Esaú e Jacó/LXII
— Mas, S. Excia.está almoçando, dizia o criado no patamar da escada a alguém que pedia para falar ao conselheiro.
Era falso, Aires acabava justamente de almoçar; mas o criado sabia que o amo gostava de saborear o charuto depois do almoço, sem interrupção. Agora estava no canapé e ouviu o diálogo do patamar. A pessoa insistia em dizer uma palavrinha.
— Não pode ser.
— Bem, eu espero; logo que S. Excia.acabe...
— O melhor é voltar depois; não mora ali defronte? Pois volte daqui a uma hora ou duas...
A pessoa era o Custódio e foi para casa, mas o velho diplomata, sabendo quem era, não esperou que acabasse o charuto; mandou-lhe dizer que viesse. Custódio saiu, correu, subiu e entrou assombrado.
— Que é isso, Sr. Custódio? disse-lhe Aires. O senhor anda a fazer revoluções?
— Eu, senhor? Ah! senhor! Se V. Excia.soubesse...
— Se soubesse o quê?
Custódio explicou-se. Vá, resumamos a explicação.
Na véspera, tendo de ir abaixo, Custódio foi à Rua da Assembléia, onde se pintava a tabuleta. Era já tarde; o pintor suspendera o trabalho. Só algumas das letras ficaram pintadas, — a palavra Confeitaria e a letra d. A letra o e a palavra Império estavam só debuxadas a giz. Gostou da tinta e da cor, reconciliou-se com a forma, e apenas perdoou a despesa. Recomendou pressa. Queria inaugurar a tabuleta no domingo.
Ao acordar de manhã não soube logo do que houvera na cidade, mas pouco a pouco vieram vindo as notícias, viu passar um batalhão, e creu que lhe diziam a verdade os que afirmavam a revolução e vagamente a república. A princípio, no meio do espanto, esqueceu-lhe a tabuleta. Quando se lembrou dela, viu que era preciso sustar a pintura. Escreveu às pressas um bilhete e mandou um caixeiro ao pintor. O bilhete dizia só isto: "Pare no D." Com efeito, não era preciso pintar o resto, que seria perdido, nem perder o princípio, que podia valer. Sempre haveria palavra que ocupasse o lugar das letras restantes. "Pare no D".
Quando o portador voltou trouxe a notícia de que a tabuleta estava pronta.
— Você viu-a pronta?
— Vi, patrão.
— Tinha escrito o nome antigo?
— Tinha, sim, senhor: "Confeitaria do Império".
Custódio enfiou um casaco de alpaca e voou à Rua da Assembléia. Lá estava a tabuleta, por sinal que coberta com um pedaço de chita; alguns rapazes que a tinham visto, ao passar na rua, quiseram rasgá-la; o pintor, depois de a defender com boas palavras, achou mais eficaz cobri-la. Levantada a cortina, Custódio leu: "Confeitaria do Império". Era o nome antigo, o próprio, o célebre, mas era a destruição agora; não podia conservar um dia a tabuleta, ainda que fosse em beco escuro, quanto mais na Rua do Catete...
— O senhor vai despintar tudo isto, disse ele.
— Não entendo. Quer dizer que o senhor paga primeiro a despesa. Depois, pinto outra coisa.
— Mas que perde o senhor em substituir a última palavra por outra? A primeira pode ficar, e mesmo o d... Não leu o meu bilhete?
— Chegou tarde.
— E por que pintou, depois de tão graves acontecimentos?
— O senhor tinha pressa, e eu acordei às cinco e meia para servi-lo. Quando me deram as notícias, a tabuleta estava pronta. Não me disse que queria pendurá-la domingo? Tive de pôr muito secante na tinta, e, além da tinta, gastei tempo e trabalho.
Custódio quis repudiar a obra, mas o pintor ameaçou de pôr o número da confeitaria e o nome do dono na tabuleta, e expô-la assim, para que os revolucionários lhe fossem quebrar as vidraças do Catete. Não teve remédio senão capitular. Que esperasse; ia pensar na substituição; em todo caso, pedia algum abate no preço. Alcançou a promessa do abate e voltou a casa. Em caminho, pensou no que perdia mudando de título, — uma casa tão conhecida, desde anos e anos! Diabos levassem a revolução! Que nome lhe poria agora? Nisso lembrou-lhe o vizinho Aires e correu aouvi-lo.