorriso para cair aos meus pés, difundindo sua alma nestas palavras impetuosas:
— Eu te amo, Augusto!
Depois continuou repetindo uma e muitas vezes a mesma frase, como se estudasse uma modulação de voz que pudesse exprimir quanto havia de sublime naquele grito d'alma.
— Sim! Eu te amo!... Eu te amo!...
Eram as notas da celeste harmonia que seu coração vibrava, como o rouxinol canta na primavera e as harpas eólias ressoam ao sopro de Deus.
Quando ela desafogou sua alma desta exuberância da paixão, falei-lhe :
— Mas reflita, Emília. A que nos levará esse amor?
— Não sei!... respondeu-me com indefinível candura. — O que sei é que te amo!... Tu não és só o árbitro supremo de minha alma, és o motor de minha vida, meu pensamento e minha vontade. És tu que deves pensar e querer por mim... Eu?... Eu te pertenço; sou uma coisa tua. Podes conservá-la ou destruí-la; podes fazer dela tua mulher ou tua escrava!... É o teu direito e o meu destino. Só o que tu não podes em mim, é fazer que eu não te ame!...
Enfim, Paulo, eu ainda a amava!...
Ela é minha mulher.