Esaú e Jacó/XCVII
Tudo isso lhe custava tanto, que ela acabou pedindo ao seu Cristo um lugar de governador para o pai, — ou qualquer comissão fora daqui. Jesus Cristo não distribui os governos deste mundo. O povo é que os entrega a quem merece, por meio de cédulas fechadas, metidas dentro de uma urna de madeira, contadas, abertas, lidas, somadas e multiplicadas. A comissão podia vir, isso sim; a questão era saber se Jesus Cristo acudirá a todos os que lhe pedem a mesma coisa. Os comissários seriam infinitamente mais que as comissões. Esta objeção foi logo expelida do espírito de Flora, porque ela pedia ao seu Cristo, um de marfim velho, deixa da avó, um Cristo que nunca lhe negou nada, e a quem as outras pessoas não vinham importunar com súplicas. A própria mãe tinha o seu particular, confidente de ambições, consolo de desenganos; não recorria ao da filha. Tal era a fé ingênua da moça.
Certamente, já lhe havia pedido que a livrasse daquela complicação de sentimentos, que não acabavam de ceder um ao outro, daquela hesitação cansativa, daquele empuxar para ambos os lados. Não foi ouvida. A causa seria talvez por não haver dado ao pedido a forma clara que aqui lhe ponho, com escândalo do leitor. Efetivamente, não era fácil pedir assim por palavras seguidas, faladas ou só pensadas; Flora não formulou a súplica. Pôs os olhos na imagem e esqueceu-se de si, para que a imagem lesse dentro dela o seu desejo. Era demais; requerer o favor do Céu e obrigá-lo a adivinhar o que era... Assim cuidou Flora, e resolveu emendar a mão. Não chegou lá; não ousou dizer a Jesus o que não dizia a si mesma. Pensava nos dois, sem confessar a nenhum. Sentia a contradição, sem ousar encará-la por muito tempo.