Ele
Ao "Diário Ilustrado"
Era um deboche enorme, era um festim devasso!
No palácio real brilhava a infame orgia
E até bebiam vinho os mármores do paço.
O champagne era a rodo, o deus era a Folia;
Entre o rumor febril soltava gargalhadas,
Pálido e embriagado, o herói da monarquia.
Riam-se os cortesãos pras taças empinadas,
E referviam sempre os ponches palacianos,
Nas mesas de ouro e prata, em Roma cinzeladas.
Era a repercussão dos bodos luculianos!
E os áulicos boçais e os parasitas nobres
Bebiam avidamente os vinhos de mil anos.
Desmaiavam na rua, à fome, os Jós, os pobres;
Em peles de leões os régios pés gozavam
E o norte nos salões gemia uns tristes dobres.
À louca, os convivas, com força, arremessavam
Garrafas de cristal a espelhos de Veneza
E à chuva, ao vento, ao frio, os povos soluçavam
Tremia vinolenta a velha realeza,
Caíam na alcatifa os duques e os criados
E, sujos, com fragor, rolavam sob a mesa.
A púrpura nadava em vinhos transbordados,
Cantava um cardeal não sei que chansonnette
E o espírito subia aos cérebros irados.
Era um tripúdio infrene o festival banquete!
O rei, bêbado, enfim, vazando o copo erguido,
Quis saudar e caiu, de bruços, no tapete.
E o sultão em regra em vinhos imergido,
Pisado pelo chão, rojou-se pra janela,
Como um lagarto imundo, estúpido e comprido.
A brisa dessa noite, hiberna noite bela,
Deu na fronte real uma fugaz lufada,
E o rei, agoniado, à luza de cada estrela,
Curvou-se e vomitou nas pedras da calçada.
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Na praça, de manhã, havia, ó rei brutal!
Montões de sordidez horrível e avinhada...
- Nascera o Ilustrado - vômito real!
Lisboa, 1879, publicado em folha solta