Erguei-lhe um trono!
Erguei-lhe um throno!... tem laureis de mais
Beijai-lhe as palmas!.. são laureis de gloria!
Não quer do escravo a somnolenta paz;
Livre—não vende o premio da victoria!
Erguei-lhe ura throno!—para que?—deixai-o
Sacudir-se nas azas da metralha!
Tem no braço o poder, no gladio o raio,
E seu manto real tem na batalha.
Surge,.. e a Italia lhe conhece o passo;
E os rotos batalhões cerrão de novo!
Embalde o cercão, pelo immenso espaço
Tem combatentes—ali está seu povo!
Eis o negro corsel relincha ovante,
Escutando o clarim na metralhada !...
Acompanhai-o—que elle está diante,
Marca-lhe o rumo a ponta de sua espada.
Vai seu caminho, heróe da liberdade,
Audaz guiando a marcial cohorte!
Manda o canhão seu nome á eternidade
—Da metralha senhor, rival da morte!
Sabem-lhe a vida ardente—essa epopéa,
Com sangue escripto ao trom da artilharia,
Nas planicies—nos montes—sobre a arêa,
Ou nos mares á voz da ventania!
Magestoso, na frente da columna,
Tremúla heróica a nacional bandeira ;
De seu cavallo á cauda ata a fortuna,
Leva no braço a gloria prisioneira.
Roja ancioso pelo solo raso
Soldados, generaes, c'rôas e sceptros!
Enviado de Deus—filho do acaso
Seguem-lhe turbas de milhões de espectros!
Vem dos ferros, do exilio, da prisão,
Dos cemiteirios, da masmorra escura,
—De Veneza, de Roma, de Milão—
Querem na patria ao menos sepultura !
Este é a triste mizeria, aquelle a fome;
Este a ambição cahida, aquelle a dòr;
Este a saudade que o sepulchro some ;
Aquelle a sombra de um perdido amor!
Da independencia o sol—eil-o que gyra
Sobre mil combros de poeira e ossos!
Que vasto incendio!—em fumegante pyra
Vede-o—de pé—sereno—entre destroços!
Oh! vinde de Italia, oh! bravos,
Vinde honrar essa coragem :
Vinde saudar na passagem
O vingador dos escravos!
Inda negro de poeira—
Vem cravar essa bandeira—
Toda de balas partida,
Que lá ficou nas batalhas
Entre sangrentas mortalhas
—Nunca morta—inda com vida!
Nos temerosos combates
Já tem provado valor;
Da guerra aos fortes embates
Não soube mudar de côr!
Renovo puro e possante
D’essa Roma triumphante,
—Não da Roma escravisada—
Inda sonha.,. que destino !
No Janiculo, no Aventino,
A liberdade c’roada!
Sonha Cicero orgulhoso
A trovejar no Senado;
Vê de Cezar—o famoso
Roto manto ensanguentado!...
No Forum torvelinhar,
—Nuvem de cinza no ar—
Cuida ver a multidão!
Sauda os Grachos altivos,
Que nunca forão captivos,
Esses rivaes de Catão!
Entre as lembranças divinas
Dos gigantes monumentos,
Neste solo entre ruinas,
Solettrai vossos portentos!
Erguei-vos ... tudo se cala!
Só a estatua, o marmor falla
Na mudez de santa paz!
De Horacio Cocles no Tibre
—Embora morto, inda livre,
Vaga a sombra—e nada mais!
Destas cinzas sobre a louza,
Novo Spartaco se ergueu!
N’aquella campa repousa
Uma nação que morreu!...
Hão de ve-la, erguida agora,
Rainha, escrava de outr’ora,
Quebrar o somno profundo;
Não, não hade a tyrannia
Curvar a fronte sombria
Da vencedora do mundo.
Garibaldi—eil-o ali está
Na Sicilia pelejando;
Na fronte que fulge lá
Cheio de virentes louros
O vulto heroico aos vindouros
Hade assombrar na grandeza...
Que esteira immensa de luz!
Daquella espada na cruz,
Que popular realeza!
Respeitai-o !—nas tormentas
Vio da America as florestas;
Vio as phalanges sedentas
De outras glorias como estas;
Oh! vio nos bosques cerrados,
Nos campos descortinados
Do sol as luzes tamanhas;
Vio nas azas do condor
Alar-se o anjo do amor
Na solidão das montanhas!
Lá gaúcho das campinas,
Solto o ponche ao furacão,
Da liberdade a oração !
Medio a gloria do braço
Na virgindade do abraço
Do céo, da terra e do mar!...
Como erão bellos os montes
Nesses largos horisontes
Do rubro sol—a brilliar!
Sicilianos, saudai—
O heroe das lendas sagradas;
Cobri de flores, juncai
O frio chão das estradas!
A vaga do mar se cala ...
Já nas plagas de Marsala
Retumbou a artilharia:
Que corre, vôa—não cança,
Flagello da tyrannia!
A’s armas!—sôa o rebate,
Lá está Palermo a tremer,
A’s armas !—neste combate
Cumpre vencer ou morrer!
Chovão bombas—pouco importa,
De tanta grandeza morta
Alçai outra vez um throno:
Cóllo altivo—a fronte erguida—
Que valle no chão a vida,
O pesadello no somno ? !
Ha nos campos muita bala
Enterrada pelo chão,
—Lembranças que a dôr exhala,
Saudades de um coração!
Ha muito corpo esquecido;
Nos supplicios resequido,
Ossos já—sem carne apenas :
Oh! erguei-vos!—que fazeis?
Não—covardes, não sereis...
Ha muito pranto nas scenas!
Quem vos guia, viu de perto
Do Gaulez a torva enchente
Vio o Pó no curso incerto
Estremecer de repente:
Mas, quando Roma curvou-se,
Quando triste debruçou-se
A estrella de Scipião ...
Sempre o mesmo, igual na fé,—
Não quiz ver estranho pé
Onde assestára o canhão.
Os brazões do livre escudo—
Foi guardal-os no desterro;
Do exilio no seio rudo
Retemperar seu aferro !. . .
Mais tarde—virão-n’o erguido
Na refrega encandecido
Festejar da patria o dia...
Nos austriacos bastiões
Entre o rugir dos canhões,
Ao som da fuzilaria.
Hoje alli—a mesma sorte
Lhe conduziu o baixel;
Soltou as azas á morte,
No galope do corcel!
Si morrer, na pedra escura
Que tapar-lhe a sepultura
Abrão-lhe eterna inscripção:
—Aqui dorme a Italia inteira,
Só tem por leito a poeira,
Por travesseiro o canhão!
Erguei-lhe um throno... tem laureis de mais
Beijai-lhe as palmas... são laureis de gloria!
Não quer do escravo a somnolenta paz,
Livre—não vende o premio da victoria!