Dona Guidinha do Poço/II/III
Estava o Seu Antônio no seu manso, deitado na sua rede, com as pernas passadas e as mãos cruzadas por baixo da cabeça, quando entra o Néu, e diz:
— M'pai saberá Vosmicê que o Silveira chegou esta noite.
O pai olhou-o vivamente:
— E cadê ele? Vendeu os burros todos?
— Não, Sinhô, vendeu um, fugiram dois. Ele está lá cá Seá Dona Guidinha.
— Hum! E o resto dos burros teria voltado? Que galatão, meu Jesus! Vão vê que ela vai achá que o cabra fez muito bom negoço.
Disse isto erguendo-se. E o filho:
— Num diz, não. M'pai não sabe?
— Não sabe o quê?
O jovem vaqueiro olhou se alguém os ouvia, e com uns ares de confidência:
— Apois eu sei. A Sá Carolina me dixe. Me dixe munto contrafeita, hoje quando eu vinha do piero, que o Secundino tinha sido pronunciado sempre, que o Silveira não chegou mais im tempo de jurá cuma testemunha, qui agora só no júri...
— O quê! E ele é criminoso?
— Ora se é!
— Inda mais esta!... Então não há de ser por bonita coisa, visto que ocultaram assim, o qual não fariam se não precisasse fazê mistero, ou polo menos escondê de nóis... E eu vou logo te dizendo: non quero qui tu fale nisso a ninguém. Pur nossa parte não há de sê a disgraça de ninguém, que a Seá Dona Guida pende pra Secundino e Silveira, uviu? Não diga palavra subre esse tanto, a Carolina qui vá rasgá buxo pa outra parte, qui prá cá vem de chouto... Mas cum efeito! Aquele moço tão simpático e agradave! Coitado, qui tiria cometido ele por lá?
— M'pai, aquilo mó de que é mais é um veiacão.
— Pode ser. A gente vê cara...
O vaqueiro foi ao torno, tirou as perneiras, o gibão, o guarda-peito, e seguiu para debaixo de uma latada de ramos que havia no fundo da casinha, a dar-lhes uma passadela de sebo. Fazia um sol quente de oito da manhã, céu limpo. Ouvia-se o baticum dos pilões na vivenda, que era parede-meia, e a conversa do Silveira, muito alta, com os patrões.
De quando em vez um riso lhe vinha de dentro:
— Que bom vendedor de burros! - pensava o vaqueiro. Vendeu um, fugiram dois! Talvez até a onça tivesse comido os dois... Essas onças são uns diabos do Cão, principalmente onça de dois péis. Ah! cabra desgraçado! Ladrão! Se fosse eu, te dava mas era um ensino de mestre!... Mas aquilo sabe onde carnero maia e andorinha dorme. Cabra onzonero! Vigi como o satanaz tá adulando mesmo é pra guarda-costa, xujo! Aquilo sabe inté de tologia e filosofia, e já deu fé qui o casau vive uma hora por outa renrém-renrém... E assentou logo: qui hai coisa, é bom escogitá. Aquela Guida também! Aquilo é uma danada, levada da breca, da carepa e da canita, e se ela não fez ainda uma terramote é mó de que Su Majó tem oração forte consigo...
E assim ia o vaqueiro ancião pensando alto, a esfregar automaticamente o sebo no couro da veste endurecida pela chuva:
— Diabo deste liforme tá ficando véio... Eu vi logo quando o cabra chegou o muito do impenho que ele tomou in aprecatá a sorte dos dono das terra, acabando com aquela cabeça de cupim da cumieira da casa de morada, praque diz que cupim na casa é azá pra o dono. Bajulação só! Tás bebo, canhoto! Mais a mim tu non m'ingana, não, qui não cumi pato in tempo de piqueno. Vai prá lá cas tuas histora de sobrosso e donzela incantada!
Dias depois houve samba na maloca dos Silveiras, e o Seu Antônio foi com os seus, para não refugar o convite. Não dava o seu direito a ninguém, dizia.
Os cunhados do Silveira, Manuel dos Santos e Anacleto, já haviam concluído suas casinhas por modo que estava aquele ponto uma aldeola deles.
Naiú tinha ido à vila apresentar ao Secundino a triste notícia da sua pronúncia, no seguinte bilhete, que o rapaz devorou com gana e susto:
Poço, 19 de maio
Secundino adeus
Vou lhe dar notícia que o Silveira chegou esta noite trazendo cartas para o Quinquim que você está pronunciado, não esmoreça porque deste lugar ninguém lhe arranca, abaixo de Deus e Nossa Senhora, não vejo esse que se atreva a tentar! Graças a Deus sou filha de pai que sabia honrar a sua palavra e os seus hóspedes por isso pode ficar descansado que quem lhe diz sou eu.
Vai um rol de umas encomendas para você me mandar que é para fazer um agrado à família do Silveira que são uns pardos de muita estimação como sabe. Mande os preços.
Sua parente e cr.ª obr.ª
Margarida Reginaldo de Oliveira Barros
Naiú disse ao Secundino que os Silveiras tal dia iam vadiar. Então o moço pergunta:
— Vai muita caboca?
— Ora, ora, aquilo tudo de roda. Seu Silveira diz que Vosmicê há de i...
— Pois diga que bato lá.
Mandou pedir emprestado um cavalo ao amigo Capitão Chiquinho, que morava no outro correr da praça e era negociante bodegueiro, coletor de rendas públicas, administrador do patrimônio da Matriz, e primeiro suplente do Juiz Municipal.
Todavia, por mais que fizesse, sempre lhe passava ao Secundino, de vez em quando, uma coisa pela vista:
— Diabo... Mas aquela pronúncia!
Certo era como a Guida afirmava: ninguém o agadanharia naquele termo. Porém política era o diabo. O que valia era que quando os caranguejos subissem, ele poderia afoitamente responder júri que o botavam para a rua. Por outro lado, ali onde ele estava quem dava as cartas eram os chimangos, fortemente organizados, para os quais a Guida era trunfo. E no mais o diabo não era tão feio como o pintavam. O presente era bom, o futuro que se amolasse.
Riscou no Poço da Moita no dia do samba, já com escuro, a fogueira começando a arder no terreiro do Silveira, cuja palhoça, com uns lampiões na frente, apresentava uns ares de novena. Efetivamente havia terço antes do samba.
Guida assistiu à reza, o Secundino a seu lado, e ficou para apreciar a função. De joelhos, debruçado sobre um mocho, em olhares e momices, o sobrinho caçoava para ela discretamente daqueles pés de poeira, a fazerem as suas devoções numa cantoria interminável, com latinórios de ladainhas e oremus e um português estropiado, que ele achava burlesco. O terço foi oferecido a Nossa Senhora, em honra de santo mês de Maria, na intenção de Seá Dona Guidinha, que no seu cochicho com a divindade oculta o aplicou a Nossa Senhora do Patrocínio para que tomasse sob a sua proteção o seu sobrinho Secundino, perseguido da justiça. Acabaram cantando o Meu Senhor e amado, rematado com o bendito:
Sois jardim de graça,
Virgem gloriosa,
Sois do Paraíso
A mais linda rosa.
O terço fora encomendado pela Guida, certa que a Nossa Mãe Santíssima houvera de apiedar-se pelas orações de todo aquele povo. Guida tinha muita fé, segundo estava convencida. Falava vivamente ao Secundino, com um desembaraço de expressão como firmando em cada sílaba que ele podia estar descansado, que não era assim, sem mais nada que a justiça dos praianos havia de pôr-lhe as mãos ali naquele sertão, onde o seu nome dela era um talismã.
Secundino não tirava os olhos de cima daquelas matutas que, acanhadas diante dele, ganhavam em tentação.
A função estava custando a principiar. Carolina ralhava com um e com outro que lhe deixasse arrumar o terreiro. Desarmou o altar, uma banquinha encostada do lado de fora, sob a latada, coberta por uma linda colcha, com imagens e quadros por cima, castiçais com mangas de vidro e velas de sebo, que a Guidinha emprestou.
Que gente! Deixassem guardar aquilo, senão se quebrava.
O Silveira recolhia as imagens com um ar sorumbático de celebrante, arrumando-as com os castiçais e a colcha num tabuleiro, que levou lá para dentro.
Minha gente! Deixassem de empaiação, que a Seá Dona Guidinha queria assisti ao divertimento e non havera de está se dilatando inté de menhã: era a exclamação da Carolina, toda solicitudes.
— Cadê lo Secundino?
— Está lá dentro tomando aluá! - responderam.
Sentaram-se os tocadores e os cantadores, aqueles temperando as violas. Guida mandou dar-lhes vinho.
— Que diabo de custo é aquele, meus senhores?
— É coisa pa me abusá só é quando tocadô pega a afiná a viola!
— É porque você não intelige dos arames, camarada.
Até que enfim, executadas diferentes afinações, em cima e embaixo, o da viola de melhor regra fez a postura do baião, entrando em seguida a marcar, com o polegar no bordão, ao passo que com aquele outro dedo passava a pontear um sapateado sereno, encrespado de quando em vez por um trecho vermelho de rasgado. O toque produzia nos circunstantes aquele susto que é sintoma de profundo prazer.
— Chegue, Seu Secundino!
A outra viola enfiou no rojão, amarrando o toque, e naquilo seguiram casadinhas que era um regalo.
Zé Tomás, que sentia umas dorezinhas cansadas nos músculos do pescoço, ficara febril. O jeito era descarregar no sapateado. Bateu rente no terreiro, com as mãos para trás, avançou para os tocadores, peneirando, pé atrás, recuou, pé atrás, pé adiante, pisou duro, estirou os braços para a frente com a cabeça curvada, e, estalando as castanholas dos seus dedos rijos, fez uma roda de galo que arrasta a asa e atirou na Carolina.
— Abre a roda! gritou o Secundino.
— Aí, danado! disseram os outros para o Zé Tomás.
— Quero vê, Calu!
A pernambucana saiu, empinada para diante, dando castanholadas para os lados.
— Nada, baião de quatro! - gritou o Torém, saltando em campo e atirando em uma irmã do dono da casa.
Os dois pares fizeram os seus volteados, trocaram as damas uma pela outra, e repetiram as mesmas figuras. Ficaram depois as damas, que atiraram em outros homens.
Já os outros cantadores haviam entrado no desafio, que o Secundino reclamava não poder bem apreciar.
— Neste fordunço, a cantoria se perde quase toda! - fez-lhe ver o Silveira. Eu não gostei nunca de cantá im samba pro mó disso mesmo. No pinho, outro galo me cantava, eu decidia cá a meu gosto. Mas também, a bem dizê, só aprecio hoje im dia baião de ponta de unha, bem explicado na regra, como eu cá sei. Home! Essa fonção de samba só mesmo pa quem qué se metê na vadiação...
— Viu o seu primo como é dançador? - dizia a Guida para o Secundino, referindo-se ao Zé Tomás.
Estavam em pé nos bancos, para ver melhor.
— Vi! Aquilo é um bom copo! - respondeu o outro. Não sei onde o meu tio foi arranjar aquela parelha. Olhe que também o tal de meu primo André Virino...
— Mas são bons rapazes, menino. Que tem lá isso? O pai é que é ruim para eles.
A mulher do Silveira não enjeitava partido, muito ancha e pimpona. Quando dançava, via-se-lhe a saia tremer sobre os quadris, ao ritmo das violas, que acompanhava às vezes na boca: pcht, pcht, pcht, pcht...
Os cantadores largavam a goela no mundo, impregnando no verso a volúpia do baião:
Todo branco quer ser rico,
Todo mulato é pimpão,
Todo cabra é feiticeiro,
Todo caboclo é ladrão.
Viva Seá Dona Guidinha,
Senhora deste sertão.
Prolongavam muito determinadas sílabas num misto de canto e de aboiado, principalmente a final do último verso. Às vezes a modulação parecia ir com aquele pinotear cadenciado do rojão:
O fogo nasce da lenha,
A lenha nasce do chão;
O amor nasce dos olhos,
O afeto do coração;
A ira vem de repente,
Mais a raiva vem do Cão;
A amizade vem da estima,
Do fervor a gratidão;
O home dá valimento,
Mas só Deus dá salvação...
Menina, dá-me teus braços,
Que eu te dou meu coração!
Todo letrado é ladino,
Todo frade é mandrião...
Viva Senhor Secundino,
Pessoa de estimação!
— Estão louvando a Vosmicês, tão vendo?
— Bote sentido!
— Mas é uma zoada de seiscentos, muita coisa se perde! - reclamou o Secundino.
Cada vez que boto os olhos
Para a banda onde morais,
Suspiros rompem do peito,
Sodades cada vez mais!
Se você vié de basto,
Eu entro de sota e ais:
Tando cas carta na mão,
Nem mesmo o cão farrabrais
Me bota terra nos óios,
Veiacada ele non fais!
Do Recife é que eu venho,
Terra bem longe estais,
E me chamo Secundino,
Sou galante, sou rapais,
Sou rico e sou estimado,
No amô sou famanais!
Viva Seá Dona Guidinha,
Que tudo que eu quero fais!
Que tudo que ele quer fais,
Pois é home de valia;
São chita da mesma peça
O sobrinho cumo a tia!
No tempo im que eu te amava,
Deus do céu me aparecia,
Não ia pra terra longe,
Na cegueira im que vivia
Oh! meu Deus, naquele mundo
Como triste ficaria
O coração da donzela
Que só por ele batia!
E viva Seu Secundino
Com toda sua famia...
Com toda sua famia
No reino do céu se veja:
Quando a hora for chegada,
Nossa Senhora o proteja.
— Está bom! A coisa vai passando a lamúria...
Os cantadores continuavam na louvação. Carolina vem, e atira no Secundino.
— Não pode arrecusá! Não faça desfeita!
A outra, que era a Mercês de Seu Antônio, atirou no Silveira. Secundino estava demorando por denguice, que isso lá de cara-de-pau ele a tinha bastante.
— Vom'bora, home! Deixe de custo que as muié tão esperando pur nós.
Saiu enfim Secundino, debaixo de um ah! de geral satisfação.
Ao mesmo tempo os cantadores cantavam:
Vosmicê me chama feia,
Eu não sou da tua caste;
Mais vale uma firme feia
Que uma bonita farsa!
Não quero home de saia,
Não quero mulhé de cauça:
Venha cá, Seu Secundino,
Meta logo a mão na massa!
Vou-m'imbora, vou-m'imbora,
Prô sertão do Pioí,
Vou buscar Fulores Bela
Pra casá cum Bugari.
Venha cá, Seu Secundino,
Dance no samba daqui,
Que estes caboco são pobe,
Mas têm honra consigo.
Mas têm honra consigo,
E toitiço no cupim,
Só não são da cor de leite
E nem da cor de alfenim:
Quando dizem: Não! tá dito,
Não trocam, não, pelo Sim,
Nem mesmo cabra chamurro,
Nem mesmo caboco ruim.
E viva o Seu Secundino,
Que tem boca de rubim
E tá dançando na roda...
Faz gosto dançar assim!
Secundino realmente gingava em regra, com o passo muito certo e um belo ar petulante e pachola. Carolina toda se derretia. Ele começava a ficar sensualmente excitado por aqueles movimentos vivos da saia dela, da cintura para baixo, que se repetiam com umas ondulações voluptuosas de labareda. A Mercês, mulher de Seu Antônio, dançava com certo acanhamento, mais obrigada pelo marido. Era como por cumprir um dever. Porém de suas faces coradas, dos seus olhos voltados constantemente para o chão, daquela mesma repugnância que não podia negar, medrava um chiste, a tentação da esquivança. Depois ficaram os dois homens, que atiraram em duas raparigas donzelas, cunhãzinhas do Itambé. Guida tinha o olho grelado para o Secundino que estava muito despachado e saído. O baião serenava num peneirado miudinho:
Dez vez dez - eu tenho dito,
In vinte - de ti falá,
In trinta - t'espero intão,
In quarenta - te lográ.
Uma vez um - tou falando,
Duas vez dois - tou dizendo,
Três vez três - tou assentando,
Quatro vez quatro - sabendo,
Cinco vez cinco - entendendo,
Seis vez seis - me certifico,
Sete vez sete - bonito!
Oito vez oito - zombando,
Nove vez nove - notando,
Dez vez dez - eu tenho dito.
In onze - fiquei cativo,
In doze - do teu amô,
In treze - por teu rigô,
In quatorze - ressintido,
In quinze - fiquei perdido,
In dezesseis - no lugá,
In dezessete - a cuidá
In dezoito - que te tinha
In dizanove - vidinha!
In vinte - pra ti falá.
In vinte e um - amor senti,
In vinte e dois - não me falta,
In vinte e três - dei por ti
In vinte e quatro - um intento
In vinte e cinco - sustento,
In vinte e seis - coração,
In vinte e sete - a questão
In vinte e oito - do amô,
In vinte e nove - sem dô,
In trinta - t'espero antão.
In trinta e um - considero
In trinta e dois - qu'é de sê,
In trinta e três - fiz sabê
In trinta e quatro - te quero,
In trinta e cinco - t'espero,
In trinta e seis - expilico,
In trinta e sete - vou dá
In trinta e oito - a firmeza,
In trinta e nove - é nobreza
In quarenta - te lográ.
O Seu Antônio reparava no dançado chaboqueiro do Silveira, e resmungava lá com o seu chapéu de couro:
— Olhe o cabra de topete caído cuma crista de galo véio, mal entonado im casaco de brim, que só se fez pra gente branca! Só assim o quenga largava os mulambo... Co dinheiro alheio!
Secundino e Silveira acabaram a sua parte. As violas romperam num baião vermelho, estabanado, de cavar chão, e Carolina trouxe vinho numa tigela para os cantadores, que Seá Dona Guidinha mandava.
Isto não é saborá,
É méu já purificado,
Por Seá Guidinha mandado
Mode os cantadô cantá.
Mode os cantadô cantá,
Na minha terra isto é vinho,
Banha nunca foi toicinho,
Isto não é saborá.
Inhame não é croá,
Isto não é méu de abeia,
Mas é de uva vermeia
Do Reino de Portugá,
Mode os cantadô cantá...
Só falta é pão para a ceia!
Ora, sou muito obrigado;
Seá Cumade Carolina
Leve os agardecimento
À Seá Dona Guidinha.
À Seá Dona Guidinha,
Rainha deste lugá,
Prenda do meu coração,
Sinhora do Ciará,
Que quanto mais dé do seu
Mais Deus lhe dê para dá.
Cessado o toque, passado um pouco, a fim de retemperar as violas, os tocadores se afastaram do mexe-mexe para o ouvido lhes poder melhor regular a afinação. A fogueira ardia, clareando o terreiro todo e de vez em quando ateada pelos donos do brinquedo. Carolina e as cunhadas distribuíam aluá em cuias, e aguardente em xícaras; mas havia dois copos da fazenda para as pessoas de certa ordem. Guida estava assentada perto da fogueira; serviam-na de aluá, bem como ao Secundino, a quem a Carolina perguntou de sopetão:
— Menino, diz que você qué pedi moça? Menino, deixe-se disso, você não conhece ainda o trivial do casamento... Tome meu conselho!
— Seria bonito - desdenhou a Guida - realmente, em suas condições, você casar agora.
— São aleives, tia Guidinha... Não se pode gostar de gente do outro sexo, vão logo maldando. Coisas de aldeia.
— É mesmo! - confirmou a tia, cujo porte se desenhava vivamente iluminado. Tinha os ombros cobertos por um xale de casimira bordado de ramalhetes com flores vermelhas. Seus braços meio nus, com pulseiras de ouro liso, a sair das mangas curtas, ora no gesto que acompanha a palavra, ora conchegando o xale, endireitando a saia, ora em natural descanso, tinha a provocação ácida e cheirosa de certas frutas. Ela usava essência de rosas, que trazia em um frasquinho pequenininho de cristal, atado ao pescoço com uma fita. Secundino tinha a carne aquecida pelo dançado de há pouco. A tia olhava-o profundamente. Depois, queixou-se de aborrecimento e o convidou para levá-la a casa. Secundino apanhou um tição.
— Não precisa tição... Se me virem não me deixam ir à vontade. Já estão bastante pesados...
O moço acendeu um charuto, e restituiu o tição à fogueira.
Os dois, pela vereda, sumiram-se no escuro.
Livro Terceiro