Era a Dominga primeira

Wikisource, a biblioteca livre

Era a Dominga primeira
desta quaresma presente,
já eu estava na praia,
seriam seis para as sete.
Estava o dia formoso
por ser hora, em que se veste
a esfera de azul, e ouro
com seus renglaves de neve.
A aurora teve bom parto,
pois botou em tempo breve
um menino como um sol
para alegria das gentes.
Gritei eu: ah Sor Gregório,
ele desperto gritou,
aqui estou, e Sor Silvestre.
Só falta o Pissarro moço:
já foi chamá-lo o moleque,
e em se juntando conosco
estamos prestes, e lestes.
Toda a noite não dorrni
com pensamento no beque,
que há de levar-nos à ilha,
onde façamos um frete.
Não tem, que me despertar,
que eu escuso, me despertem,
porque para esta viagem
estive de acordo sempre.
Os três à praia chegaram,
e eu no bergantim co'a gente
mandei embarcar a todos
um por um, ele por ele.
Botamos a Nau no mar
um bergantim excelente
nos nossos mares nascido
obra do estrangeiro mestre.
O alforje lá me esquecia,
disse eu, e a vocês lhes esquece:
mandei logo um negro à casa,
que fosse num pé, e viesse:
Veio logo carregado
o negro com uma serpe
de bananas, e farinha,
e al não disse o tal negrete.
Fomos, e dobrando o mangue
encontrarnos um banquete,
em que vem Miguel Ferreira
cercado de muita gente.
Allons, allons, lhe dissemos,
e ele nos disse: salvete,
trespassamos o saveiro,
que ia então vendendo azeite.
Fomos à costa correndo,
e ajudados da corrente
de Chico o porto tomamos,
que estava manso, e alegre.
Tocou-se logo a trombeta,
que um búzio era potente,
um sinal de haver chegado
a capitânia do Ostende.
Deu-nos uns poucos de apupos,
e vendo, que Chico desce,
embarcou-se, e socorreu-nos
com China, e melado quente.
Fomos seguindo a viagem
tão folgazões, tão alegres,
que até as duas guitarras
iam folgando de ver-se.
Assim chegamos à Ilha,
e sobre areias de neve
dezoito chancas saltavarn,
com que a Ilha se estremece.
Perguntei por Esperança,
e soube, que estava ausente.
Chico, que entonces servia
de guia dos nossos fretes.
Quis-me eu então repelar,
tendo pouco, que repele,
disse mal da minha vida,
de mim mesmo maldizente.
Corremos a Ilha toda,
por sinal, que o bom Silvestre
fez um letreiro na areia,
cuja letra isto refere.
"O Senhor da Ilha é um Asno"
e foi disto tão contente,
como se no tal letreiro
uma asneira não fizesse.
Nós lhe estranhamos a asneira,
e ele arreganhando os dentes,
a celebrou como sua,
por não ter, quem a celebre.
Achamos uma Mulata,
que estava ali num casebre,
que eu não fretei, por ser Nau
já carregada por prenhe.
Tornamo-nos a embarcar
algum tanto descontentes,
porque em toda a Ilha achamos
dois maracujás somente.