Os Lusíadas/X: diferenças entre revisões

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}}
<poem>
::::1
Mas já o claro amador da Larisséia
Adúltera inclinava os animais
Lá pera o grande lago que rodeia
Temistitão, nos fins Ocidentais;
O grande ardor do Sol Favónio enfreia
Co sopro que nos tanques naturais
Encrespa a água serena e despertava
Os lírios e jasmins, que a calma agrava,


:::::1
::::2
Quando as fermosas Ninfas, cos amantes
:Mas já o claro amador da Larisséia
Pela mão, já conformes e contentes,
:Adúltera inclinava os animais
:Lá pera o grande lago que rodeia
Subiam pera os paços radiantes
E de metais ornados reluzentes,
:Temistitão, nos fins Ocidentais;
Mandados da Rainha, que abundantes
:O grande ardor do Sol Favónio enfreia
Mesas d'altos manjares excelentes
:Co sopro que nos tanques naturais
Lhe tinha aparelhados, que a fraqueza
:Encrespa a água serena e despertava
Restaurem da cansada natureza.
:Os lírios e jasmins, que a calma agrava,

:
:::::2
::::3
Ali, em cadeiras ricas, cristalinas,
:Quando as fermosas Ninfas, cos amantes
Se assentam dous e dous, amante e dama;
:Pela mão, já conformes e contentes,
Noutras, à cabeceira, d'ouro finas,
:Subiam pera os paços radiantes
Está co a bela Deusa o claro Gama.
:E de metais ornados reluzentes,
De iguarias suaves e divinas,
:Mandados da Rainha, que abundantes
A quem não chega a Egípcia antiga fama ,
:Mesas d'altos manjares excelentes
Se acumulam os pratos de fulvo ouro,
:Lhe tinha aparelhados, que a fraqueza
Trazidos lá do Atlântico tesouro.
:Restaurem da cansada natureza.

:
:::::3
::::4
Os vinhos odoríferos, que acima
:Ali, em cadeiras ricas, cristalinas,
Estão não só do Itálico Falerno
:Se assentam dous e dous, amante e dama;
Mas da Ambrósia, que Jove tanto estima
:Noutras, à cabeceira, d'ouro finas,
Com todo o ajuntamento sempiterno,
:Está co a bela Deusa o claro Gama.
Nos vasos, onde em vão trabalha a lima,
:De iguarias suaves e divinas,
Crespas escumas erguem, que no interno
:A quem não chega a Egípcia antiga fama ,
Coração movem súbita alegria,
:Se acumulam os pratos de fulvo ouro,
Saltando co a mistura d'água fria.
:Trazidos lá do Atlântico tesouro.

:
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::::5
Mil práticas alegres se tocavam;
:Os vinhos odoríferos, que acima
Risos doces, sutis e argutos ditos,
:Estão não só do Itálico Falerno
Que entre um e outro manjar se ale vantavam,
:Mas da Ambrósia, que Jove tanto estima
Despertando os alegres apetitos;
:Com todo o ajuntamento sempiterno,
Músicos instrumentos não faltavam
:Nos vasos, onde em vão trabalha a lima,
(Quais, no profundo Reino, os nus espritos
:Crespas escumas erguem, que no interno
Fizeram descansar da eterna pena)
:Coração movem súbita alegria,
Cüa voz düa angélica Sirena.
:Saltando co a mistura d'água fria.

:
:::::5
::::6
Cantava a bela Ninfa, e cos acentos,
:Mil práticas alegres se tocavam;
Que pelos altos paços vão soando,
:Risos doces, sutis e argutos ditos,
Em consonância igual, os instumentos
:Que entre um e outro manjar se ale vantavam,
Suaves vêm a um tempo conformando.
:Despertando os alegres apetitos;
Um súbito silêncio enfreia os ventos
:Músicos instrumentos não faltavam
E faz ir docemente murmurando
:(Quais, no profundo Reino, os nus espritos
As águas, e nas casas naturais
:Fizeram descansar da eterna pena)
Adormecer os brutos animais.
:Cüa voz düa angélica Sirena.

:
:::::6
::::7
Com doce voz está subindo ao Céu
:Cantava a bela Ninfa, e cos acentos,
Altos varões que estão por vir ao mundo,
:Que pelos altos paços vão soando,
Cujas claras Ideias viu Proteu
:Em consonância igual, os instumentos
Num globo vão, diáfano, rotundo,
:Suaves vêm a um tempo conformando.
Que Júpiter em dom lho concedeu
:Um súbito silêncio enfreia os ventos
Em sonhos, e despois no Reino fundo,
:E faz ir docemente murmurando
Vaticinando, o disse, e na memória
:As águas, e nas casas naturais
Recolheu logo a Ninfa a clara história.
:Adormecer os brutos animais.

:
:::::7
::::8
Matéria é de coturno, e não de soco,
:Com doce voz está subindo ao Céu
A que a Ninfa aprendeu no imenso lago;
:Altos varões que estão por vir ao mundo,
Qual Iopas não soube, ou Demodoco,
:Cujas claras Ideias viu Proteu
Entre os Feaces um, outro em Cartago.
:Num globo vão, diáfano, rotundo,
Aqui, minha Calíope, te invoco
:Que Júpiter em dom lho concedeu
Neste trabalho extremo, por que em pago
:Em sonhos, e despois no Reino fundo,
Me tornes do que escrevo, e em vão pretendo,
:Vaticinando, o disse, e na memória
O gosto de escrever, que vou perdendo.
:Recolheu logo a Ninfa a clara história.

:
:::::8
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:Matéria é de coturno, e não de soco,
Vão os anos descendo, e do Estio
Há pouco que passar até o Outono;
:A que a Ninfa aprendeu no imenso lago;
A Fortuna me faz o engenho frio,
:Qual Iopas não soube, ou Demodoco,
Do qual já não me jacto nem me abono;
:Entre os Feaces um, outro em Cartago.
Os desgostos me vão levando ao rio
:Aqui, minha Calíope, te invoco
Do negro esquecimento e eterno sono.
:Neste trabalho extremo, por que em pago
:Me tornes do que escrevo, e em vão pretendo,
Mas tu me dá que cumpra, ó grão rainha
Das Musas, co que quero à nação minha!
:O gosto de escrever, que vou perdendo.

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::::10
Cantava a bela Deusa que viriam
:Vão os anos descendo, e já do Estio
Do Tejo, pelo mar que o Gama abrira,
:Há pouco que passar até o Outono;
Armadas que as ribeiras venceriam
:A Fortuna me faz o engenho frio,
Por onde o Oceano Índico suspira;
:Do qual já não me jacto nem me abono;
E que os Gentios Reis que não dariam
:Os desgostos me vão levando ao rio
A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira
:Do negro esquecimento e eterno sono.
Provariam do braço duro e forte,
:Mas tu me dá que cumpra, ó grão rainha
Até render-se a ele ou logo à morte.
:Das Musas, co que quero à nação minha!

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:Cantava a bela Deusa que viriam
Cantava dum que tem nos Malabares
Do sumo sacerdócio a dignidade,
:Do Tejo, pelo mar que o Gama abrira,
Que, só por não quebrar cos singulares
:Armadas que as ribeiras venceriam
Barões os nós que dera d'amizade,
:Por onde o Oceano Índico suspira;
Sofrerá suas cidades e lugares,
:E que os Gentios Reis que não dariam
Com ferro, incêndios, ira e crueldade,
:A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira
Ver destruir do Samorim potente,
:Provariam do braço duro e forte,
Que tais ódios terá co a nova gente.
:Até render-se a ele ou logo à morte.

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E canta como lá se embarcaria
:Cantava dum que tem nos Malabares
Em Belém o remédio deste dano,
:Do sumo sacerdócio a dignidade,
Sem saber o que em si ao mar traria,
:Que, só por não quebrar cos singulares
O grão Pacheco, Aquiles Lusitano.
:Barões os nós que dera d'amizade,
O peso sentirão, quando entraria,
:Sofrerá suas cidades e lugares,
O curvo lenho e o férvido Oceano,
:Com ferro, incêndios, ira e crueldade,
Quando mais n'água os troncos que gemerem
:Ver destruir do Samorim potente,
Contra sua natureza se meterem.
:Que tais ódios terá co a nova gente.

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Mas, já chegado aos fins Orientais
:E canta como lá se embarcaria
E deixado em ajuda do gentio Rei de
:Em Belém o remédio deste dano,
Cochim, com poucos naturais,
:Sem saber o que em si ao mar traria,
Nos braços do salgado e curvo rio
:O grão Pacheco, Aquiles Lusitano.
Desbaratará os Naires infernais
:O peso sentirão, quando entraria,
No passo Cambalão, tornando frio
:O curvo lenho e o férvido Oceano,
D'espanto o ardor imenso do Oriente,
:Quando mais n'água os troncos que gemerem
Que verá tanto obrar tão pouca gente.
:Contra sua natureza se meterem.

:
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Chamará o Samorim mais gente nova;
:Mas, já chegado aos fins Orientais
Virão Reis ===de] Bipur e de Tanor,
:E deixado em ajuda do gentio Rei de
Das serras de Narsinga, que alta prova
:Cochim, com poucos naturais,
Estarão prometendo a seu senhor;
:Nos braços do salgado e curvo rio
Fará que todo o Naire, enfim, se mova
:Desbaratará os Naires infernais
Que entre Calecu jaz e Cananor,
:No passo Cambalão, tornando frio
D'ambas as Leis imigas pera a guerra:
:D'espanto o ardor imenso do Oriente,
Mouros por mar, Gentios pola terra.
:Que verá tanto obrar tão pouca gente.

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E todos outra vez desbaratando,
:Chamará o Samorim mais gente nova;
Por terra e mar, o grão Pacheco ousado,
:Virão Reis ===de] Bipur e de Tanor,
A grande multidão que irá matando
:Das serras de Narsinga, que alta prova
A todo o Malabar terá admirado.
:Estarão prometendo a seu senhor;
Cometerá outra vez, não dilatando,
:Fará que todo o Naire, enfim, se mova
O Gentio os combates, apressado,
:Que entre Calecu jaz e Cananor,
Injuriando os seus, fazendo votos
:D'ambas as Leis imigas pera a guerra:
Em vão aos Deuses vãos, surdos e imotos.
:Mouros por mar, Gentios pola terra.

:
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Já não defenderá somente os passos,
:E todos outra vez desbaratando,
Mas queimar-lhe-á lugares, templos, casas;
:Por terra e mar, o grão Pacheco ousado,
Aceso de ira, o Cão, não vendo lassos
:A grande multidão que irá matando
Aqueles que as cidades fazem rasas,
:A todo o Malabar terá admirado.
Fará que os seus, de vida pouco escassos,
:Cometerá outra vez, não dilatando,
Cometam o Pacheco, que tem asas,
:O Gentio os combates, apressado,
Por dous passos num tempo; mas voando
:Injuriando os seus, fazendo votos
Dum noutro, tudo irá desbaratando.
:Em vão aos Deuses vãos, surdos e imotos.

:
:::::16
::::17
Virá ali o Samorim, por que em pessoa
:Já não defenderá somente os passos,
Veja a batalha e os seus esforce e anime;
:Mas queimar-lhe-á lugares, templos, casas;
Mas um tiro, que com zunido voa,
:Aceso de ira, o Cão, não vendo lassos
De sangue o tingirá no andor sublime.
:Aqueles que as cidades fazem rasas,
Já não verá remédio ou manha boa
:Fará que os seus, de vida pouco escassos,
:Cometam o Pacheco, que tem asas,
Nem força que o Pacheco muito estime;
Inventará traições e vãos venenos,
:Por dous passos num tempo; mas voando
Mas sempre (o Céu querendo) fará menos.
:Dum noutro, tudo irá desbaratando.

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Que tornará a vez sétima (cantava)
:Virá ali o Samorim, por que em pessoa
Pelejar co invicto e forte Luso,
:Veja a batalha e os seus esforce e anime;
A quem nenhum trabalho pesa e agrava;
:Mas um tiro, que com zunido voa,
Mas, contudo, este só o fará confuso.
:De sangue o tingirá no andor sublime.
Trará pera a batalha, horrenda e brava,
:Já não verá remédio ou manha boa
Máquinas de madeiros fora de uso,
:Nem força que o Pacheco muito estime;
Pera lhe abalroar as caravelas,
:Inventará traições e vãos venenos,
Que até'li vão lhe fora cometê-las.
:Mas sempre (o Céu querendo) fará menos.

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Pela água levará serras de fogo
:Que tornará a vez sétima (cantava)
Pera abrasar-lhe quanta armada tenha;
:Pelejar co invicto e forte Luso,
Mas a militar arte e engenho logo
:A quem nenhum trabalho pesa e agrava;
Fará ser vã a braveza com que venha.
:Mas, contudo, este só o fará confuso.
- "Nenhum claro barão no Márcio jogo,
:Trará pera a batalha, horrenda e brava,
Que nas asas da Fama se sustenha,
:Máquinas de madeiros fora de uso,
Chega a este, que a palma a todos toma.
:Pera lhe abalroar as caravelas,
E perdoe-me a ilustre Grécia ou Roma.
:Que até'li vão lhe fora cometê-las.

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"Porque tantas batalhas, sustentadas
:Pela água levará serras de fogo
Com muito pouco mais de cem soldados,
:Pera abrasar-lhe quanta armada tenha;
Com tantas manhas e artes inventadas,
:Mas a militar arte e engenho logo
Tantos Cães não imbeles profligados,
:Fará ser vã a braveza com que venha.
Ou parecerão fábulas sonhadas,
:- "Nenhum claro barão no Márcio jogo,
Ou que os celestes Coros, invocados,
:Que nas asas da Fama se sustenha,
Decerão a ajudá-lo e lhe darão
:Chega a este, que a palma a todos toma.
Esforço, força, ardil e coração.
:E perdoe-me a ilustre Grécia ou Roma.

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::::21
"Aquele que nos campos Maratónios
:"Porque tantas batalhas, sustentadas
O grão poder de Dário estrui e rende,
:Com muito pouco mais de cem soldados,
Ou quem, com quatro mil Lacedemónios,
:Com tantas manhas e artes inventadas,
O passo de Termópilas defende,
:Tantos Cães não imbeles profligados,
Nem o mancebo Cocles dos Ausónios,
:Ou parecerão fábulas sonhadas,
Que com todo o poder Tusco contende
:Ou que os celestes Coros, invocados,
Em defensa da ponte, ou Quinto Fábio,
:Decerão a ajudá-lo e lhe darão
Foi como este na guerra forte e sábio."
:Esforço, força, ardil e coração.

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::::22
Mas neste passo a Ninfa, o som canoro
:"Aquele que nos campos Maratónios
Abaxando, fez ronco e entristecido,
:O grão poder de Dário estrui e rende,
Cantando em baxa voz, envolta em choro,
:Ou quem, com quatro mil Lacedemónios,
O grande esforço mal agardecido.
:O passo de Termópilas defende,
- "Ó Belisário (disse) que no coro
:Nem o mancebo Cocles dos Ausónios,
Das Musas serás sempre engrandecido,
:Que com todo o poder Tusco contende
Se em ti viste abatido o bravo Marte,
:Em defensa da ponte, ou Quinto Fábio,
Aqui tens com quem podes consolar-te!
:Foi como este na guerra forte e sábio."

:
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::::23
"Aqui tens companheiro, assi nos feitos
:Mas neste passo a Ninfa, o som canoro
Como no galardão injusto e duro;
:Abaxando, fez ronco e entristecido,
Em ti e nele veremos altos peitos
:Cantando em baxa voz, envolta em choro,
A baxo estado vir, humilde e escuro.
:O grande esforço mal agardecido.
Morrer nos hospitais, em pobres leitos,
:- "Ó Belisário (disse) que no coro
Os que ao Rei e à Lei servem de muro!
:Das Musas serás sempre engrandecido,
Isto fazem os Reis cuja vontade
:Se em ti viste abatido o bravo Marte,
Manda mais que a justiça e que a verdade.
:Aqui tens com quem podes consolar-te!

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::::24
"Isto fazem os Reis quando embebidos
:"Aqui tens companheiro, assi nos feitos
Nüa aparência branda que os contenta
:Como no galardão injusto e duro;
Dão os prémios, de Aiace merecidos,
:Em ti e nele veremos altos peitos
À língua vã de Ulisses, fraudulenta.
:A baxo estado vir, humilde e escuro.
Mas vingo-me: que os bens mal repartidos
:Morrer nos hospitais, em pobres leitos,
Por quem só doces sombras apresenta,
:Os que ao Rei e à Lei servem de muro!
Se não os dão a sábios cavaleiros,
:Isto fazem os Reis cuja vontade
Dão-os logo a avarentos lisonjeiros.
:Manda mais que a justiça e que a verdade.

:
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::::25
"Mas tu, de quem ficou tão mal pagado
:"Isto fazem os Reis quando embebidos
Um tal vassalo, ó Rei, só nisto inico,
:Nüa aparência branda que os contenta
Se não és pera dar-lhe honroso estado,
:Dão os prémios, de Aiace merecidos,
É ele pera dar-te um Reino rico.
:À língua vã de Ulisses, fraudulenta.
Enquanto for o mundo rodeado
:Mas vingo-me: que os bens mal repartidos
Dos Apolíneos raios, eu te fico
:Por quem só doces sombras apresenta,
Que ele seja entre a gente ilustre e claro,
:Se não os dão a sábios cavaleiros,
E tu nisto culpado por avaro.
:Dão-os logo a avarentos lisonjeiros.

:
:::::25
::::26
"Mas eis outro (cantava) intitulado
:"Mas tu, de quem ficou tão mal pagado
Vem com nome real e traz consigo
:Um tal vassalo, ó Rei, só nisto inico,
O filho, que no mar será ilustrado,
:Se não és pera dar-lhe honroso estado,
Tanto como qualquer Romano antigo.
:É ele pera dar-te um Reino rico.
Ambos darão com braço forte, armado,
:Enquanto for o mundo rodeado
A Quíloa fértil, áspero castigo,
:Dos Apolíneos raios, eu te fico
Fazendo nela Rei leal e humano,
:Que ele seja entre a gente ilustre e claro,
Deitado fora o pérfido tirano.
:E tu nisto culpado por avaro.

:
:::::26
::::27
"Também farão Mombaça, que se arreia
:"Mas eis outro (cantava) intitulado
De casas sumptuosas e edifícios,
:Vem com nome real e traz consigo
Co ferro e fogo seu queimada e feia,
:O filho, que no mar será ilustrado,
Em pago dos passados malefícios.
:Tanto como qualquer Romano antigo.
Despois, na costa da Índia, andando cheia
:Ambos darão com braço forte, armado,
De lenhos inimigos e artifícios
:A Quíloa fértil, áspero castigo,
Contra os Lusos, com velas e com remos
:Fazendo nela Rei leal e humano,
O mancebo Lourenço fará extremos.
:Deitado fora o pérfido tirano.

:
:::::27
::::28
"Das grandes naus do Samorim potente,
:"Também farão Mombaça, que se arreia
Que encherão todo o mar, co a férrea pela,
:De casas sumptuosas e edifícios,
Que sai com trovão do cobre ardente,
:Co ferro e fogo seu queimada e feia,
Fará pedaços leme, masto, vela.
:Em pago dos passados malefícios.
:Despois, na costa da Índia, andando cheia
Despois, lançando arpéus ousadamente
Na capitaina imiga, dentro nela
:De lenhos inimigos e artifícios
:Contra os Lusos, com velas e com remos
Saltando o fará só com lança e espada
De quatrocentos Mouros despejada.
:O mancebo Lourenço fará extremos.

:
:::::28
::::29
"Mas de Deus a escondida providência
:"Das grandes naus do Samorim potente,
:Que encherão todo o mar, co a férrea pela,
(Que ela só sabe o bem de que se serve)
O porá onde esforço nem prudência
:Que sai com trovão do cobre ardente,
Poderá haver que a vida lhe reserve.
:Fará pedaços leme, masto, vela.
Em Chaúl, onde em sangue e resistência
:Despois, lançando arpéus ousadamente
O mar todo com fogo e ferro ferve,
:Na capitaina imiga, dentro nela
Lhe farão que com vida se não saia
:Saltando o fará só com lança e espada
As armadas de Egipto e de Cambaia.
:De quatrocentos Mouros despejada.

:
:::::29
::::30
"Ali o poder de muitos inimigos
:"Mas de Deus a escondida providência
:(Que ela sabe o bem de que se serve)
(Que o grande esforço com força rende),
Os ventos que faltaram, e os perigos
:O porá onde esforço nem prudência
:Poderá haver que a vida lhe reserve.
Do mar, que sobejaram, tudo o ofende.
Aqui ressurjam todos os Antigos,
:Em Chaúl, onde em sangue e resistência
A ver o nobre ardor que aqui se aprende:
:O mar todo com fogo e ferro ferve,
Outro Ceva verão, que, espedaçado,
:Lhe farão que com vida se não saia
Não sabe ser rendido nem domado.
:As armadas de Egipto e de Cambaia.

:
:::::30
::::31
"Com toda üa coxa fora, que em pedaços
:"Ali o poder de muitos inimigos
Lhe leva um cego tiro que passara,
:(Que o grande esforço só com força rende),
Se serve inda dos animosos braços
:Os ventos que faltaram, e os perigos
E do grão coração que lhe ficara.
:Do mar, que sobejaram, tudo o ofende.
Até que outro pelouro quebra os laços
:Aqui ressurjam todos os Antigos,
:A ver o nobre ardor que aqui se aprende:
Com que co alma o corpo se liara:
Ela, solta, voou da prisão fora
:Outro Ceva verão, que, espedaçado,
Onde súbito se acha vencedora.
:Não sabe ser rendido nem domado.

:
:::::31
::::32
"Vai-te, alma, em paz, da guerra turbulenta,
:"Com toda üa coxa fora, que em pedaços
Na qual tu mereceste paz serena!
:Lhe leva um cego tiro que passara,
Que o corpo, que em pedaços se apresenta,
:Se serve inda dos animosos braços
:E do grão coração que lhe ficara.
Quem o gerou, vingança lhe ordena:
Que eu ouço retumbar a grão tormenta,
:Até que outro pelouro quebra os laços
Que vem já dar a dura e eterna pena,
:Com que co alma o corpo se liara:
De esperas, basiliscos e trabucos,
:Ela, solta, voou da prisão fora
A Cambaicos cruéis e Mamelucos.
:Onde súbito se acha vencedora.

:
:::::32
::::33
"Eis vem o pai, com ânimo estupendo,
:"Vai-te, alma, em paz, da guerra turbulenta,
Trazendo fúria e mágoa por antolhos,
:Na qual tu mereceste paz serena!
Com que o paterno amor lhe está movendo
:Que o corpo, que em pedaços se apresenta,
Fogo no coração, água nos olhos.
:Quem o gerou, vingança já lhe ordena:
A nobre ira lhe vinha prometendo
:Que eu ouço retumbar a grão tormenta,
:Que vem dar a dura e eterna pena,
Que o sangue fará dar pelos giolhos
Nas inimigas naus; senti-lo-á o Nilo,
:De esperas, basiliscos e trabucos,
Podê-lo-á o Indo ver e o Gange ouvi-lo.
:A Cambaicos cruéis e Mamelucos.

:
:::::33
::::34
"Qual o touro cioso, que se ensaia
:"Eis vem o pai, com ânimo estupendo,
Pera a crua peleja, os cornos tenta
:Trazendo fúria e mágoa por antolhos,
No tronco dum carvalho ou alta faia
:Com que o paterno amor lhe está movendo
E, o ar ferindo, as forças experimenta:
:Fogo no coração, água nos olhos.
Tal, antes que no seio de Cambaia
:A nobre ira lhe vinha prometendo
Entre Francisco irado, na opulenta
:Que o sangue fará dar pelos giolhos
Cidade de Dabul a espada afia,
:Nas inimigas naus; senti-lo-á o Nilo,
Abaxando-lhe a túmida ousadia.
:Podê-lo-á o Indo ver e o Gange ouvi-lo.

:
:::::34
::::35
"E logo, entrando fero na enseada
:"Qual o touro cioso, que se ensaia
De Dio, ilustre em cercos e batalhas,
:Pera a crua peleja, os cornos tenta
Fará espalhar a fraca e grande armada
:No tronco dum carvalho ou alta faia
De Calecu, que remos tem por malhas.
:E, o ar ferindo, as forças experimenta:
A de Melique Iaz, acautelada,
:Tal, antes que no seio de Cambaia
Cos pelouros que tu, Vulcano, espalhas,
:Entre Francisco irado, na opulenta
Fará ir ver o frio e fundo assento,
:Cidade de Dabul a espada afia,
Secreto leito do húmido elemento.
:Abaxando-lhe a túmida ousadia.

:
:::::35
::::36
"Mas a de Mir Hocém, que, abalroando,
:"E logo, entrando fero na enseada
A fúria esperará dos vingadores,
:De Dio, ilustre em cercos e batalhas,
Verá braços e pernas ir nadando
:Fará espalhar a fraca e grande armada
Sem corpos, pelo mar, de seus senhores.
:De Calecu, que remos tem por malhas.
Raios de fogo irão representando,
:A de Melique Iaz, acautelada,
No cego ardor, os bravos domadores.
:Cos pelouros que tu, Vulcano, espalhas,
Quanto ali sentirão olhos e ouvidos
:Fará ir ver o frio e fundo assento,
É fumo, ferro, flamas e alaridos.
:Secreto leito do húmido elemento.

:
:::::36
::::37
:"Mas a de Mir Hocém, que, abalroando,
"Mas ah, que desta próspera vitória,
Com que despois virá ao pátrio Tejo,
:A fúria esperará dos vingadores,
Quási lhe roubará a famosa glória
:Verá braços e pernas ir nadando
Um sucesso, que triste e negro vejo!
:Sem corpos, pelo mar, de seus senhores.
O Cabo Tormentório, que a memória
:Raios de fogo irão representando,
Cos ossos guardará, não terá pejo
:No cego ardor, os bravos domadores.
De tirar deste mundo aquele esprito,
:Quanto ali sentirão olhos e ouvidos
Que não tiraram toda a Índia e Egipto.
:É fumo, ferro, flamas e alaridos.

:
:::::37
::::38
"Ali, Cafres selvagens poderão
:"Mas ah, que desta próspera vitória,
O que destros imigos não puderam;
:Com que despois virá ao pátrio Tejo,
E rudos paus tostados sós farão
:Quási lhe roubará a famosa glória
O que arcos e pelouros não fizeram.
:Um sucesso, que triste e negro vejo!
Ocultos os juízos de Deus são;
:O Cabo Tormentório, que a memória
:Cos ossos guardará, não terá pejo
As gentes vãs, que não nos entenderam,
Chamam-lhe fado mau, fortuna escura,
:De tirar deste mundo aquele esprito,
Sendo só providência de Deus pura.
:Que não tiraram toda a Índia e Egipto.

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:::::38
::::39
"Mas oh, que luz tamanha que abrir sinto
:"Ali, Cafres selvagens poderão
(Dizia a Ninfa, e a voz alevantava)
:O que destros imigos não puderam;
Lá no mar de Melinde, em sangue tinto
:E rudos paus tostados sós farão
Das cidades de Lamo, de Oja e Brava,
:O que arcos e pelouros não fizeram.
Pelo Cunha também, que nunca extinto
:Ocultos os juízos de Deus são;
Será seu nome em todo o mar que lava
:As gentes vãs, que não nos entenderam,
As ilhas do Austro, e praias que se chamam
:Chamam-lhe fado mau, fortuna escura,
De São Lourenço, e em todo o Sul se afamam!
:Sendo só providência de Deus pura.
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:::::39
::::40
"Esta luz é do fogo e das luzentes
:"Mas oh, que luz tamanha que abrir sinto
Armas com que Albuquerque irá amansando
:(Dizia a Ninfa, e a voz alevantava)
De Ormuz os Párseos, por seu mal valentes,
:Lá no mar de Melinde, em sangue tinto
Que refusam o jugo honroso e brando.
:Das cidades de Lamo, de Oja e Brava,
Ali verão as setas estridentes
:Pelo Cunha também, que nunca extinto
Reciprocar-se, a ponta no ar virando
:Será seu nome em todo o mar que lava
Contra quem as tirou; que Deus peleja
:As ilhas do Austro, e praias que se chamam
Por quem estende a fé da Madre Igreja.
:De São Lourenço, e em todo o Sul se afamam!

:
:::::40
::::41
"Ali do sal os montes não defendem
:"Esta luz é do fogo e das luzentes
De corrupção os corpos no combate,
:Armas com que Albuquerque irá amansando
Que mortos pela praia e mar se estendem
:De Ormuz os Párseos, por seu mal valentes,
De Gerum, de Mazcate e Calaiate;
:Que refusam o jugo honroso e brando.
Até que à força só de braço aprendem
:Ali verão as setas estridentes
A abaxar a cerviz, onde se lhe ate
:Reciprocar-se, a ponta no ar virando
Obrigação de dar o reino inico
:Contra quem as tirou; que Deus peleja
Das perlas de Barém tributo rico.
:Por quem estende a fé da Madre Igreja.

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:::::41
::::42
"Que gloriosas palmas tecer vejo
:"Ali do sal os montes não defendem
Com que Vitória a fronte lhe coroa,
:De corrupção os corpos no combate,
Quando, sem sombra vã de medo ou pejo,
:Que mortos pela praia e mar se estendem
Toma a ilha ilustríssima de Goa!
:De Gerum, de Mazcate e Calaiate;
Despois, obedecendo ao duro ensejo,
:Até que à força só de braço aprendem
A deixa, e ocasião espera boa
:A abaxar a cerviz, onde se lhe ate
Com que a torne a tomar, que esforço e arte
:Obrigação de dar o reino inico
Vencerão a Fortuna e o próprio Marte.
:Das perlas de Barém tributo rico.

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:::::42
::::43
"Eis já sobr'ela torna e vai rompendo
:"Que gloriosas palmas tecer vejo
Por muros, fogo, lanças e pelouros,
:Com que Vitória a fronte lhe coroa,
Abrindo com a espada o espesso e horrendo
:Quando, sem sombra vã de medo ou pejo,
Esquadrão de Gentios e de Mouros.
:Toma a ilha ilustríssima de Goa!
Irão soldados ínclitos fazendo
:Despois, obedecendo ao duro ensejo,
Mais que liões famélicos e touros,
:A deixa, e ocasião espera boa
Na luz que sempre celebrada e dina
:Com que a torne a tomar, que esforço e arte
Será da Egípcia Santa Caterina.
:Vencerão a Fortuna e o próprio Marte.

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:::::43
::::44
"Nem tu menos fugir poderás deste,
:"Eis já sobr'ela torna e vai rompendo
Posto que rica e posto que assentada
:Por muros, fogo, lanças e pelouros,
Lá no grémio da Aurora, onde naceste,
:Abrindo com a espada o espesso e horrendo
Opulenta Malaca nomeada.
:Esquadrão de Gentios e de Mouros.
As setas venenosas que fizeste,
:Irão soldados ínclitos fazendo
Os crises com que já te vejo armada,
:Mais que liões famélicos e touros,
Malaios namorados, Jaus valentes,
:Na luz que sempre celebrada e dina
Todos farás ao Luso obedientes."
:Será da Egípcia Santa Caterina.

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:::::44
::::45
Mais estanças cantara esta Sirena
:"Nem tu menos fugir poderás deste,
Em louvor do ilustríssimo Albuquerque,
:Posto que rica e posto que assentada
Mas alembrou-lhe üa ira que o condena,
:Lá no grémio da Aurora, onde naceste,
Posto que a fama sua o mundo cerque.
:Opulenta Malaca nomeada.
O grande Capitão, que o fado ordena
:As setas venenosas que fizeste,
Que com trabalhos glória eterna merque,
:Os crises com que já te vejo armada,
Mais há-de ser um brando companheiro
:Malaios namorados, Jaus valentes,
Pera os seus, que juiz cruel e inteiro.
:Todos farás ao Luso obedientes."

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:::::45
::::46
Mas em tempo que fomes e asperezas,
:Mais estanças cantara esta Sirena
Doenças, frechas e trovões ardentes,
:Em louvor do ilustríssimo Albuquerque,
A sazão e o lugar, fazem cruezas
:Mas alembrou-lhe üa ira que o condena,
Nos soldados a tudo obedientes,
:Posto que a fama sua o mundo cerque.
Parece de selváticas brutezas,
:O grande Capitão, que o fado ordena
De peitos inumanos e insolentes,
:Que com trabalhos glória eterna merque,
Dar extremo suplício pela culpa
:Mais há-de ser um brando companheiro
Que a fraca humanidade e Amor desculpa.
:Pera os seus, que juiz cruel e inteiro.

:
:::::46
::::47
Não será a culpa abominoso incesto
:Mas em tempo que fomes e asperezas,
Nem violento estupro em virgem pura,
:Doenças, frechas e trovões ardentes,
Nem menos adultério desonesto,
:A sazão e o lugar, fazem cruezas
Mas cüa escrava vil, lasciva e escura.
:Nos soldados a tudo obedientes,
Se o peito, ou de cioso, ou de modesto,
:Parece de selváticas brutezas,
Ou de usado a crueza fera e dura,
:De peitos inumanos e insolentes,
Cos seus üa ira insana não refreia,
:Dar extremo suplício pela culpa
Põe na fama alva noda negra e feia.
:Que a fraca humanidade e Amor desculpa.

:
:::::47
::::48
Viu Alexandre Apeles namorado
:Não será a culpa abominoso incesto
Da sua Campaspe, e deu-lha alegremente,
:Nem violento estupro em virgem pura,
Não sendo seu soldado exprimentado,
:Nem menos adultério desonesto,
Nem vendo-se num cerco duro e urgente.
:Mas cüa escrava vil, lasciva e escura.
Sentiu Ciro que andava já abrasado
:Se o peito, ou de cioso, ou de modesto,
Araspas, de Panteia, em fogo ardente,
:Ou de usado a crueza fera e dura,
Que ele tomara em guarda, e prometia
:Cos seus üa ira insana não refreia,
Que nenhum mau desejo o venceria;
:Põe na fama alva noda negra e feia.

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:::::48
::::49
Mas, vendo o ilustre Persa que vencido
:Viu Alexandre Apeles namorado
Fora de Amor, que, enfim, não tem defensa,
:Da sua Campaspe, e deu-lha alegremente,
Levemente o perdoa, e foi servido
:Não sendo seu soldado exprimentado,
Dele num caso grande, em recompensa.
:Nem vendo-se num cerco duro e urgente.
Per força, de Judita foi marido
:Sentiu Ciro que andava já abrasado
O férreo Balduíno; mas dispensa
:Araspas, de Panteia, em fogo ardente,
Carlos, pai dela, posto em causas grandes,
:Que ele tomara em guarda, e prometia
Que viva e povoador seja de Frandes.
:Que nenhum mau desejo o venceria;

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:::::49
::::50
:Mas, vendo o ilustre Persa que vencido
Mas, prosseguindo a Ninfa o longo canto,
De Soares cantava, que as bandeiras
:Fora de Amor, que, enfim, não tem defensa,
Faria tremular e pôr espanto
:Levemente o perdoa, e foi servido
Pelas roxas Arábicas ribeiras:
:Dele num caso grande, em recompensa.
- "Medina abominábil teme tanto,
:Per força, de Judita foi marido
Quanto Meca e Gidá, co as derradeiras
:O férreo Balduíno; mas dispensa
Praias de Abássia; Barborá se teme
:Carlos, pai dela, posto em causas grandes,
Do mal de que o empório Zeila geme.
:Que viva e povoador seja de Frandes.

:
:::::50
::::51
"A nobre ilha também de Taprobana,
:Mas, prosseguindo a Ninfa o longo canto,
Já pelo nome antigo tão famosa
:De Soares cantava, que as bandeiras
Quanto agora soberba e soberana
:Faria tremular e pôr espanto
Pela cortiça cálida, cheirosa,
:Pelas roxas Arábicas ribeiras:
Dela dará tributo à Lusitana
:- "Medina abominábil teme tanto,
Bandeira, quando, excelsa e gloriosa,
:Quanto Meca e Gidá, co as derradeiras
Vencendo se erguerá na torre erguida,
:Praias de Abássia; Barborá se teme
Em Columbo, dos próprios tão temida.
:Do mal de que o empório Zeila geme.

:
:::::51
::::52
"Também Sequeira, as ondas Eritreias
:"A nobre ilha também de Taprobana,
Dividindo, abrirá novo caminho
:Já pelo nome antigo tão famosa
Pera ti, grande Império, que te arreias
:Quanto agora soberba e soberana
De seres de Candace e Sabá ninho.
:Pela cortiça cálida, cheirosa,
Maçuá, com cisternas de água cheias
:Dela dará tributo à Lusitana
Verá, e o porto Arquico, ali vizinho;
:Bandeira, quando, excelsa e gloriosa,
E fará descobir remotas Ilhas,
:Vencendo se erguerá na torre erguida,
Que dão ao mundo novas maravilhas.
:Em Columbo, dos próprios tão temida.

:
:::::52
::::53
"Virá despois Meneses, cujo ferro
:"Também Sequeira, as ondas Eritreias
Mais na Africa, que cá, terá provado;
:Dividindo, abrirá novo caminho
Castigará de Ormuz soberba o erro,
:Pera ti, grande Império, que te arreias
Com lhe fazer tributo dar dobrado.
:De seres de Candace e Sabá ninho.
Também tu, Gama, em pago do desterro
:Maçuá, com cisternas de água cheias
Em que estás e serás inda tornado,
:Verá, e o porto Arquico, ali vizinho;
Cos títulos de Conde e d'honras nobres
:E fará descobir remotas Ilhas,
Virás mandar a terra que descobres.
:Que dão ao mundo novas maravilhas.

:
:::::53
::::54
"Mas aquela fatal necessidade
:"Virá despois Meneses, cujo ferro
De quem ninguém se exime dos humanos,
:Mais na Africa, que cá, terá provado;
Ilustrado co a Régia dignidade,
:Castigará de Ormuz soberba o erro,
Te tirará do mundo e seus enganos.
:Com lhe fazer tributo dar dobrado.
Outro Meneses logo, cuja idade
:Também tu, Gama, em pago do desterro
É maior na prudência que nos anos,
:Em que estás e serás inda tornado,
Governará; e fará o ditoso Henrique
:Cos títulos de Conde e d'honras nobres
Que perpétua memória dele fique.
:Virás mandar a terra que descobres.

:
:::::54
::::55
"Não vencerá somente os Malabares,
:"Mas aquela fatal necessidade
Destruindo Panane com Coulete,
:De quem ninguém se exime dos humanos,
Cometendo as bombardas, que, nos ares,
:Ilustrado co a Régia dignidade,
Se vingam só do peito que as comete;
:Te tirará do mundo e seus enganos.
Mas com virtudes, certo, singulares,
:Outro Meneses logo, cuja idade
Vence os imigos d'alma todos sete;
:É maior na prudência que nos anos,
De cobiça triunfa e incontinência,
:Governará; e fará o ditoso Henrique
Que em tal idade é suma de excelência.
:Que perpétua memória dele fique.

:
:::::55
::::56
"Mas, despois que as Estrelas o chamarem,
:"Não vencerá somente os Malabares,
Sucederás, ó forte Mascarenhas;
:Destruindo Panane com Coulete,
E, se injustos o mando te tomarem,
:Cometendo as bombardas, que, nos ares,
Prometo-te que fama eterna tenhas.
:Se vingam só do peito que as comete;
Pera teus inimigos confessarem
:Mas com virtudes, certo, singulares,
Teu valor alto, o fado quer que venhas
:Vence os imigos d'alma todos sete;
A mandar, mais de palmas coroado,
:De cobiça triunfa e incontinência,
Que de fortuna justa acompanhado.
:Que em tal idade é suma de excelência.

:
:::::56
::::57
"No reino de Bintão, que tantos danos
:"Mas, despois que as Estrelas o chamarem,
Terá a Malaca muito tempo feitos,
:Sucederás, ó forte Mascarenhas;
Num só dia as injúrias de mil anos
:E, se injustos o mando te tomarem,
Vingarás, co valor de ilustres peitos.
:Prometo-te que fama eterna tenhas.
Trabalhos e perigos inumanos,
:Pera teus inimigos confessarem
Abrolhos férreos mil, passos estreitos,
:Teu valor alto, o fado quer que venhas
Tranqueiras, baluartes, lanças, setas:
:A mandar, mais de palmas coroado,
Tudo fico que rompas e sometas.
:Que de fortuna justa acompanhado.

:
:::::57
::::58
"Mas na Índia, cobiça e ambição,
:"No reino de Bintão, que tantos danos
Que claramente põem aberto o rosto
:Terá a Malaca muito tempo feitos,
Contra Deus e Justiça, te farão
:Num só dia as injúrias de mil anos
Vitupério nenhum, mas só desgosto.
:Vingarás, co valor de ilustres peitos.
Quem faz injúria vil e sem razão,
:Trabalhos e perigos inumanos,
Com forças e poder em que está posto,
:Abrolhos férreos mil, passos estreitos,
Não vence; que a vitória verdadeira
:Tranqueiras, baluartes, lanças, setas:
É saber ter justiça nua e inteira.
:Tudo fico que rompas e sometas.

:
:::::58
::::59
:"Mas na Índia, cobiça e ambição,
"Mas, contudo, não nego que Sampaio
Será, no esforço, ilustre e assinalado,
:Que claramente põem aberto o rosto
Mostrando-se no mar um fero raio,
:Contra Deus e Justiça, te farão
Que de inimigos mil verá coalhado.
:Vitupério nenhum, mas só desgosto.
Em Bacanor fará cruel ensaio
:Quem faz injúria vil e sem razão,
No Malabar, pera que, amedrontado,
:Com forças e poder em que está posto,
Despois a ser vencido dele venha
:Não vence; que a vitória verdadeira
Cutiale, com quanta armada tenha.
:É saber ter justiça nua e inteira.

:
:::::59
::::60
"E não menos de Dio a fera frota,
:"Mas, contudo, não nego que Sampaio
Que Chaúl temerá, de grande e ousada,
:Será, no esforço, ilustre e assinalado,
Fará, co a vista só, perdida e rota,
:Mostrando-se no mar um fero raio,
Por Heitor da Silveira e destroçada;
:Que de inimigos mil verá coalhado.
Por Heitor Português, de quem se nota
:Em Bacanor fará cruel ensaio
Que na costa Cambaica, sempre armada,
:No Malabar, pera que, amedrontado,
Será aos Guzarates tanto dano,
:Despois a ser vencido dele venha
Quanto já foi aos Gregos o Troiano.
:Cutiale, com quanta armada tenha.

:
:::::60
::::61
"A Sampaio feroz sucederá
:"E não menos de Dio a fera frota,
Cunha, que longo tempo tem o leme:
:Que Chaúl temerá, de grande e ousada,
De Chale as torres altas erguerá,
:Fará, co a vista só, perdida e rota,
Enquanto Dio ilustre dele treme;
:Por Heitor da Silveira e destroçada;
O forte Baçaim se lhe dará,
:Por Heitor Português, de quem se nota
Não sem sangue, porém, que nele geme
:Que na costa Cambaica, sempre armada,
Melique, porque à força só de espada
:Será aos Guzarates tanto dano,
A tranqueira soberba vê tomada.
:Quanto já foi aos Gregos o Troiano.

:
:::::61
::::62
"Trás este vem Noronha, cujo auspício
:"A Sampaio feroz sucederá
De Dio os Rumes feros afugenta;
:Cunha, que longo tempo tem o leme:
Dio, que o peito e bélico exercício
:De Chale as torres altas erguerá,
De António da Silveira bem sustenta.
:Enquanto Dio ilustre dele treme;
Fará em Noronha a morte o usado ofício,
:O forte Baçaim se lhe dará,
Quando um teu ramo, ó Gama, se exprimenta
:Não sem sangue, porém, que nele geme
No governo do Império, cujo zelo
:Melique, porque à força só de espada
Com medo o Roxo Mar fará amarelo.
:A tranqueira soberba vê tomada.

:
:::::62
::::63
"Das mãos do teu Estêvão vem tomar
:"Trás este vem Noronha, cujo auspício
As rédeas um, que já será ilustrado
:De Dio os Rumes feros afugenta;
No Brasil, com vencer e castigar
:Dio, que o peito e bélico exercício
O pirata Francês, ao mar usado.
:De António da Silveira bem sustenta.
Despois, Capitão-mor do Índico mar,
:Fará em Noronha a morte o usado ofício,
O muro de Damão, soberbo e armado,
:Quando um teu ramo, ó Gama, se exprimenta
Escala e primeiro entra a porta aberta,
:No governo do Império, cujo zelo
Que fogo e frechas mil terão coberta.
:Com medo o Roxo Mar fará amarelo.

:
:::::63
::::64
"A este o Rei Cambaico soberbíssimo
:"Das mãos do teu Estêvão vem tomar
Fortaleza dará na rica Dio,
:As rédeas um, que já será ilustrado
Por que contra o Mogor poderosíssimo
:No Brasil, com vencer e castigar
Lhe ajude a defender o senhorio.
:O pirata Francês, ao mar usado.
:Despois, Capitão-mor do Índico mar,
Despois irá com peito esforçadíssimo
A tolher que não passe o Rei gentio
:O muro de Damão, soberbo e armado,
De Calecu, que assi com quantos veio
:Escala e primeiro entra a porta aberta,
O fará retirar, de sangue cheio.
:Que fogo e frechas mil terão coberta.

:
:::::64
::::65
"Destruirá a cidade Repelim,
:"A este o Rei Cambaico soberbíssimo
Pondo o seu Rei, com muitos, em fugida;
:Fortaleza dará na rica Dio,
E despois, junto ao Cabo Comorim,
:Por que contra o Mogor poderosíssimo
üa façanha faz esclarecida:
:Lhe ajude a defender o senhorio.
A frota principal do Samorim,
:Despois irá com peito esforçadíssimo
Que destruir o mundo não duvida,
:A tolher que não passe o Rei gentio
Vencerá co furor do ferro e fogo;
:De Calecu, que assi com quantos veio
Em si verá Beadala o Márcio jogo.
:O fará retirar, de sangue cheio.

:
:::::65
::::66
"Tendo assi limpa a Índia dos imigos,
:"Destruirá a cidade Repelim,
Virá despois com ceptro a governá-Ia
:Pondo o seu Rei, com muitos, em fugida;
Sem que ache resistência nem perigos,
:E despois, junto ao Cabo Comorim,
Que todos tremem dele e nenhum fala.
:üa façanha faz esclarecida:
Só quis provar os ásperos castigos
:A frota principal do Samorim,
Baticalá, que vira já Beadala.
:Que destruir o mundo não duvida,
De sangue e corpos mortos ficou cheia
:Vencerá co furor do ferro e fogo;
E de fogo e trovões desfeita e feia.
:Em si verá Beadala o Márcio jogo.

:
:::::66
::::67
"Este será Martinho, que de Marte
:"Tendo assi limpa a Índia dos imigos,
O nome tem co as obras derivado;
:Virá despois com ceptro a governá-Ia
Tanto em armas ilustre em toda parte,
:Sem que ache resistência nem perigos,
Quanto, em conselho, sábio e bem cuidado.
:Que todos tremem dele e nenhum fala.
Suceder-lhe-á ali Castro, que o estandarte
:Só quis provar os ásperos castigos
Português terá sempre levantado,
:Baticalá, que vira já Beadala.
Conforme sucessor ao sucedido,
:De sangue e corpos mortos ficou cheia
Que um ergue Dio, outro o defende erguido.
:E de fogo e trovões desfeita e feia.

:
:::::67
::::68
"Persas feroces, Abassis e Rumes,
:"Este será Martinho, que de Marte
Que trazido de Roma o nome têm,
:O nome tem co as obras derivado;
Vários de gestos, vários de costumes
:Tanto em armas ilustre em toda parte,
(Que mil nações ao cerco feras vêm),
:Quanto, em conselho, sábio e bem cuidado.
Farão dos Céus ao mundo vãos queixumes
:Suceder-lhe-á ali Castro, que o estandarte
Porque uns poucos a terra lhe detêm.
:Português terá sempre levantado,
Em sangue Português, juram, descridos,
:Conforme sucessor ao sucedido,
De banhar os bigodes retorcidos.
:Que um ergue Dio, outro o defende erguido.

:
:::::68
::::69
"Basiliscos medonhos e liões,
:"Persas feroces, Abassis e Rumes,
Trabucos feros, minas encobertas,
:Que trazido de Roma o nome têm,
Sustenta Mascarenhas cos barões
:Vários de gestos, vários de costumes
Que tão ledos as mortes têm por certas;
:(Que mil nações ao cerco feras vêm),
Até que, nas maiores opressões,
:Farão dos Céus ao mundo vãos queixumes
Castro libertador, fazendo ofertas
:Porque uns poucos a terra lhe detêm.
Das vidas de seus filhos, quer que fiquem
:Em sangue Português, juram, descridos,
Com fama eterna e a Deus se sacrifiquem.
:De banhar os bigodes retorcidos.

:
:::::69
::::70
"Fernando, um deles, ramo da alta pranta,
:"Basiliscos medonhos e liões,
Onde o violento fogo, com ruido,
:Trabucos feros, minas encobertas,
Em pedaços os muros no ar levanta,
:Sustenta Mascarenhas cos barões
Será ali arrebatado e ao Céu subido.
:Que tão ledos as mortes têm por certas;
Álvaro, quando o Inverno o mundo espanta
:Até que, nas maiores opressões,
E tem o caminho húmido impedido,
:Castro libertador, fazendo ofertas
Abrindo-o, vence as ondas e os perigos,
:Das vidas de seus filhos, quer que fiquem
Os ventos e despois os inimigos.
:Com fama eterna e a Deus se sacrifiquem.

:
:::::70
::::71
"Eis vem despois o pai, que as ondas corta
:"Fernando, um deles, ramo da alta pranta,
Co restante da gente Lusitana,
:Onde o violento fogo, com ruido,
E com força e saber, que mais importa,
:Em pedaços os muros no ar levanta,
Batalha dá felice e soberana.
:Será ali arrebatado e ao Céu subido.
Uns, paredes subindo, escusam porta;
:Álvaro, quando o Inverno o mundo espanta
Outros a abrem na fera esquadra insana.
:E tem o caminho húmido impedido,
Feitos farão tão dinos de memória
:Abrindo-o, vence as ondas e os perigos,
Que não caibam em verso ou larga história.
:Os ventos e despois os inimigos.

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:::::71
::::72
:"Eis vem despois o pai, que as ondas corta
"Este, despois, em campo se apresenta,
Vencedor forte e intrépido, ao possante
:Co restante da gente Lusitana,
Rei de Cambaia e a vista lhe amedrenta
:E com força e saber, que mais importa,
Da fera multidão quadrupedante.
:Batalha dá felice e soberana.
Não menos suas terras mal sustenta
:Uns, paredes subindo, escusam porta;
O Hidalcão, do braço triunfante
:Outros a abrem na fera esquadra insana.
Que castigando vai Dabul na costa;
:Feitos farão tão dinos de memória
Nem lhe escapou Pondá, no sertão posta.
:Que não caibam em verso ou larga história.

:
:::::72
::::73
"Estes e outros Barões, por várias partes,
:"Este, despois, em campo se apresenta,
Dinos todos de fama e maravilha,
:Vencedor forte e intrépido, ao possante
Fazendo-se na terra bravos Martes,
:Rei de Cambaia e a vista lhe amedrenta
Virão lograr os gostos desta Ilha,
:Da fera multidão quadrupedante.
Varrendo triunfantes estandartes
:Não menos suas terras mal sustenta
Pelas ondas que corta a aguda quilha;
:O Hidalcão, do braço triunfante
E acharão estas Ninfas e estas mesas,
:Que castigando vai Dabul na costa;
Que glórias e honras são de árduas empresas."
:Nem lhe escapou Pondá, no sertão posta.

:
:::::73
::::74
Assi cantava a Ninfa; e as outras todas,
:"Estes e outros Barões, por várias partes,
Com sonoroso aplauso, vozes davam,
:Dinos todos de fama e maravilha,
Com que festejam as alegres vodas
:Fazendo-se na terra bravos Martes,
Que com tanto prazer se celebravam.
:Virão lograr os gostos desta Ilha,
- "Por mais que da Fortuna andem as rodas
:Varrendo triunfantes estandartes
(Nüa cônsona voz todas soavam),
:Pelas ondas que corta a aguda quilha;
Não vos hão-de faltar, gente famosa,
:E acharão estas Ninfas e estas mesas,
Honra, valor e fama gloriosa."
:Que glórias e honras são de árduas empresas."

:
:::::74
::::75
Despois que a corporal necessidade
:Assi cantava a Ninfa; e as outras todas,
Se satisfez do mantimento nobre,
:Com sonoroso aplauso, vozes davam,
E na harmonia e doce suavidade
:Com que festejam as alegres vodas
Viram os altos feitos que descobre,
:Que com tanto prazer se celebravam.
Tétis, de graça ornada e gravidade,
:- "Por mais que da Fortuna andem as rodas
Pera que com mais alta glória dobre
:(Nüa cônsona voz todas soavam),
As festas deste alegre e claro dia,
:Não vos hão-de faltar, gente famosa,
Pera o felice Gama assi dizia:
:Honra, valor e fama gloriosa."

:
:::::75
::::76
- "Faz-te mercê, barão, a Sapiência
:Despois que a corporal necessidade
Suprema de, cos olhos corporais,
:Se satisfez do mantimento nobre,
Veres o que não pode a vã ciência
:E na harmonia e doce suavidade
Dos errados e míseros mortais.
:Viram os altos feitos que descobre,
Sigue-me firme e forte, com prudência,
:Tétis, de graça ornada e gravidade,
Por este monte espesso, tu cos mais."
:Pera que com mais alta glória dobre
Assi lhe diz e o guia por um mato
:As festas deste alegre e claro dia,
Árduo, difícil, duro a humano trato.
:Pera o felice Gama assi dizia:

:
:::::76
::::77
Não andam muito que no erguido cume
:- "Faz-te mercê, barão, a Sapiência
Se acharam, onde um campo se esmaltava
:Suprema de, cos olhos corporais,
De esmeraldas, rubis, tais que presume
:Veres o que não pode a vã ciência
A vista que divino chão pisava.
:Dos errados e míseros mortais.
Aqui um globo vêm no ar, que o lume
:Sigue-me firme e forte, com prudência,
Claríssimo por ele penetrava,
:Por este monte espesso, tu cos mais."
De modo que o seu centro está evidente,
:Assi lhe diz e o guia por um mato
Como a sua superfícia, claramente.
:Árduo, difícil, duro a humano trato.

:
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Qual a matéria seja não se enxerga,
:Não andam muito que no erguido cume
Mas enxerga-se bem que está composto
:Se acharam, onde um campo se esmaltava
:De esmeraldas, rubis, tais que presume
De vários orbes, que a Divina verga
Compôs, e um centro a todos só tem posto.
:A vista que divino chão pisava.
Volvendo, ora se abaxe, agora se erga,
:Aqui um globo vêm no ar, que o lume
Nunca s'ergue ou se abaxa, e um mesmo rosto
:Claríssimo por ele penetrava,
Por toda a parte tem; e em toda a parte
:De modo que o seu centro está evidente,
Começa e acaba, enfim, por divina arte,
:Como a sua superfícia, claramente.

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Uniforme, perfeito, em si sustido,
:Qual a matéria seja não se enxerga,
Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
:Mas enxerga-se bem que está composto
Vendo o Gama este globo, comovido
:De vários orbes, que a Divina verga
De espanto e de desejo ali ficou.
:Compôs, e um centro a todos só tem posto.
Diz-lhe a Deusa: - "O transunto, reduzido
:Volvendo, ora se abaxe, agora se erga,
Em pequeno volume, aqui te dou
:Nunca s'ergue ou se abaxa, e um mesmo rosto
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
:Por toda a parte tem; e em toda a parte
Por onde vás e irás e o que desejas.
:Começa e acaba, enfim, por divina arte,

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::::80
"Vês aqui a grande máquina do Mundo,
:Uniforme, perfeito, em si sustido,
Etérea e elemental, que fabricada
:Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
Assi foi do Saber, alto e profundo,
:Vendo o Gama este globo, comovido
Que é sem princípio e meta limitada.
:De espanto e de desejo ali ficou.
Quem cerca em derredor este rotundo
:Diz-lhe a Deusa: - "O transunto, reduzido
Globo e sua superfícia tão limada,
:Em pequeno volume, aqui te dou
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
:Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Que a tanto o engenho humano não se estende.
:Por onde vás e irás e o que desejas.

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:::::80
::::81
"Este orbe que, primeiro, vai cercando
:"Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Os outros mais pequenos que em si tem,
:Etérea e elemental, que fabricada
Que está com luz tão clara radiando
:Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que a vista cega e a mente vil também,
:Que é sem princípio e meta limitada.
Empíreo se nomeia, onde logrando
:Quem cerca em derredor este rotundo
Puras almas estão daquele Bem
:Globo e sua superfícia tão limada,
Tamanho, que ele só se entende e alcança,
:É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
De quem não há no mundo semelhança.
:Que a tanto o engenho humano não se estende.

:
:::::81
::::82
"Aqui, só verdadeiros, gloriosos
:"Este orbe que, primeiro, vai cercando
Divos estão, porque eu, Saturno e Jano,
:Os outros mais pequenos que em si tem,
Júpiter, Juno, fomos fabulosos,
:Que está com luz tão clara radiando
Fingidos de mortal e cego engano.
:Que a vista cega e a mente vil também,
Só pera fazer versos deleitosos
:Empíreo se nomeia, onde logrando
Servimos; e, se mais o trato humano
:Puras almas estão daquele Bem
Nos pode dar, é só que o nome nosso
:Tamanho, que ele só se entende e alcança,
Nestas estrelas pôs o engenho vosso.
:De quem não há no mundo semelhança.

:
:::::82
::::83
"E também, porque a santa Providência,
:"Aqui, só verdadeiros, gloriosos
Que em Júpiter aqui se representa,
:Divos estão, porque eu, Saturno e Jano,
Por espíritos mil que têm prudência
:Júpiter, Juno, fomos fabulosos,
Governa o Mundo todo que sustenta
:Fingidos de mortal e cego engano.
(Ensina-lo a profética ciência,
:Só pera fazer versos deleitosos
Em muitos dos exemplos que apresenta);
:Servimos; e, se mais o trato humano
Os que são bons, guiando, favorecem,
:Nos pode dar, é só que o nome nosso
Os maus, em quanto podem, nos empecem;
:Nestas estrelas pôs o engenho vosso.

:
:::::83
::::84
"Quer logo aqui a pintura que varia
:"E também, porque a santa Providência,
Agora deleitando, ora ensinando,
:Que em Júpiter aqui se representa,
Dar-lhe nomes que a antiga Poesia
:Por espíritos mil que têm prudência
A seus Deuses já dera, fabulando;
:Governa o Mundo todo que sustenta
Que os Anjos de celeste companhia
:(Ensina-lo a profética ciência,
Deuses o sacro verso está chamando,
:Em muitos dos exemplos que apresenta);
Nem nega que esse nome preminente
:Os que são bons, guiando, favorecem,
:Os maus, em quanto podem, nos empecem;
Também aos maus se , mas falsamente.

:
:::::84
::::85
:"Quer logo aqui a pintura que varia
"Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
Causas obra no Mundo, tudo manda.
:Agora deleitando, ora ensinando,
E tornando a contar-te das profundas
:Dar-lhe nomes que a antiga Poesia
Obras da Mão Divina veneranda,
:A seus Deuses já dera, fabulando;
Debaxo deste círculo onde as mundas
:Que os Anjos de celeste companhia
Almas divinas gozam, que não anda,
:Deuses o sacro verso está chamando,
Outro corre, tão leve e tão ligeiro
:Nem nega que esse nome preminente
Que não se enxerga: é o Móbile primeiro.
:Também aos maus se dá, mas falsamente.

:
:::::85
::::86
"Com este rapto e grande movimento
:"Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
Vão todos os que dentro tem no seio;
:Causas obra no Mundo, tudo manda.
Por obra deste, o Sol, andando a tento,
:E tornando a contar-te das profundas
O dia e noite faz, com curso alheio.
:Obras da Mão Divina veneranda,
:Debaxo deste círculo onde as mundas
Debaxo deste leve, anda outro lento,
Tão lento e sojugado a duro freio,
:Almas divinas gozam, que não anda,
Que enquanto Febo, de luz nunca escasso,
:Outro corre, tão leve e tão ligeiro
Duzentos cursos faz, dá ele um passo.
:Que não se enxerga: é o Móbile primeiro.

:
:::::86
::::87
"Olha estoutro debaxo, que esmaltado
:"Com este rapto e grande movimento
De corpos lisos anda e radiantes,
:Vão todos os que dentro tem no seio;
Que também nele tem curso ordenado
:Por obra deste, o Sol, andando a tento,
E nos seus axes correm cintilantes.
:O dia e noite faz, com curso alheio.
Bem vês como se veste e faz ornado
:Debaxo deste leve, anda outro lento,
Co largo Cinto d, ouro, que estelantes
:Tão lento e sojugado a duro freio,
Animais doze traz afigurados,
:Que enquanto Febo, de luz nunca escasso,
Apousentos de Febo limitados.
:Duzentos cursos faz, dá ele um passo.

:
:::::87
::::88
:"Olha estoutro debaxo, que esmaltado
"Olha por outras partes a pintura
Que as Estrelas fulgentes vão fazendo:
:De corpos lisos anda e radiantes,
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
:Que também nele tem curso ordenado
Andrómeda e seu pai, e o Drago horrendo;
:E nos seus axes correm cintilantes.
Vê de Cassiopeia a fermosura
:Bem vês como se veste e faz ornado
E do Orionte o gesto turbulento;
:Co largo Cinto d, ouro, que estelantes
Olha o Cisne morrendo que suspira,
:Animais doze traz afigurados,
A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira.
:Apousentos de Febo limitados.

:
:::::88
::::89
"Debaxo deste grande Firmamento,
:"Olha por outras partes a pintura
Vês o céu de Saturno, Deus antigo;
:Que as Estrelas fulgentes vão fazendo:
Júpiter logo faz o movimento,
:Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
E Marte abaxo, bélico inimigo;
:Andrómeda e seu pai, e o Drago horrendo;
O claro Olho do céu, no quarto assento,
:Vê de Cassiopeia a fermosura
E Vénus, que os amores traz consigo;
:E do Orionte o gesto turbulento;
Mercúrio, de eloquência soberana;
:Olha o Cisne morrendo que suspira,
Com três rostos, debaxo vai Diana.
:A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira.

:
:::::89
::::90
"Em todos estes orbes, diferente
:"Debaxo deste grande Firmamento,
Curso verás, nuns grave e noutros leve;
:Vês o céu de Saturno, Deus antigo;
Ora fogem do Centro longamente,
:Júpiter logo faz o movimento,
Ora da Terra estão caminho breve,
:E Marte abaxo, bélico inimigo;
Bem como quis o Padre omnipotente,
:O claro Olho do céu, no quarto assento,
Que o fogo fez e o ar, o vento e neve,
:E Vénus, que os amores traz consigo;
Os quais verás que jazem mais a dentro
:Mercúrio, de eloquência soberana;
E tem co Mar a Terra por seu centro.
:Com três rostos, debaxo vai Diana.

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:::::90
::::91
"Neste centro, pousada dos humanos,
:"Em todos estes orbes, diferente
Que não somente, ousados, se contentam
:Curso verás, nuns grave e noutros leve;
De sofrerem da terra firme os danos,
:Ora fogem do Centro longamente,
Mas inda o mar instábil exprimentam,
:Ora da Terra estão caminho breve,
Verás as várias partes, que os insanos
:Bem como quis o Padre omnipotente,
Mares dividem, onde se apousentam
:Que o fogo fez e o ar, o vento e neve,
Várias nações que mandam vários Reis,
:Os quais verás que jazem mais a dentro
Vários costumes seus e várias leis.
:E tem co Mar a Terra por seu centro.

:
:::::91
::::92
"Vês Europa Cristã, mais alta e clara
:"Neste centro, pousada dos humanos,
Que as outras em polícia e fortaleza.
:Que não somente, ousados, se contentam
Vês África, dos bens do mundo avara,
:De sofrerem da terra firme os danos,
Inculta e toda cheia de bruteza;
:Mas inda o mar instábil exprimentam,
Co Cabo que até'aqui se vos negara,
:Verás as várias partes, que os insanos
Que assentou pera o Austro a Natureza.
:Mares dividem, onde se apousentam
Olha essa terra toda, que se habita
:Várias nações que mandam vários Reis,
Dessa gente sem Lei, quási infinita.
:Vários costumes seus e várias leis.

:
:::::92
::::93
"Vê do Benomotapa o grande império,
:"Vês Europa Cristã, mais alta e clara
De selvática gente, negra e nua,
:Que as outras em polícia e fortaleza.
Onde Gonçalo morte e vitupério
:Vês África, dos bens do mundo avara,
Padecerá, pola Fé santa sua.
:Inculta e toda cheia de bruteza;
Nace por este incógnito Hemispério
:Co Cabo que até'aqui se vos negara,
O metal por que mais a gente sua.
:Que assentou pera o Austro a Natureza.
:Olha essa terra toda, que se habita
que do lago donde se derrama
O Nilo, também vindo está Cuama.
:Dessa gente sem Lei, quási infinita.

:
:::::93
::::94
"Olha as casas dos negros, como estão
:"Vê do Benomotapa o grande império,
Sem portas, confiados, em seus ninhos,
:De selvática gente, negra e nua,
Na justiça real e defensão
:Onde Gonçalo morte e vitupério
E na fidelidade dos vizinhos;
:Padecerá, pola Fé santa sua.
Olha deles a bruta multidão,
:Nace por este incógnito Hemispério
Qual bando espesso e negro de estorninhos,
:O metal por que mais a gente sua.
Combaterá em Sofala a fortaleza, Que
:Vê que do lago donde se derrama
defenderá Nhaia com destreza.
:O Nilo, também vindo está Cuama.

:
:::::94
::::95
:"Olha as casas dos negros, como estão
"Olha as alagoas donde o Nilo
Nace, que não souberam os antigos;
:Sem portas, confiados, em seus ninhos,
Vê-lo rega, gerando o crocodilo,
:Na justiça real e defensão
Os povos Abassis, de Crista amigos;
:E na fidelidade dos vizinhos;
:Olha deles a bruta multidão,
Olha como sem muros (novo estilo)
Se defendem milhor dos inimigos;
:Qual bando espesso e negro de estorninhos,
Vê Méroe, que ilha foi de antiga fama,
:Combaterá em Sofala a fortaleza, Que
Que ora dos naturais Nobá se chama.
:defenderá Nhaia com destreza.

:
:::::95
::::96
"Nesta remota terra um filho teu
:"Olha lá as alagoas donde o Nilo
Nas armas contra os Turcos será claro;
:Nace, que não souberam os antigos;
Há-de ser Dom Cristóvão o nome seu;
:Vê-lo rega, gerando o crocodilo,
Mas contra o fim fatal não há reparo.
:Os povos Abassis, de Crista amigos;
Vê cá a costa do mar, onde te deu
:Olha como sem muros (novo estilo)
Melinde hospício gasalhoso e caro;
:Se defendem milhor dos inimigos;
O Rapto rio nota, que o romance
:Vê Méroe, que ilha foi de antiga fama,
Da terra chama Obi; entra em Quilmance.
:Que ora dos naturais Nobá se chama.

:
:::::96
::::97
"O Cabo vê já Arómata chamado,
:"Nesta remota terra um filho teu
E agora Guardafú, dos moradores,
:Nas armas contra os Turcos será claro;
Onde começa a boca do afamado
:Há-de ser Dom Cristóvão o nome seu;
Mar Roxo, que do fundo toma as cores;
:Mas contra o fim fatal não há reparo.
Este como limite está lançado
:Vê cá a costa do mar, onde te deu
Que divide Asia de Africa; e as milhores
:Melinde hospício gasalhoso e caro;
Povoações que a parte Africa tem
:O Rapto rio nota, que o romance
Maçuá são, Arquico e Suaquém.
:Da terra chama Obi; entra em Quilmance.

:
:::::97
::::98
"Vês o extremo Suez, que antigamente
:"O Cabo vê já Arómata chamado,
Dizem que foi dos Héroas a cidade
:E agora Guardafú, dos moradores,
(Outros dizem que Arsínoe), e ao presente
:Onde começa a boca do afamado
Tem das frotas do Egipto a potestade.
:Mar Roxo, que do fundo toma as cores;
Olha as águas nas quais abriu patente
:Este como limite está lançado
Estrada o grão Mousés na antiga idade.
:Que divide Asia de Africa; e as milhores
Ásia começa aqui, que se apresenta
:Povoações que a parte Africa tem
Em terras grande, em reinos opulenta.
:Maçuá são, Arquico e Suaquém.

:
:::::98
::::99
:"Vês o extremo Suez, que antigamente
"Olha o monte Sinai, que se ennobrece
Co sepulcro de Santa Caterina;
:Dizem que foi dos Héroas a cidade
Olha Toro e Gidá, que lhe falece
:(Outros dizem que Arsínoe), e ao presente
Água das fontes, doce e cristalina;
:Tem das frotas do Egipto a potestade.
:Olha as águas nas quais abriu patente
Olha as portas do Estreito, que fenece
No reino da seca Ádem, que confina
:Estrada o grão Mousés na antiga idade.
Com a serra d'Arzira, pedra viva,
:Ásia começa aqui, que se apresenta
Onde chuva dos céus se não deriva.
:Em terras grande, em reinos opulenta.

:
:::::99
::::100
:"Olha o monte Sinai, que se ennobrece
"Olha as Arábias três, que tanta terra
Tomam, todas da gente vaga e baça,
:Co sepulcro de Santa Caterina;
Donde vêm os cavalos pera a guerra,
:Olha Toro e Gidá, que lhe falece
Ligeiros e feroces, de alta raça;
:Água das fontes, doce e cristalina;
:Olha as portas do Estreito, que fenece
Olha a costa que corrre, até que cera
Outro Estreito de Pérsia, e faz a traça
:No reino da seca Ádem, que confina
O Cabo que co nome se apelida
:Com a serra d'Arzira, pedra viva,
Da cidade Fartaque, ali sabida.
:Onde chuva dos céus se não deriva.

:
:::::100
::::101
:"Olha as Arábias três, que tanta terra
"Olha Dófar, insigne porque manda
O mais cheiroso incenso pera as aras;
:Tomam, todas da gente vaga e baça,
Mas atenta: já cá destoutra banda
:Donde vêm os cavalos pera a guerra,
De Roçalgate, e praias sempre avaras,
:Ligeiros e feroces, de alta raça;
Começa o reino Ormuz, que todo se anda
:Olha a costa que corrre, até que cera
Pelas ribeiras que inda serão claras
:Outro Estreito de Pérsia, e faz a traça
Quando as galés do Turco e fera armada
:O Cabo que co nome se apelida
Virem de Castelbranco nua a espada.
:Da cidade Fartaque, ali sabida.

:
:::::101
::::102
:"Olha Dófar, insigne porque manda
"Olha o Cabo Asaboro, que chamado
Agora é Moçandão, dos navegantes;
:O mais cheiroso incenso pera as aras;
Por aqui entra o lago que é fechado
:Mas atenta: já cá destoutra banda
De Arábia e Pérsias terras abundantes.
:De Roçalgate, e praias sempre avaras,
:Começa o reino Ormuz, que todo se anda
Atenta a ilha Barém, que o fundo ornado
Tem das suas perlas ricas, e imitantes
:Pelas ribeiras que inda serão claras
A cor da Aurora; e vê na água salgada
:Quando as galés do Turco e fera armada
Ter o Tígris e Eufrates üa entrada.
:Virem de Castelbranco nua a espada.

:
:::::102
::::103
:"Olha o Cabo Asaboro, que chamado
"Olha da grande Pérsia o império nobre,
Sempre posto no campo e nos cavalos,
:Agora é Moçandão, dos navegantes;
Que se injuria de usar fundido cobre
:Por aqui entra o lago que é fechado
E de não ter das armas sempre os calos.
:De Arábia e Pérsias terras abundantes.
:Atenta a ilha Barém, que o fundo ornado
Mas vê a ilha Gerum, como descobre
O que fazem do tempo os intervalos,
:Tem das suas perlas ricas, e imitantes
Que da cidade Armuza, que ali esteve,
:A cor da Aurora; e vê na água salgada
Ela o nome despois e a glória teve.
:Ter o Tígris e Eufrates üa entrada.

:
:::::103
::::104
"Aqui de Dom Filipe de Meneses
:"Olha da grande Pérsia o império nobre,
Se mostrará a virtude, em armas clara,
:Sempre posto no campo e nos cavalos,
Quando, com muito poucos Portugueses,
:Que se injuria de usar fundido cobre
Os muitos Párseos vencerá de Lara.
:E de não ter das armas sempre os calos.
Virão provar os golpes e reveses
:Mas vê a ilha Gerum, como descobre
De Dom Pedro de Sousa, que provara
:O que fazem do tempo os intervalos,
:Que da cidade Armuza, que ali esteve,
seu braço em Ampaza, que deixada
Terá por terra, à força só de espada.
:Ela o nome despois e a glória teve.

:
:::::104
::::105
"Mas deixemos o Estreito e o conhecido
:"Aqui de Dom Filipe de Meneses
Cabo de Jasque, dito já Carpela,
:Se mostrará a virtude, em armas clara,
Com todo o seu terreno mal querido
:Quando, com muito poucos Portugueses,
Da Natura e dos dões usados dela;
:Os muitos Párseos vencerá de Lara.
Carmânia teve já por apelido.
:Virão provar os golpes e reveses
:De Dom Pedro de Sousa, que provara
Mas vês o fermoso Indo, que daquela
Altura nace, junto à qual, também
:Já seu braço em Ampaza, que deixada
Doutra altura correndo o Gange vem?
:Terá por terra, à força só de espada.

:
:::::105
::::106
"Olha a terra de Ulcinde, fertilíssima,
:"Mas deixemos o Estreito e o conhecido
E de Jáquete a íntima enseada;
:Cabo de Jasque, dito já Carpela,
Do mar a enchente súbita, grandíssima,
:Com todo o seu terreno mal querido
E a vazante, que foge apressurada.
:Da Natura e dos dões usados dela;
A terra de Cambaia vê, riquíssima,
:Carmânia teve já por apelido.
Onde do mar o seio faz entrada;
:Mas vês o fermoso Indo, que daquela
Cidades outras mil, que vou passando,
:Altura nace, junto à qual, também
A vós outros aqui se estão guardando.
:Doutra altura correndo o Gange vem?

:
:::::106
::::107
"Vês corre a costa célebre Indiana
:"Olha a terra de Ulcinde, fertilíssima,
Pera o Sul, até o Cabo Comori,
:E de Jáquete a íntima enseada;
Já chamado Cori, que Taprobana
:Do mar a enchente súbita, grandíssima,
(Que ora é Ceilão) defronte tem de si.
:E a vazante, que foge apressurada.
Por este mar a gente Lusitana,
:A terra de Cambaia vê, riquíssima,
Que com armas virá despois de ti,
:Onde do mar o seio faz entrada;
Terá vitórias, terras e cidades,
:Cidades outras mil, que vou passando,
Nas quais hão-de viver muitas idades.
:A vós outros aqui se estão guardando.

:
:::::107
::::108
"As províncias que entre um e o outro rio
:"Vês corre a costa célebre Indiana
Vês, com várias nações, são infinitas:
:Pera o Sul, até o Cabo Comori,
Um reino Mahometa, outro Gentio,
:Já chamado Cori, que Taprobana
A quem tem o Demónio leis escritas.
:(Que ora é Ceilão) defronte tem de si.
Olha que de Narsinga o senhorio
:Por este mar a gente Lusitana,
Tem as relíquias santas e benditas
:Que com armas virá despois de ti,
Do corpo de Tomé, barão sagrado,
:Terá vitórias, terras e cidades,
Que a Jesu Cristo teve a mão no lado.
:Nas quais hão-de viver muitas idades.

:
:::::108
::::109
"Aqui a cidade foi que se chamava
:"As províncias que entre um e o outro rio
Meliapor, fermosa, grande e rica;
:Vês, com várias nações, são infinitas:
Os Ídolos antigos adorava
:Um reino Mahometa, outro Gentio,
Como inda agora faz a gente inica.
:A quem tem o Demónio leis escritas.
Longe do mar naquele tempo estava,
:Olha que de Narsinga o senhorio
Quando a Fé, que no mundo se pubrica,
:Tem as relíquias santas e benditas
Tomé vinha prègando, e já passara
:Do corpo de Tomé, barão sagrado,
Províncias mil do mundo, que ensinara.
:Que a Jesu Cristo teve a mão no lado.

:
:::::109
::::110
"Chegado aqui, pregando e junto dando
:"Aqui a cidade foi que se chamava
A doentes saúde, a mortos vida,
:Meliapor, fermosa, grande e rica;
Acaso traz um dia o mar, vagando,
:Os Ídolos antigos adorava
Um lenho de grandeza desmedida.
:Como inda agora faz a gente inica.
Deseja o Rei, que andava edificando,
:Longe do mar naquele tempo estava,
Fazer dele madeira; e não duvida
:Quando a Fé, que no mundo se pubrica,
Poder tirá-lo a terra, com possantes
:Tomé vinha prègando, e já passara
Forças d' homens, de engenhos, de alifantes.
:Províncias mil do mundo, que ensinara.

:
:::::110
::::111
"Era tão grande o peso do madeiro
:"Chegado aqui, pregando e junto dando
Que, só pera abalar-se, nada abasta;
:A doentes saúde, a mortos vida,
Mas o núncio de Cristo verdadeiro
:Acaso traz um dia o mar, vagando,
Menos trabalho em tal negócio gasta:
:Um lenho de grandeza desmedida.
:Deseja o Rei, que andava edificando,
Ata o cordão que traz, por derradeiro,
No tronco, e fàcilmente o leva e arrasta
:Fazer dele madeira; e não duvida
Pera onde faça um sumptuoso templo
:Poder tirá-lo a terra, com possantes
Que ficasse aos futuros por exemplo.
:Forças d' homens, de engenhos, de alifantes.

:
:::::111
::::112
"Sabia bem que se com fé formada
:"Era tão grande o peso do madeiro
Mandar a um monte surdo que se mova,
:Que, só pera abalar-se, nada abasta;
Que obedecerá logo à voz sagrada,
:Mas o núncio de Cristo verdadeiro
Que assi lho ensinou Cristo, e ele o prova.
:Menos trabalho em tal negócio gasta:
A gente ficou disto alvoraçada;
:Ata o cordão que traz, por derradeiro,
Os Brâmenes o têm por cousa nova;
:No tronco, e fàcilmente o leva e arrasta
Vendo os milagres, vendo a santidade,
:Pera onde faça um sumptuoso templo
Hão medo de perder autoridade.
:Que ficasse aos futuros por exemplo.

:
:::::112
::::113
"São estes sacerdotes dos Gentios
:"Sabia bem que se com fé formada
Em quem mais penetrado tinha enveja;
:Mandar a um monte surdo que se mova,
Buscam maneiras mil, buscam desvios,
:Que obedecerá logo à voz sagrada,
Com que Tomé não se ouça, ou morto seja.
:Que assi lho ensinou Cristo, e ele o prova.
O principal, que ao peito traz os fios,
:A gente ficou disto alvoraçada;
Um caso horrendo faz, que o mundo veja
:Os Brâmenes o têm por cousa nova;
Que inimiga não há, tão dura e fera,
:Vendo os milagres, vendo a santidade,
Como a virtude falsa, da sincera.
:Hão medo de perder autoridade.

:
:::::113
::::114
"Um filho próprio mata, e logo acusa
:"São estes sacerdotes dos Gentios
De homicídio Tomé, que era inocente;
:Em quem mais penetrado tinha enveja;
Dá falsas testemunhas, como se usa;
:Buscam maneiras mil, buscam desvios,
Condenaram-no a morte brevemente.
:Com que Tomé não se ouça, ou morto seja.
:O principal, que ao peito traz os fios,
O Santo, que não milhor escusa
Que apelar pera o Padre omnipotente,
:Um caso horrendo faz, que o mundo veja
Quer, diante do Rei e dos senhores,
:Que inimiga não há, tão dura e fera,
Que se faça um milagre dos maiores.
:Como a virtude falsa, da sincera.

:
:::::114
::::115
"O corpo morto manda ser trazido,
:"Um filho próprio mata, e logo acusa
Que res===s]ucite e seja perguntado
:De homicídio Tomé, que era inocente;
Quem foi seu matador, e será crido
:Dá falsas testemunhas, como se usa;
Por testemunho, o seu, mais aprovado.
:Condenaram-no a morte brevemente.
Viram todos o moço vivo, erguido,
:O Santo, que não vê milhor escusa
Em nome de Jesu crucificado:
:Que apelar pera o Padre omnipotente,
Dá graças a Tomé, que lhe deu vida,
:Quer, diante do Rei e dos senhores,
E descobre seu pai ser homicida.
:Que se faça um milagre dos maiores.

:
:::::115
::::116
"Este milagre fez tamanho espanto
:"O corpo morto manda ser trazido,
Que o Rei se banha logo na água santa,
:Que res===s]ucite e seja perguntado
E muitos após ele; um beija o manto,
:Quem foi seu matador, e será crido
Outro louvor do Deus de Tomé canta.
:Por testemunho, o seu, mais aprovado.
Os Brâmenes se encheram de ódio tanto,
:Viram todos o moço vivo, erguido,
Com seu veneno os morde enveja tanta,
:Em nome de Jesu crucificado:
Que, persuadindo a isso o povo rudo,
:Dá graças a Tomé, que lhe deu vida,
Determinam matá-lo, em fim de tudo.
:E descobre seu pai ser homicida.

:
:::::116
::::117
"Um dia que pregando ao povo estava,
:"Este milagre fez tamanho espanto
Fingiram entre a gente um arruído.
:Que o Rei se banha logo na água santa,
(Já Cristo neste tempo lhe ordenava
:E muitos após ele; um beija o manto,
Que, padecendo, fosse ao Céu subido);
:Outro louvor do Deus de Tomé canta.
A multidão das pedras que voava
:Os Brâmenes se encheram de ódio tanto,
No Santo dá, já a tudo oferecido;
:Com seu veneno os morde enveja tanta,
Um dos maus, por fartar-se mais depressa,
:Que, persuadindo a isso o povo rudo,
Com crua lança o peito lhe atravessa.
:Determinam matá-lo, em fim de tudo.

:
:::::117
::::118
"Choraram-te, Tomé, o Gange e o Indo;
:"Um dia que pregando ao povo estava,
Chorou-te toda a terra que pisaste;
:Fingiram entre a gente um arruído.
Mais te choram as almas que vestindo
:(Já Cristo neste tempo lhe ordenava
Se iam da santa Fé que lhe ensinaste.
:Que, padecendo, fosse ao Céu subido);
Mas os Anjos do Céu, cantando e rindo,
:A multidão das pedras que voava
Te recebem na glória que ganhaste.
:No Santo dá, já a tudo oferecido;
Pedimos-te que a Deus ajuda peças
:Um dos maus, por fartar-se mais depressa,
:Com crua lança o peito lhe atravessa.
Com que os teus Lusitanos favoreças.

:
:::::118
::::119
"E vós outros que os nomes usurpais
:"Choraram-te, Tomé, o Gange e o Indo;
De mandados de Deus, como Tomé,
:Chorou-te toda a terra que pisaste;
Dizei: se sois mandados, como estais
:Mais te choram as almas que vestindo
:Se iam da santa Fé que lhe ensinaste.
Sem irdes a pregar a santa Fé?
Olhai que, se sois Sal e vos danais
:Mas os Anjos do Céu, cantando e rindo,
Na pátria, onde profeta ninguém é,
:Te recebem na glória que ganhaste.
Com que se salgarão em nossos dias
:Pedimos-te que a Deus ajuda peças
(Infiéis deixo) tantas heresias?
:Com que os teus Lusitanos favoreças.

:
:::::119
::::120
"Mas passo esta matéria perigosa
:"E vós outros que os nomes usurpais
E tornemos à costa debuxada.
:De mandados de Deus, como Tomé,
Já com esta cidade tão famosa
:Dizei: se sois mandados, como estais
Se faz curva a Gangética enseada;
:Sem irdes a pregar a santa Fé?
Corre Narsinga, rica e poderosa;
:Olhai que, se sois Sal e vos danais
Corre Orixa, de roupas abastada;
:Na pátria, onde profeta ninguém é,
No fundo da enseada, o ilustre rio
:Com que se salgarão em nossos dias
Ganges vem ao salgado senhorio;
:(Infiéis deixo) tantas heresias?

:
:::::120
::::121
"Ganges, no qual os seus habitadores
:"Mas passo esta matéria perigosa
Morrem banhados, tendo por certeza
:E tornemos à costa debuxada.
Que, inda que sejam grandes pecadores,
:Já com esta cidade tão famosa
Esta água santa os lava e dá pureza.
:Se faz curva a Gangética enseada;
Vê Catigão, cidade das milhores
:Corre Narsinga, rica e poderosa;
De Bengala província, que se preza
:Corre Orixa, de roupas abastada;
De abundante. Mas olha que está posta
:No fundo da enseada, o ilustre rio
Pera o Austro, daqui virada, a costa.
:Ganges vem ao salgado senhorio;

:
:::::121
::::122
"Olha o reino Arracão; olha o assento
:"Ganges, no qual os seus habitadores
De Pegu, que já monstros povoaram,
:Morrem banhados, tendo por certeza
Monstros filhos do feio ajuntamento
:Que, inda que sejam grandes pecadores,
Düa mulher e um cão, que sós se acharam.
:Esta água santa os lava e dá pureza.
Aqui soante arame no instrumento
:Vê Catigão, cidade das milhores
Da geração costumam, o que usaram
:De Bengala província, que se preza
Por manha da Rainha que, inventando
:De abundante. Mas olha que está posta
Tal uso, deitou fora o error nefando.
:Pera o Austro, daqui virada, a costa.

:
:::::122
::::123
:"Olha o reino Arracão; olha o assento
"Olha Tavai cidade, onde começa
De Sião largo o império tão comprido;
:De Pegu, que já monstros povoaram,
Tenassari, Quedá, que é só cabeça
:Monstros filhos do feio ajuntamento
Das que pimenta ali têm produzido.
:Düa mulher e um cão, que sós se acharam.
Mais avante fareis que se conheça
:Aqui soante arame no instrumento
Malaca por empório ennobrecido,
:Da geração costumam, o que usaram
Onde toda a província do mar grande
:Por manha da Rainha que, inventando
Suas mercadorias ricas mande.
:Tal uso, deitou fora o error nefando.

:
:::::123
::::124
"Dizem que desta terra co as possantes
:"Olha Tavai cidade, onde começa
Ondas o mar, entrando, dividiu
:De Sião largo o império tão comprido;
A nobre ilha Samatra, que já d'antes
:Tenassari, Quedá, que é só cabeça
Juntas ambas a gente antiga viu.
:Das que pimenta ali têm produzido.
Quersoneso foi dita; e das prestantes
:Mais avante fareis que se conheça
Veias d'ouro que a terra produziu,
:Malaca por empório ennobrecido,
'Aurea', por epitéto lhe ajuntaram;
:Onde toda a província do mar grande
Alguns que fosse Ofir imaginaram.
:Suas mercadorias ricas mande.

:
:::::124
::::125
:"Dizem que desta terra co as possantes
"Mas, na ponta da terra, Cingapura
Verás, onde o caminho às naus se estreita;
:Ondas o mar, entrando, dividiu
Daqui tornando a costa à Cinosura,
:A nobre ilha Samatra, que já d'antes
Se encurva e pera a Aurora se endireita.
:Juntas ambas a gente antiga viu.
Vês Pam, Patane, reinos, e a longura
:Quersoneso foi dita; e das prestantes
De Sião, que estes e outros mais sujeita;
:Veias d'ouro que a terra produziu,
Olha o rio Menão, que se derrama
:'Aurea', por epitéto lhe ajuntaram;
:Alguns que fosse Ofir imaginaram.
Do grande lago que Chiamai se chama.

:
:::::125
::::126
Vês neste grão terreno os diferentes
:"Mas, na ponta da terra, Cingapura
Nomes de mil nações, nunca sabidas:
:Verás, onde o caminho às naus se estreita;
Os Laos, em terra e número potentes;
:Daqui tornando a costa à Cinosura,
Avás, Bramás, por serras tão compridas;
:Se encurva e pera a Aurora se endireita.
Vê nos remotos montes outras gentes,
:Vês Pam, Patane, reinos, e a longura
Que Gueos se chamam, de selvages vidas;
:De Sião, que estes e outros mais sujeita;
Humana carne comem, mas a sua
:Olha o rio Menão, que se derrama
Pintam com ferro ardente, usança crua.
:Do grande lago que Chiamai se chama.

:
:::::126
::::127
:Vês neste grão terreno os diferentes
"Vês, passa por Camboja Mecom rio,
Que capitão das águas se interpreta;
:Nomes de mil nações, nunca sabidas:
Tantas recebe d' outro só no Estio,
:Os Laos, em terra e número potentes;
Que alaga os campos largos e inquieta;
:Avás, Bramás, por serras tão compridas;
Tem as enchentes quais o Nilo frio;
:Vê nos remotos montes outras gentes,
A gente dele crê, como indiscreta,
:Que Gueos se chamam, de selvages vidas;
Que pena e glória têm, despois de morte,
:Humana carne comem, mas a sua
Os brutos animais de toda sorte.
:Pintam com ferro ardente, usança crua.

:
:::::127
::::128
"Este receberá, plácido e brando,
:"Vês, passa por Camboja Mecom rio,
No seu regaço os Cantos que molhados
:Que capitão das águas se interpreta;
Vêm do naufrágio triste e miserando,
:Tantas recebe d' outro só no Estio,
Dos procelosos baxos escapados,
:Que alaga os campos largos e inquieta;
Das fomes, dos perigos grandes, quando
:Tem as enchentes quais o Nilo frio;
Será o injusto mando executado
:A gente dele crê, como indiscreta,
Naquele cuja Lira sonorosa
:Que pena e glória têm, despois de morte,
Será mais afamada que ditosa.
:Os brutos animais de toda sorte.

:
:::::128
::::129
"Vês, corre a costa que Champá se chama,
:"Este receberá, plácido e brando,
Cuja mata é do pau cheiroso ornada;
:No seu regaço os Cantos que molhados
Vês Cauchichina está, de escura fama,
:Vêm do naufrágio triste e miserando,
E de Ainão vê a incógnita enseada;
:Dos procelosos baxos escapados,
Aqui o soberbo Império, que se afama
:Das fomes, dos perigos grandes, quando
Com terras e riqueza não cuidada,
:Será o injusto mando executado
Da China corre, e ocupa o senhorio
:Naquele cuja Lira sonorosa
Desde o Trópico ardente ao Cinto frio.
:Será mais afamada que ditosa.

:
:::::129
::::130
"Olha o muro e edifício nunca crido,
:"Vês, corre a costa que Champá se chama,
Que entre um império e o outro se edifica,
:Cuja mata é do pau cheiroso ornada;
Certíssimo sinal, e conhecido,
:Vês Cauchichina está, de escura fama,
Da potência real, soberba e rica.
:E de Ainão vê a incógnita enseada;
Estes, o Rei que têm, não foi nacido
:Aqui o soberbo Império, que se afama
Príncipe, nem dos pais aos filhos fica,
:Com terras e riqueza não cuidada,
Mas elegem aquele que é famoso
:Da China corre, e ocupa o senhorio
Por cavaleiro, sábio e virtuoso.
:Desde o Trópico ardente ao Cinto frio.

:
:::::130
::::131
"Inda outra muita terra se te esconde
:"Olha o muro e edifício nunca crido,
Até que venha o tempo de mostrar-se;
:Que entre um império e o outro se edifica,
Mas não deixes no mar as Ilhas onde
:Certíssimo sinal, e conhecido,
A Natureza quis mais afamar-se:
:Da potência real, soberba e rica.
Esta, meia escondida, que responde
:Estes, o Rei que têm, não foi nacido
De longe à China, donde vem buscar-se,
:Príncipe, nem dos pais aos filhos fica,
É Japão, onde nace a prata fina,
:Mas elegem aquele que é famoso
Que ilustrada será co a Lei divina.
:Por cavaleiro, sábio e virtuoso.

:
:::::131
::::132
"Olha cá pelos mares do Oriente
:"Inda outra muita terra se te esconde
Ás infinitas Ilhas espalhadas:
:Até que venha o tempo de mostrar-se;
Vê Tidore e Ternate, co fervente
:Mas não deixes no mar as Ilhas onde
Cume, que lança as flamas ondeadas.
:A Natureza quis mais afamar-se:
As árvores verás do cravo ardente,
:Esta, meia escondida, que responde
Co sangue Português inda compradas.
:De longe à China, donde vem buscar-se,
Aqui há as áureas aves, que não decem
:É Japão, onde nace a prata fina,
Nunca à terra e só mortas aparecem.
:Que ilustrada será co a Lei divina.

:
:::::132
::::133
:"Olha pelos mares do Oriente
"Olha de Banda as Ilhas, que se esmaltam
Da vária cor que pinta o roxo fruto;
:Ás infinitas Ilhas espalhadas:
Às aves variadas, que ali saltam,
:Vê Tidore e Ternate, co fervente
Da verde noz tomando seu tributo.
:Cume, que lança as flamas ondeadas.
Olha também Bornéu, onde não faltam
:As árvores verás do cravo ardente,
Lágrimas no licor coalhado e enxuto
:Co sangue Português inda compradas.
Das árvores, que cânfora é chamado,
:Aqui há as áureas aves, que não decem
Com que da Ilha o nome é celebrado.
:Nunca à terra e só mortas aparecem.

:
:::::133
::::134
"Ali também Timor, que o lenho manda
:"Olha de Banda as Ilhas, que se esmaltam
Sândalo, salutífero e cheiroso;
:Da vária cor que pinta o roxo fruto;
Olha a Sunda, tão larga que üa banda
:Às aves variadas, que ali saltam,
Esconde pera o Sul dificultoso;
:Da verde noz tomando seu tributo.
A gente do Sertão, que as terras anda,
:Olha também Bornéu, onde não faltam
Um rio diz que tem miraculoso,
:Lágrimas no licor coalhado e enxuto
Que, por onde ele só, sem outro, vai,
:Das árvores, que cânfora é chamado,
Converte em pedra o pau que nele cai.
:Com que da Ilha o nome é celebrado.

:
:::::134
::::135
:"Ali também Timor, que o lenho manda
" naquela que o tempo tornou Ilha,
Que também flamas trémulas vapora,
:Sândalo, salutífero e cheiroso;
A fonte que óleo mana, e a maravilha
:Olha a Sunda, tão larga que üa banda
Do cheiroso licor que o tronco chora,
:Esconde pera o Sul dificultoso;
- Cheiroso, mais que quanto estila a filha
:A gente do Sertão, que as terras anda,
De Ciniras na Arábia, onde ela mora;
:Um rio diz que tem miraculoso,
E vê que, tendo quanto as outras têm,
:Que, por onde ele só, sem outro, vai,
Branda seda e fino ouro dá também.
:Converte em pedra o pau que nele cai.

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:::::135
::::136
:" naquela que o tempo tornou Ilha,
"Olha, em Ceilão, que o monte se alevanta
Tanto que as nuvens passa ou a vista engana;
:Que também flamas trémulas vapora,
Os naturais o têm por cousa santa,
:A fonte que óleo mana, e a maravilha
Pola pedra onde está a pegada humana.
:Do cheiroso licor que o tronco chora,
Nas ilhas de Maldiva nace a pranta
:- Cheiroso, mais que quanto estila a filha
No profundo das águas, soberana,
:De Ciniras na Arábia, onde ela mora;
Cujo pomo contra o veneno urgente
:E vê que, tendo quanto as outras têm,
É tido por antídoto excelente.
:Branda seda e fino ouro dá também.

:
:::::136
::::137
"Verás defronte estar do Roxo Estreito
:"Olha, em Ceilão, que o monte se alevanta
Socotorá, co amaro aloé famosa;
:Tanto que as nuvens passa ou a vista engana;
Outras ilhas, no mar também sujeito
:Os naturais o têm por cousa santa,
A vós, na costa de África arenosa,
:Pola pedra onde está a pegada humana.
Onde sai do cheiro mais perfeito
:Nas ilhas de Maldiva nace a pranta
A massa, ao mundo oculta e preciosa.
:No profundo das águas, soberana,
De São Lourenço vê a Ilha afamada,
:Cujo pomo contra o veneno urgente
Que Madagáscar é dalguns chamada.
:É tido por antídoto excelente.

:
:::::137
::::138
"Eis aqui as novas partes do Oriente
:"Verás defronte estar do Roxo Estreito
Que vós outros agora ao mundo dais,
:Socotorá, co amaro aloé famosa;
Abrindo a porta ao vasto mar patente,
:Outras ilhas, no mar também sujeito
Que com tão forte peito navegais.
:A vós, na costa de África arenosa,
Mas é também razão que, no Ponente,
:Onde sai do cheiro mais perfeito
Dum Lusitano um feito inda vejais,
:A massa, ao mundo oculta e preciosa.
Que, de seu Rei mostrando-se agravado,
:De São Lourenço vê a Ilha afamada,
Caminho há-de fazer nunca cuidado.
:Que Madagáscar é dalguns chamada.

:
:::::138
::::139
"Vedes a grande terra que contina
:"Eis aqui as novas partes do Oriente
Vai de Calisto ao seu contrário Pólo,
:Que vós outros agora ao mundo dais,
Que soberba a fará a luzente mina
:Abrindo a porta ao vasto mar patente,
Do metal que a cor tem do louro Apolo.
:Que com tão forte peito navegais.
Castela, vossa amiga, será dina
:Mas é também razão que, no Ponente,
De lançar-lhe o colar ao rudo colo.
:Dum Lusitano um feito inda vejais,
Varias províncias tem de várias gentes,
:Que, de seu Rei mostrando-se agravado,
Em ritos e costumes, diferentes.
:Caminho há-de fazer nunca cuidado.

:
:::::139
::::140
"Mas cá onde mais se alarga, ali tereis
:"Vedes a grande terra que contina
Parte também, co pau vermelho nota;
:Vai de Calisto ao seu contrário Pólo,
De Santa Cruz o nome lhe poreis;
:Que soberba a fará a luzente mina
Descobri-la-á a primeira vossa frota.
:Do metal que a cor tem do louro Apolo.
Ao longo desta costa, que tereis,
:Castela, vossa amiga, será dina
Irá buscando a parte mais remota
:De lançar-lhe o colar ao rudo colo.
O Magalhães, no feito, com verdade,
:Varias províncias tem de várias gentes,
Português, porém não na lealdade.
:Em ritos e costumes, diferentes.

:
:::::140
::::141
"Dês que passar a via mais que meia
:"Mas cá onde mais se alarga, ali tereis
Que ao Antártico Pólo vai da Linha,
:Parte também, co pau vermelho nota;
Düa estatura quási giganteia
:De Santa Cruz o nome lhe poreis;
Homens verá, da terra ali vizinha;
:Descobri-la-á a primeira vossa frota.
E mais avante o Estreito que se arreia
:Ao longo desta costa, que tereis,
Co nome dele agora, o qual caminha
:Irá buscando a parte mais remota
Pera outro mar e terra que fica onde
:O Magalhães, no feito, com verdade,
Com suas frias asas o Austro a esconde.
:Português, porém não na lealdade.

:
:::::141
::::142
"Até'aqui Portugueses concedido
:"Dês que passar a via mais que meia
Vos é saberdes os futuros feitos
:Que ao Antártico Pólo vai da Linha,
Que, pelo mar que já deixais sabido,
:Düa estatura quási giganteia
Virão fazer barões de fortes peitos.
:Homens verá, da terra ali vizinha;
Agora, pois que tendes aprendido
:E mais avante o Estreito que se arreia
Trabalhos que vos façam ser aceitos
:Co nome dele agora, o qual caminha
As eternas esposas e fermosas,
:Pera outro mar e terra que fica onde
Que coroas vos tecem gloriosas,
:Com suas frias asas o Austro a esconde.

:
:::::142
::::143
"Podeis-vos embarcar, que tendes vento
:"Até'aqui Portugueses concedido
E mar tranquilo, pera a pátria amada."
:Vos é saberdes os futuros feitos
Assi lhe disse; e logo movimento
:Que, pelo mar que já deixais sabido,
Fazem da Ilha alegre e namorada.
:Virão fazer barões de fortes peitos.
Levam refresco e nobre mantimento;
:Agora, pois que tendes aprendido
Levam a companhia desejada
:Trabalhos que vos façam ser aceitos
Das Ninfas, que hão-de ter eternamente,
:As eternas esposas e fermosas,
Por mais tempo que o Sol o mundo aquente.
:Que coroas vos tecem gloriosas,

:
:::::143
::::144
Assi foram cortando o mar sereno,
:"Podeis-vos embarcar, que tendes vento
Com vento sempre manso e nunca irado,
:E mar tranquilo, pera a pátria amada."
Até que houveram vista do terreno
:Assi lhe disse; e logo movimento
Em que naceram, sempre desejado.
:Fazem da Ilha alegre e namorada.
Entraram pela foz do Tejo ameno,
:Levam refresco e nobre mantimento;
E à sua pátria e Rei temido e amado
:Levam a companhia desejada
O prémio e glória dão por que mandou,
:Das Ninfas, que hão-de ter eternamente,
E com títulos novos se ilustrou.
:Por mais tempo que o Sol o mundo aquente.

:
:::::144
::::145
Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
:Assi foram cortando o mar sereno,
Destemperada e a voz enrouquecida,
:Com vento sempre manso e nunca irado,
E não do canto, mas de ver que venho
:Até que houveram vista do terreno
Cantar a gente surda e endurecida.
:Em que naceram, sempre desejado.
O favor com que mais se acende o engenho
:Entraram pela foz do Tejo ameno,
:E à sua pátria e Rei temido e amado
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
:O prémio e glória dão por que mandou,
Düa austera, apagada e vil tristeza.
:E com títulos novos se ilustrou.

:
:::::145
::::146
E não sei por que influxo de Destino
:Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Não tem um ledo orgulho e geral gosto,
:Destemperada e a voz enrouquecida,
Que os ânimos levanta de contino
:E não do canto, mas de ver que venho
A ter pera trabalhos ledo o rosto.
:Cantar a gente surda e endurecida.
Por isso vós, ó Rei, que por divino
:O favor com que mais se acende o engenho
Conselho estais no régio sólio posto,
:Não no dá a pátria, não, que está metida
Olhai que sois (e vede as outras gentes)
:No gosto da cobiça e na rudeza
Senhor só de vassalos excelentes.
:Düa austera, apagada e vil tristeza.

:
:::::146
::::147
Olhai que ledos vão, por várias vias,
:E não sei por que influxo de Destino
Quais rompentes liões e bravos touros,
:Não tem um ledo orgulho e geral gosto,
Dando os corpos a fomes e vigias,
:Que os ânimos levanta de contino
A ferro, a fogo, a setas e pelouros,
:A ter pera trabalhos ledo o rosto.
A quentes regiões, a plagas frias,
:Por isso vós, ó Rei, que por divino
A golpes de Idolátras e de Mouros,
:Conselho estais no régio sólio posto,
A perigos incógnitos do mundo,
:Olhai que sois (e vede as outras gentes)
A naufrágios, a pexes, ao profundo.
:Senhor só de vassalos excelentes.

:
:::::147
::::148
Por vos servir, a tudo aparelhados;
:Olhai que ledos vão, por várias vias,
De vós tão longe, sempre obedientes;
:Quais rompentes liões e bravos touros,
A quaisquer vossos ásperos mandados,
:Dando os corpos a fomes e vigias,
Sem dar reposta, prontos e contentes.
:A ferro, a fogo, a setas e pelouros,
Só com saber que são de vós olhados,
:A quentes regiões, a plagas frias,
Demónios infernais, negros e ardentes,
:A golpes de Idolátras e de Mouros,
Cometerão convosco, e não duvido
:A perigos incógnitos do mundo,
Que vencedor vos façam, não vencido.
:A naufrágios, a pexes, ao profundo.

:
:::::148
::::149
Favorecei-os logo, e alegrai-os
:Por vos servir, a tudo aparelhados;
Com a presença e leda humanidade;
:De vós tão longe, sempre obedientes;
De rigorosas leis desalivai-os,
:A quaisquer vossos ásperos mandados,
Que assi se abre o caminho à santidade.
:Sem dar reposta, prontos e contentes.
Os mais exprimentados levantai-os,
:Só com saber que são de vós olhados,
Se, com a experiência, têm bondade
:Demónios infernais, negros e ardentes,
Pera vosso conselho, pois que sabem
:Cometerão convosco, e não duvido
O como, o quando, e onde as cousas cabem.
:Que vencedor vos façam, não vencido.

:
:::::149
::::150
Todos favorecei em seus ofícios,
:Favorecei-os logo, e alegrai-os
Segundo têm das vidas o talento;
:Com a presença e leda humanidade;
Tenham Religiosos exercícios
:De rigorosas leis desalivai-os,
De rogarem, por vosso regimento,
:Que assi se abre o caminho à santidade.
Com jejuns, disciplina, pelos vícios
:Os mais exprimentados levantai-os,
Comuns; toda ambição terão por vento,
:Se, com a experiência, têm bondade
Que o bom Religioso verdadeiro
:Pera vosso conselho, pois que sabem
Glória vã não pretende nem dinheiro.
:O como, o quando, e onde as cousas cabem.

:
:::::150
::::151
Os Cavaleiros tende em muita estima,
:Todos favorecei em seus ofícios,
Pois com seu sangue intrépido e fervente
:Segundo têm das vidas o talento;
Estendem não sòmente a Lei de cima,
:Tenham Religiosos exercícios
Mas inda vosso Império preminente.
:De rogarem, por vosso regimento,
Pois aqueles que a tão remoto clima
:Com jejuns, disciplina, pelos vícios
Vos vão servir, com passo diligente,
:Comuns; toda ambição terão por vento,
Dous inimigos vencem: uns, os vivos,
:Que o bom Religioso verdadeiro
E (o que é mais) os trabalhos excessivos.
:Glória vã não pretende nem dinheiro.

:
:::::151
::::152
Fazei, Senhor, que nunca os admirados
:Os Cavaleiros tende em muita estima,
Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,
:Pois com seu sangue intrépido e fervente
Possam dizer que são pera mandados,
:Estendem não sòmente a Lei de cima,
Mais que pera mandar, os Portugueses.
:Mas inda vosso Império preminente.
Tomai conselho só d'exprimentados
:Pois aqueles que a tão remoto clima
Que viram largos anos, largos meses,
:Vos vão servir, com passo diligente,
Que, posto que em cientes muito cabe.
:Dous inimigos vencem: uns, os vivos,
Mais em particular o experto sabe.
:E (o que é mais) os trabalhos excessivos.

:
:::::152
::::153
De Formião, filósofo elegante,
:Fazei, Senhor, que nunca os admirados
Vereis como Anibal escarnecia,
:Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,
Quando das artes bélicas, diante
:Possam dizer que são pera mandados,
Dele, com larga voz tratava e lia.
:Mais que pera mandar, os Portugueses.
A disciplina militar prestante
:Tomai conselho só d'exprimentados
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
:Que viram largos anos, largos meses,
Sonhando, imaginando ou estudando,
:Que, posto que em cientes muito cabe.
Senão vendo, tratando e pelejando.
:Mais em particular o experto sabe.

:
:::::153
::::154
Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
:De Formião, filósofo elegante,
De vós não conhecido nem sonhado?
:Vereis como Anibal escarnecia,
Da boca dos pequenos sei, contudo,
:Quando das artes bélicas, diante
Que o louvor sai às vezes acabado.
:Dele, com larga voz tratava e lia.
Tem me falta na vida honesto estudo,
:A disciplina militar prestante
Com longa experiência misturado,
:Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
:Sonhando, imaginando ou estudando,
Cousas que juntas se acham raramente.
:Senão vendo, tratando e pelejando.

:
:::::154
::::155
Pera servir-vos, braço às armas feito,
:Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
Pera cantar-vos, mente às Musas dada;
:De vós não conhecido nem sonhado?
Só me falece ser a vós aceito,
:Da boca dos pequenos sei, contudo,
De quem virtude deve ser prezada.
:Que o louvor sai às vezes acabado.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
:Tem me falta na vida honesto estudo,
Dina empresa tomar de ser cantada,
:Com longa experiência misturado,
Como a pres[s]aga mente vaticina
:Nem engenho, que aqui vereis presente,
Olhando a vossa inclinação divina,
:Cousas que juntas se acham raramente.

:
:::::155
::::156
Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
:Pera servir-vos, braço às armas feito,
A vista vossa tema o monte Atlante,
:Pera cantar-vos, mente às Musas dada;
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
:Só me falece ser a vós aceito,
Os muros de Marrocos e Trudante,
:De quem virtude deve ser prezada.
A minha já estimada e leda Musa
:Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
Fico que em todo o mundo de vós cante,
:Dina empresa tomar de ser cantada,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
:Como a pres[s]aga mente vaticina
Sem à dita de Aquiles ter enveja.
:Olhando a vossa inclinação divina,
</poem>
:
:::::156
:Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
:A vista vossa tema o monte Atlante,
:Ou rompendo nos campos de Ampelusa
:Os muros de Marrocos e Trudante,
:A minha já estimada e leda Musa
:Fico que em todo o mundo de vós cante,
:De sorte que Alexandro em vós se veja,
:Sem à dita de Aquiles ter enveja.
:
[[Categoria:Os Lusíadas]]
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Revisão das 23h27min de 31 de agosto de 2006

1
Mas já o claro amador da Larisséia
Adúltera inclinava os animais
Lá pera o grande lago que rodeia
Temistitão, nos fins Ocidentais;
O grande ardor do Sol Favónio enfreia
Co sopro que nos tanques naturais
Encrespa a água serena e despertava
Os lírios e jasmins, que a calma agrava,

2
Quando as fermosas Ninfas, cos amantes
Pela mão, já conformes e contentes,
Subiam pera os paços radiantes
E de metais ornados reluzentes,
Mandados da Rainha, que abundantes
Mesas d'altos manjares excelentes
Lhe tinha aparelhados, que a fraqueza
Restaurem da cansada natureza.

3
Ali, em cadeiras ricas, cristalinas,
Se assentam dous e dous, amante e dama;
Noutras, à cabeceira, d'ouro finas,
Está co a bela Deusa o claro Gama.
De iguarias suaves e divinas,
A quem não chega a Egípcia antiga fama ,
Se acumulam os pratos de fulvo ouro,
Trazidos lá do Atlântico tesouro.

4
Os vinhos odoríferos, que acima
Estão não só do Itálico Falerno
Mas da Ambrósia, que Jove tanto estima
Com todo o ajuntamento sempiterno,
Nos vasos, onde em vão trabalha a lima,
Crespas escumas erguem, que no interno
Coração movem súbita alegria,
Saltando co a mistura d'água fria.

5
Mil práticas alegres se tocavam;
Risos doces, sutis e argutos ditos,
Que entre um e outro manjar se ale vantavam,
Despertando os alegres apetitos;
Músicos instrumentos não faltavam
(Quais, no profundo Reino, os nus espritos
Fizeram descansar da eterna pena)
Cüa voz düa angélica Sirena.

6
Cantava a bela Ninfa, e cos acentos,
Que pelos altos paços vão soando,
Em consonância igual, os instumentos
Suaves vêm a um tempo conformando.
Um súbito silêncio enfreia os ventos
E faz ir docemente murmurando
As águas, e nas casas naturais
Adormecer os brutos animais.

7
Com doce voz está subindo ao Céu
Altos varões que estão por vir ao mundo,
Cujas claras Ideias viu Proteu
Num globo vão, diáfano, rotundo,
Que Júpiter em dom lho concedeu
Em sonhos, e despois no Reino fundo,
Vaticinando, o disse, e na memória
Recolheu logo a Ninfa a clara história.

8
Matéria é de coturno, e não de soco,
A que a Ninfa aprendeu no imenso lago;
Qual Iopas não soube, ou Demodoco,
Entre os Feaces um, outro em Cartago.
Aqui, minha Calíope, te invoco
Neste trabalho extremo, por que em pago
Me tornes do que escrevo, e em vão pretendo,
O gosto de escrever, que vou perdendo.

9
Vão os anos descendo, e já do Estio
Há pouco que passar até o Outono;
A Fortuna me faz o engenho frio,
Do qual já não me jacto nem me abono;
Os desgostos me vão levando ao rio
Do negro esquecimento e eterno sono.
Mas tu me dá que cumpra, ó grão rainha
Das Musas, co que quero à nação minha!

10
Cantava a bela Deusa que viriam
Do Tejo, pelo mar que o Gama abrira,
Armadas que as ribeiras venceriam
Por onde o Oceano Índico suspira;
E que os Gentios Reis que não dariam
A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira
Provariam do braço duro e forte,
Até render-se a ele ou logo à morte.

11
Cantava dum que tem nos Malabares
Do sumo sacerdócio a dignidade,
Que, só por não quebrar cos singulares
Barões os nós que dera d'amizade,
Sofrerá suas cidades e lugares,
Com ferro, incêndios, ira e crueldade,
Ver destruir do Samorim potente,
Que tais ódios terá co a nova gente.

12
E canta como lá se embarcaria
Em Belém o remédio deste dano,
Sem saber o que em si ao mar traria,
O grão Pacheco, Aquiles Lusitano.
O peso sentirão, quando entraria,
O curvo lenho e o férvido Oceano,
Quando mais n'água os troncos que gemerem
Contra sua natureza se meterem.

13
Mas, já chegado aos fins Orientais
E deixado em ajuda do gentio Rei de
Cochim, com poucos naturais,
Nos braços do salgado e curvo rio
Desbaratará os Naires infernais
No passo Cambalão, tornando frio
D'espanto o ardor imenso do Oriente,
Que verá tanto obrar tão pouca gente.

14
Chamará o Samorim mais gente nova;
Virão Reis ===de] Bipur e de Tanor,
Das serras de Narsinga, que alta prova
Estarão prometendo a seu senhor;
Fará que todo o Naire, enfim, se mova
Que entre Calecu jaz e Cananor,
D'ambas as Leis imigas pera a guerra:
Mouros por mar, Gentios pola terra.

15
E todos outra vez desbaratando,
Por terra e mar, o grão Pacheco ousado,
A grande multidão que irá matando
A todo o Malabar terá admirado.
Cometerá outra vez, não dilatando,
O Gentio os combates, apressado,
Injuriando os seus, fazendo votos
Em vão aos Deuses vãos, surdos e imotos.

16
Já não defenderá somente os passos,
Mas queimar-lhe-á lugares, templos, casas;
Aceso de ira, o Cão, não vendo lassos
Aqueles que as cidades fazem rasas,
Fará que os seus, de vida pouco escassos,
Cometam o Pacheco, que tem asas,
Por dous passos num tempo; mas voando
Dum noutro, tudo irá desbaratando.

17
Virá ali o Samorim, por que em pessoa
Veja a batalha e os seus esforce e anime;
Mas um tiro, que com zunido voa,
De sangue o tingirá no andor sublime.
Já não verá remédio ou manha boa
Nem força que o Pacheco muito estime;
Inventará traições e vãos venenos,
Mas sempre (o Céu querendo) fará menos.

18
Que tornará a vez sétima (cantava)
Pelejar co invicto e forte Luso,
A quem nenhum trabalho pesa e agrava;
Mas, contudo, este só o fará confuso.
Trará pera a batalha, horrenda e brava,
Máquinas de madeiros fora de uso,
Pera lhe abalroar as caravelas,
Que até'li vão lhe fora cometê-las.

19
Pela água levará serras de fogo
Pera abrasar-lhe quanta armada tenha;
Mas a militar arte e engenho logo
Fará ser vã a braveza com que venha.
- "Nenhum claro barão no Márcio jogo,
Que nas asas da Fama se sustenha,
Chega a este, que a palma a todos toma.
E perdoe-me a ilustre Grécia ou Roma.

20
"Porque tantas batalhas, sustentadas
Com muito pouco mais de cem soldados,
Com tantas manhas e artes inventadas,
Tantos Cães não imbeles profligados,
Ou parecerão fábulas sonhadas,
Ou que os celestes Coros, invocados,
Decerão a ajudá-lo e lhe darão
Esforço, força, ardil e coração.

21
"Aquele que nos campos Maratónios
O grão poder de Dário estrui e rende,
Ou quem, com quatro mil Lacedemónios,
O passo de Termópilas defende,
Nem o mancebo Cocles dos Ausónios,
Que com todo o poder Tusco contende
Em defensa da ponte, ou Quinto Fábio,
Foi como este na guerra forte e sábio."

22
Mas neste passo a Ninfa, o som canoro
Abaxando, fez ronco e entristecido,
Cantando em baxa voz, envolta em choro,
O grande esforço mal agardecido.
- "Ó Belisário (disse) que no coro
Das Musas serás sempre engrandecido,
Se em ti viste abatido o bravo Marte,
Aqui tens com quem podes consolar-te!

23
"Aqui tens companheiro, assi nos feitos
Como no galardão injusto e duro;
Em ti e nele veremos altos peitos
A baxo estado vir, humilde e escuro.
Morrer nos hospitais, em pobres leitos,
Os que ao Rei e à Lei servem de muro!
Isto fazem os Reis cuja vontade
Manda mais que a justiça e que a verdade.

24
"Isto fazem os Reis quando embebidos
Nüa aparência branda que os contenta
Dão os prémios, de Aiace merecidos,
À língua vã de Ulisses, fraudulenta.
Mas vingo-me: que os bens mal repartidos
Por quem só doces sombras apresenta,
Se não os dão a sábios cavaleiros,
Dão-os logo a avarentos lisonjeiros.

25
"Mas tu, de quem ficou tão mal pagado
Um tal vassalo, ó Rei, só nisto inico,
Se não és pera dar-lhe honroso estado,
É ele pera dar-te um Reino rico.
Enquanto for o mundo rodeado
Dos Apolíneos raios, eu te fico
Que ele seja entre a gente ilustre e claro,
E tu nisto culpado por avaro.

26
"Mas eis outro (cantava) intitulado
Vem com nome real e traz consigo
O filho, que no mar será ilustrado,
Tanto como qualquer Romano antigo.
Ambos darão com braço forte, armado,
A Quíloa fértil, áspero castigo,
Fazendo nela Rei leal e humano,
Deitado fora o pérfido tirano.

27
"Também farão Mombaça, que se arreia
De casas sumptuosas e edifícios,
Co ferro e fogo seu queimada e feia,
Em pago dos passados malefícios.
Despois, na costa da Índia, andando cheia
De lenhos inimigos e artifícios
Contra os Lusos, com velas e com remos
O mancebo Lourenço fará extremos.

28
"Das grandes naus do Samorim potente,
Que encherão todo o mar, co a férrea pela,
Que sai com trovão do cobre ardente,
Fará pedaços leme, masto, vela.
Despois, lançando arpéus ousadamente
Na capitaina imiga, dentro nela
Saltando o fará só com lança e espada
De quatrocentos Mouros despejada.

29
"Mas de Deus a escondida providência
(Que ela só sabe o bem de que se serve)
O porá onde esforço nem prudência
Poderá haver que a vida lhe reserve.
Em Chaúl, onde em sangue e resistência
O mar todo com fogo e ferro ferve,
Lhe farão que com vida se não saia
As armadas de Egipto e de Cambaia.

30
"Ali o poder de muitos inimigos
(Que o grande esforço só com força rende),
Os ventos que faltaram, e os perigos
Do mar, que sobejaram, tudo o ofende.
Aqui ressurjam todos os Antigos,
A ver o nobre ardor que aqui se aprende:
Outro Ceva verão, que, espedaçado,
Não sabe ser rendido nem domado.

31
"Com toda üa coxa fora, que em pedaços
Lhe leva um cego tiro que passara,
Se serve inda dos animosos braços
E do grão coração que lhe ficara.
Até que outro pelouro quebra os laços
Com que co alma o corpo se liara:
Ela, solta, voou da prisão fora
Onde súbito se acha vencedora.

32
"Vai-te, alma, em paz, da guerra turbulenta,
Na qual tu mereceste paz serena!
Que o corpo, que em pedaços se apresenta,
Quem o gerou, vingança já lhe ordena:
Que eu ouço retumbar a grão tormenta,
Que vem já dar a dura e eterna pena,
De esperas, basiliscos e trabucos,
A Cambaicos cruéis e Mamelucos.

33
"Eis vem o pai, com ânimo estupendo,
Trazendo fúria e mágoa por antolhos,
Com que o paterno amor lhe está movendo
Fogo no coração, água nos olhos.
A nobre ira lhe vinha prometendo
Que o sangue fará dar pelos giolhos
Nas inimigas naus; senti-lo-á o Nilo,
Podê-lo-á o Indo ver e o Gange ouvi-lo.

34
"Qual o touro cioso, que se ensaia
Pera a crua peleja, os cornos tenta
No tronco dum carvalho ou alta faia
E, o ar ferindo, as forças experimenta:
Tal, antes que no seio de Cambaia
Entre Francisco irado, na opulenta
Cidade de Dabul a espada afia,
Abaxando-lhe a túmida ousadia.

35
"E logo, entrando fero na enseada
De Dio, ilustre em cercos e batalhas,
Fará espalhar a fraca e grande armada
De Calecu, que remos tem por malhas.
A de Melique Iaz, acautelada,
Cos pelouros que tu, Vulcano, espalhas,
Fará ir ver o frio e fundo assento,
Secreto leito do húmido elemento.

36
"Mas a de Mir Hocém, que, abalroando,
A fúria esperará dos vingadores,
Verá braços e pernas ir nadando
Sem corpos, pelo mar, de seus senhores.
Raios de fogo irão representando,
No cego ardor, os bravos domadores.
Quanto ali sentirão olhos e ouvidos
É fumo, ferro, flamas e alaridos.

37
"Mas ah, que desta próspera vitória,
Com que despois virá ao pátrio Tejo,
Quási lhe roubará a famosa glória
Um sucesso, que triste e negro vejo!
O Cabo Tormentório, que a memória
Cos ossos guardará, não terá pejo
De tirar deste mundo aquele esprito,
Que não tiraram toda a Índia e Egipto.

38
"Ali, Cafres selvagens poderão
O que destros imigos não puderam;
E rudos paus tostados sós farão
O que arcos e pelouros não fizeram.
Ocultos os juízos de Deus são;
As gentes vãs, que não nos entenderam,
Chamam-lhe fado mau, fortuna escura,
Sendo só providência de Deus pura.

39
"Mas oh, que luz tamanha que abrir sinto
(Dizia a Ninfa, e a voz alevantava)
Lá no mar de Melinde, em sangue tinto
Das cidades de Lamo, de Oja e Brava,
Pelo Cunha também, que nunca extinto
Será seu nome em todo o mar que lava
As ilhas do Austro, e praias que se chamam
De São Lourenço, e em todo o Sul se afamam!
 
40
"Esta luz é do fogo e das luzentes
Armas com que Albuquerque irá amansando
De Ormuz os Párseos, por seu mal valentes,
Que refusam o jugo honroso e brando.
Ali verão as setas estridentes
Reciprocar-se, a ponta no ar virando
Contra quem as tirou; que Deus peleja
Por quem estende a fé da Madre Igreja.

41
"Ali do sal os montes não defendem
De corrupção os corpos no combate,
Que mortos pela praia e mar se estendem
De Gerum, de Mazcate e Calaiate;
Até que à força só de braço aprendem
A abaxar a cerviz, onde se lhe ate
Obrigação de dar o reino inico
Das perlas de Barém tributo rico.

42
"Que gloriosas palmas tecer vejo
Com que Vitória a fronte lhe coroa,
Quando, sem sombra vã de medo ou pejo,
Toma a ilha ilustríssima de Goa!
Despois, obedecendo ao duro ensejo,
A deixa, e ocasião espera boa
Com que a torne a tomar, que esforço e arte
Vencerão a Fortuna e o próprio Marte.

43
"Eis já sobr'ela torna e vai rompendo
Por muros, fogo, lanças e pelouros,
Abrindo com a espada o espesso e horrendo
Esquadrão de Gentios e de Mouros.
Irão soldados ínclitos fazendo
Mais que liões famélicos e touros,
Na luz que sempre celebrada e dina
Será da Egípcia Santa Caterina.

44
"Nem tu menos fugir poderás deste,
Posto que rica e posto que assentada
Lá no grémio da Aurora, onde naceste,
Opulenta Malaca nomeada.
As setas venenosas que fizeste,
Os crises com que já te vejo armada,
Malaios namorados, Jaus valentes,
Todos farás ao Luso obedientes."

45
Mais estanças cantara esta Sirena
Em louvor do ilustríssimo Albuquerque,
Mas alembrou-lhe üa ira que o condena,
Posto que a fama sua o mundo cerque.
O grande Capitão, que o fado ordena
Que com trabalhos glória eterna merque,
Mais há-de ser um brando companheiro
Pera os seus, que juiz cruel e inteiro.

46
Mas em tempo que fomes e asperezas,
Doenças, frechas e trovões ardentes,
A sazão e o lugar, fazem cruezas
Nos soldados a tudo obedientes,
Parece de selváticas brutezas,
De peitos inumanos e insolentes,
Dar extremo suplício pela culpa
Que a fraca humanidade e Amor desculpa.

47
Não será a culpa abominoso incesto
Nem violento estupro em virgem pura,
Nem menos adultério desonesto,
Mas cüa escrava vil, lasciva e escura.
Se o peito, ou de cioso, ou de modesto,
Ou de usado a crueza fera e dura,
Cos seus üa ira insana não refreia,
Põe na fama alva noda negra e feia.

48
Viu Alexandre Apeles namorado
Da sua Campaspe, e deu-lha alegremente,
Não sendo seu soldado exprimentado,
Nem vendo-se num cerco duro e urgente.
Sentiu Ciro que andava já abrasado
Araspas, de Panteia, em fogo ardente,
Que ele tomara em guarda, e prometia
Que nenhum mau desejo o venceria;

49
Mas, vendo o ilustre Persa que vencido
Fora de Amor, que, enfim, não tem defensa,
Levemente o perdoa, e foi servido
Dele num caso grande, em recompensa.
Per força, de Judita foi marido
O férreo Balduíno; mas dispensa
Carlos, pai dela, posto em causas grandes,
Que viva e povoador seja de Frandes.

50
Mas, prosseguindo a Ninfa o longo canto,
De Soares cantava, que as bandeiras
Faria tremular e pôr espanto
Pelas roxas Arábicas ribeiras:
- "Medina abominábil teme tanto,
Quanto Meca e Gidá, co as derradeiras
Praias de Abássia; Barborá se teme
Do mal de que o empório Zeila geme.

51
"A nobre ilha também de Taprobana,
Já pelo nome antigo tão famosa
Quanto agora soberba e soberana
Pela cortiça cálida, cheirosa,
Dela dará tributo à Lusitana
Bandeira, quando, excelsa e gloriosa,
Vencendo se erguerá na torre erguida,
Em Columbo, dos próprios tão temida.

52
"Também Sequeira, as ondas Eritreias
Dividindo, abrirá novo caminho
Pera ti, grande Império, que te arreias
De seres de Candace e Sabá ninho.
Maçuá, com cisternas de água cheias
Verá, e o porto Arquico, ali vizinho;
E fará descobir remotas Ilhas,
Que dão ao mundo novas maravilhas.

53
"Virá despois Meneses, cujo ferro
Mais na Africa, que cá, terá provado;
Castigará de Ormuz soberba o erro,
Com lhe fazer tributo dar dobrado.
Também tu, Gama, em pago do desterro
Em que estás e serás inda tornado,
Cos títulos de Conde e d'honras nobres
Virás mandar a terra que descobres.

54
"Mas aquela fatal necessidade
De quem ninguém se exime dos humanos,
Ilustrado co a Régia dignidade,
Te tirará do mundo e seus enganos.
Outro Meneses logo, cuja idade
É maior na prudência que nos anos,
Governará; e fará o ditoso Henrique
Que perpétua memória dele fique.

55
"Não vencerá somente os Malabares,
Destruindo Panane com Coulete,
Cometendo as bombardas, que, nos ares,
Se vingam só do peito que as comete;
Mas com virtudes, certo, singulares,
Vence os imigos d'alma todos sete;
De cobiça triunfa e incontinência,
Que em tal idade é suma de excelência.

56
"Mas, despois que as Estrelas o chamarem,
Sucederás, ó forte Mascarenhas;
E, se injustos o mando te tomarem,
Prometo-te que fama eterna tenhas.
Pera teus inimigos confessarem
Teu valor alto, o fado quer que venhas
A mandar, mais de palmas coroado,
Que de fortuna justa acompanhado.

57
"No reino de Bintão, que tantos danos
Terá a Malaca muito tempo feitos,
Num só dia as injúrias de mil anos
Vingarás, co valor de ilustres peitos.
Trabalhos e perigos inumanos,
Abrolhos férreos mil, passos estreitos,
Tranqueiras, baluartes, lanças, setas:
Tudo fico que rompas e sometas.

58
"Mas na Índia, cobiça e ambição,
Que claramente põem aberto o rosto
Contra Deus e Justiça, te farão
Vitupério nenhum, mas só desgosto.
Quem faz injúria vil e sem razão,
Com forças e poder em que está posto,
Não vence; que a vitória verdadeira
É saber ter justiça nua e inteira.

59
"Mas, contudo, não nego que Sampaio
Será, no esforço, ilustre e assinalado,
Mostrando-se no mar um fero raio,
Que de inimigos mil verá coalhado.
Em Bacanor fará cruel ensaio
No Malabar, pera que, amedrontado,
Despois a ser vencido dele venha
Cutiale, com quanta armada tenha.

60
"E não menos de Dio a fera frota,
Que Chaúl temerá, de grande e ousada,
Fará, co a vista só, perdida e rota,
Por Heitor da Silveira e destroçada;
Por Heitor Português, de quem se nota
Que na costa Cambaica, sempre armada,
Será aos Guzarates tanto dano,
Quanto já foi aos Gregos o Troiano.

61
"A Sampaio feroz sucederá
Cunha, que longo tempo tem o leme:
De Chale as torres altas erguerá,
Enquanto Dio ilustre dele treme;
O forte Baçaim se lhe dará,
Não sem sangue, porém, que nele geme
Melique, porque à força só de espada
A tranqueira soberba vê tomada.

62
"Trás este vem Noronha, cujo auspício
De Dio os Rumes feros afugenta;
Dio, que o peito e bélico exercício
De António da Silveira bem sustenta.
Fará em Noronha a morte o usado ofício,
Quando um teu ramo, ó Gama, se exprimenta
No governo do Império, cujo zelo
Com medo o Roxo Mar fará amarelo.

63
"Das mãos do teu Estêvão vem tomar
As rédeas um, que já será ilustrado
No Brasil, com vencer e castigar
O pirata Francês, ao mar usado.
Despois, Capitão-mor do Índico mar,
O muro de Damão, soberbo e armado,
Escala e primeiro entra a porta aberta,
Que fogo e frechas mil terão coberta.

64
"A este o Rei Cambaico soberbíssimo
Fortaleza dará na rica Dio,
Por que contra o Mogor poderosíssimo
Lhe ajude a defender o senhorio.
Despois irá com peito esforçadíssimo
A tolher que não passe o Rei gentio
De Calecu, que assi com quantos veio
O fará retirar, de sangue cheio.

65
"Destruirá a cidade Repelim,
Pondo o seu Rei, com muitos, em fugida;
E despois, junto ao Cabo Comorim,
üa façanha faz esclarecida:
A frota principal do Samorim,
Que destruir o mundo não duvida,
Vencerá co furor do ferro e fogo;
Em si verá Beadala o Márcio jogo.

66
"Tendo assi limpa a Índia dos imigos,
Virá despois com ceptro a governá-Ia
Sem que ache resistência nem perigos,
Que todos tremem dele e nenhum fala.
Só quis provar os ásperos castigos
Baticalá, que vira já Beadala.
De sangue e corpos mortos ficou cheia
E de fogo e trovões desfeita e feia.

67
"Este será Martinho, que de Marte
O nome tem co as obras derivado;
Tanto em armas ilustre em toda parte,
Quanto, em conselho, sábio e bem cuidado.
Suceder-lhe-á ali Castro, que o estandarte
Português terá sempre levantado,
Conforme sucessor ao sucedido,
Que um ergue Dio, outro o defende erguido.

68
"Persas feroces, Abassis e Rumes,
Que trazido de Roma o nome têm,
Vários de gestos, vários de costumes
(Que mil nações ao cerco feras vêm),
Farão dos Céus ao mundo vãos queixumes
Porque uns poucos a terra lhe detêm.
Em sangue Português, juram, descridos,
De banhar os bigodes retorcidos.

69
"Basiliscos medonhos e liões,
Trabucos feros, minas encobertas,
Sustenta Mascarenhas cos barões
Que tão ledos as mortes têm por certas;
Até que, nas maiores opressões,
Castro libertador, fazendo ofertas
Das vidas de seus filhos, quer que fiquem
Com fama eterna e a Deus se sacrifiquem.

70
"Fernando, um deles, ramo da alta pranta,
Onde o violento fogo, com ruido,
Em pedaços os muros no ar levanta,
Será ali arrebatado e ao Céu subido.
Álvaro, quando o Inverno o mundo espanta
E tem o caminho húmido impedido,
Abrindo-o, vence as ondas e os perigos,
Os ventos e despois os inimigos.

71
"Eis vem despois o pai, que as ondas corta
Co restante da gente Lusitana,
E com força e saber, que mais importa,
Batalha dá felice e soberana.
Uns, paredes subindo, escusam porta;
Outros a abrem na fera esquadra insana.
Feitos farão tão dinos de memória
Que não caibam em verso ou larga história.

72
"Este, despois, em campo se apresenta,
Vencedor forte e intrépido, ao possante
Rei de Cambaia e a vista lhe amedrenta
Da fera multidão quadrupedante.
Não menos suas terras mal sustenta
O Hidalcão, do braço triunfante
Que castigando vai Dabul na costa;
Nem lhe escapou Pondá, no sertão posta.

73
"Estes e outros Barões, por várias partes,
Dinos todos de fama e maravilha,
Fazendo-se na terra bravos Martes,
Virão lograr os gostos desta Ilha,
Varrendo triunfantes estandartes
Pelas ondas que corta a aguda quilha;
E acharão estas Ninfas e estas mesas,
Que glórias e honras são de árduas empresas."

74
Assi cantava a Ninfa; e as outras todas,
Com sonoroso aplauso, vozes davam,
Com que festejam as alegres vodas
Que com tanto prazer se celebravam.
- "Por mais que da Fortuna andem as rodas
(Nüa cônsona voz todas soavam),
Não vos hão-de faltar, gente famosa,
Honra, valor e fama gloriosa."

75
Despois que a corporal necessidade
Se satisfez do mantimento nobre,
E na harmonia e doce suavidade
Viram os altos feitos que descobre,
Tétis, de graça ornada e gravidade,
Pera que com mais alta glória dobre
As festas deste alegre e claro dia,
Pera o felice Gama assi dizia:

76
- "Faz-te mercê, barão, a Sapiência
Suprema de, cos olhos corporais,
Veres o que não pode a vã ciência
Dos errados e míseros mortais.
Sigue-me firme e forte, com prudência,
Por este monte espesso, tu cos mais."
Assi lhe diz e o guia por um mato
Árduo, difícil, duro a humano trato.

77
Não andam muito que no erguido cume
Se acharam, onde um campo se esmaltava
De esmeraldas, rubis, tais que presume
A vista que divino chão pisava.
Aqui um globo vêm no ar, que o lume
Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente,
Como a sua superfícia, claramente.

78
Qual a matéria seja não se enxerga,
Mas enxerga-se bem que está composto
De vários orbes, que a Divina verga
Compôs, e um centro a todos só tem posto.
Volvendo, ora se abaxe, agora se erga,
Nunca s'ergue ou se abaxa, e um mesmo rosto
Por toda a parte tem; e em toda a parte
Começa e acaba, enfim, por divina arte,

79
Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este globo, comovido
De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: - "O transunto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vás e irás e o que desejas.

80
"Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfícia tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.

81
"Este orbe que, primeiro, vai cercando
Os outros mais pequenos que em si tem,
Que está com luz tão clara radiando
Que a vista cega e a mente vil também,
Empíreo se nomeia, onde logrando
Puras almas estão daquele Bem
Tamanho, que ele só se entende e alcança,
De quem não há no mundo semelhança.

82
"Aqui, só verdadeiros, gloriosos
Divos estão, porque eu, Saturno e Jano,
Júpiter, Juno, fomos fabulosos,
Fingidos de mortal e cego engano.
Só pera fazer versos deleitosos
Servimos; e, se mais o trato humano
Nos pode dar, é só que o nome nosso
Nestas estrelas pôs o engenho vosso.

83
"E também, porque a santa Providência,
Que em Júpiter aqui se representa,
Por espíritos mil que têm prudência
Governa o Mundo todo que sustenta
(Ensina-lo a profética ciência,
Em muitos dos exemplos que apresenta);
Os que são bons, guiando, favorecem,
Os maus, em quanto podem, nos empecem;

84
"Quer logo aqui a pintura que varia
Agora deleitando, ora ensinando,
Dar-lhe nomes que a antiga Poesia
A seus Deuses já dera, fabulando;
Que os Anjos de celeste companhia
Deuses o sacro verso está chamando,
Nem nega que esse nome preminente
Também aos maus se dá, mas falsamente.

85
"Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
Causas obra no Mundo, tudo manda.
E tornando a contar-te das profundas
Obras da Mão Divina veneranda,
Debaxo deste círculo onde as mundas
Almas divinas gozam, que não anda,
Outro corre, tão leve e tão ligeiro
Que não se enxerga: é o Móbile primeiro.

86
"Com este rapto e grande movimento
Vão todos os que dentro tem no seio;
Por obra deste, o Sol, andando a tento,
O dia e noite faz, com curso alheio.
Debaxo deste leve, anda outro lento,
Tão lento e sojugado a duro freio,
Que enquanto Febo, de luz nunca escasso,
Duzentos cursos faz, dá ele um passo.

87
"Olha estoutro debaxo, que esmaltado
De corpos lisos anda e radiantes,
Que também nele tem curso ordenado
E nos seus axes correm cintilantes.
Bem vês como se veste e faz ornado
Co largo Cinto d, ouro, que estelantes
Animais doze traz afigurados,
Apousentos de Febo limitados.

88
"Olha por outras partes a pintura
Que as Estrelas fulgentes vão fazendo:
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
Andrómeda e seu pai, e o Drago horrendo;
Vê de Cassiopeia a fermosura
E do Orionte o gesto turbulento;
Olha o Cisne morrendo que suspira,
A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira.

89
"Debaxo deste grande Firmamento,
Vês o céu de Saturno, Deus antigo;
Júpiter logo faz o movimento,
E Marte abaxo, bélico inimigo;
O claro Olho do céu, no quarto assento,
E Vénus, que os amores traz consigo;
Mercúrio, de eloquência soberana;
Com três rostos, debaxo vai Diana.

90
"Em todos estes orbes, diferente
Curso verás, nuns grave e noutros leve;
Ora fogem do Centro longamente,
Ora da Terra estão caminho breve,
Bem como quis o Padre omnipotente,
Que o fogo fez e o ar, o vento e neve,
Os quais verás que jazem mais a dentro
E tem co Mar a Terra por seu centro.

91
"Neste centro, pousada dos humanos,
Que não somente, ousados, se contentam
De sofrerem da terra firme os danos,
Mas inda o mar instábil exprimentam,
Verás as várias partes, que os insanos
Mares dividem, onde se apousentam
Várias nações que mandam vários Reis,
Vários costumes seus e várias leis.

92
"Vês Europa Cristã, mais alta e clara
Que as outras em polícia e fortaleza.
Vês África, dos bens do mundo avara,
Inculta e toda cheia de bruteza;
Co Cabo que até'aqui se vos negara,
Que assentou pera o Austro a Natureza.
Olha essa terra toda, que se habita
Dessa gente sem Lei, quási infinita.

93
"Vê do Benomotapa o grande império,
De selvática gente, negra e nua,
Onde Gonçalo morte e vitupério
Padecerá, pola Fé santa sua.
Nace por este incógnito Hemispério
O metal por que mais a gente sua.
Vê que do lago donde se derrama
O Nilo, também vindo está Cuama.

94
"Olha as casas dos negros, como estão
Sem portas, confiados, em seus ninhos,
Na justiça real e defensão
E na fidelidade dos vizinhos;
Olha deles a bruta multidão,
Qual bando espesso e negro de estorninhos,
Combaterá em Sofala a fortaleza, Que
defenderá Nhaia com destreza.

95
"Olha lá as alagoas donde o Nilo
Nace, que não souberam os antigos;
Vê-lo rega, gerando o crocodilo,
Os povos Abassis, de Crista amigos;
Olha como sem muros (novo estilo)
Se defendem milhor dos inimigos;
Vê Méroe, que ilha foi de antiga fama,
Que ora dos naturais Nobá se chama.

96
"Nesta remota terra um filho teu
Nas armas contra os Turcos será claro;
Há-de ser Dom Cristóvão o nome seu;
Mas contra o fim fatal não há reparo.
Vê cá a costa do mar, onde te deu
Melinde hospício gasalhoso e caro;
O Rapto rio nota, que o romance
Da terra chama Obi; entra em Quilmance.

97
"O Cabo vê já Arómata chamado,
E agora Guardafú, dos moradores,
Onde começa a boca do afamado
Mar Roxo, que do fundo toma as cores;
Este como limite está lançado
Que divide Asia de Africa; e as milhores
Povoações que a parte Africa tem
Maçuá são, Arquico e Suaquém.

98
"Vês o extremo Suez, que antigamente
Dizem que foi dos Héroas a cidade
(Outros dizem que Arsínoe), e ao presente
Tem das frotas do Egipto a potestade.
Olha as águas nas quais abriu patente
Estrada o grão Mousés na antiga idade.
Ásia começa aqui, que se apresenta
Em terras grande, em reinos opulenta.

99
"Olha o monte Sinai, que se ennobrece
Co sepulcro de Santa Caterina;
Olha Toro e Gidá, que lhe falece
Água das fontes, doce e cristalina;
Olha as portas do Estreito, que fenece
No reino da seca Ádem, que confina
Com a serra d'Arzira, pedra viva,
Onde chuva dos céus se não deriva.

100
"Olha as Arábias três, que tanta terra
Tomam, todas da gente vaga e baça,
Donde vêm os cavalos pera a guerra,
Ligeiros e feroces, de alta raça;
Olha a costa que corrre, até que cera
Outro Estreito de Pérsia, e faz a traça
O Cabo que co nome se apelida
Da cidade Fartaque, ali sabida.

101
"Olha Dófar, insigne porque manda
O mais cheiroso incenso pera as aras;
Mas atenta: já cá destoutra banda
De Roçalgate, e praias sempre avaras,
Começa o reino Ormuz, que todo se anda
Pelas ribeiras que inda serão claras
Quando as galés do Turco e fera armada
Virem de Castelbranco nua a espada.

102
"Olha o Cabo Asaboro, que chamado
Agora é Moçandão, dos navegantes;
Por aqui entra o lago que é fechado
De Arábia e Pérsias terras abundantes.
Atenta a ilha Barém, que o fundo ornado
Tem das suas perlas ricas, e imitantes
A cor da Aurora; e vê na água salgada
Ter o Tígris e Eufrates üa entrada.

103
"Olha da grande Pérsia o império nobre,
Sempre posto no campo e nos cavalos,
Que se injuria de usar fundido cobre
E de não ter das armas sempre os calos.
Mas vê a ilha Gerum, como descobre
O que fazem do tempo os intervalos,
Que da cidade Armuza, que ali esteve,
Ela o nome despois e a glória teve.

104
"Aqui de Dom Filipe de Meneses
Se mostrará a virtude, em armas clara,
Quando, com muito poucos Portugueses,
Os muitos Párseos vencerá de Lara.
Virão provar os golpes e reveses
De Dom Pedro de Sousa, que provara
Já seu braço em Ampaza, que deixada
Terá por terra, à força só de espada.

105
"Mas deixemos o Estreito e o conhecido
Cabo de Jasque, dito já Carpela,
Com todo o seu terreno mal querido
Da Natura e dos dões usados dela;
Carmânia teve já por apelido.
Mas vês o fermoso Indo, que daquela
Altura nace, junto à qual, também
Doutra altura correndo o Gange vem?

106
"Olha a terra de Ulcinde, fertilíssima,
E de Jáquete a íntima enseada;
Do mar a enchente súbita, grandíssima,
E a vazante, que foge apressurada.
A terra de Cambaia vê, riquíssima,
Onde do mar o seio faz entrada;
Cidades outras mil, que vou passando,
A vós outros aqui se estão guardando.

107
"Vês corre a costa célebre Indiana
Pera o Sul, até o Cabo Comori,
Já chamado Cori, que Taprobana
(Que ora é Ceilão) defronte tem de si.
Por este mar a gente Lusitana,
Que com armas virá despois de ti,
Terá vitórias, terras e cidades,
Nas quais hão-de viver muitas idades.

108
"As províncias que entre um e o outro rio
Vês, com várias nações, são infinitas:
Um reino Mahometa, outro Gentio,
A quem tem o Demónio leis escritas.
Olha que de Narsinga o senhorio
Tem as relíquias santas e benditas
Do corpo de Tomé, barão sagrado,
Que a Jesu Cristo teve a mão no lado.

109
"Aqui a cidade foi que se chamava
Meliapor, fermosa, grande e rica;
Os Ídolos antigos adorava
Como inda agora faz a gente inica.
Longe do mar naquele tempo estava,
Quando a Fé, que no mundo se pubrica,
Tomé vinha prègando, e já passara
Províncias mil do mundo, que ensinara.

110
"Chegado aqui, pregando e junto dando
A doentes saúde, a mortos vida,
Acaso traz um dia o mar, vagando,
Um lenho de grandeza desmedida.
Deseja o Rei, que andava edificando,
Fazer dele madeira; e não duvida
Poder tirá-lo a terra, com possantes
Forças d' homens, de engenhos, de alifantes.

111
"Era tão grande o peso do madeiro
Que, só pera abalar-se, nada abasta;
Mas o núncio de Cristo verdadeiro
Menos trabalho em tal negócio gasta:
Ata o cordão que traz, por derradeiro,
No tronco, e fàcilmente o leva e arrasta
Pera onde faça um sumptuoso templo
Que ficasse aos futuros por exemplo.

112
"Sabia bem que se com fé formada
Mandar a um monte surdo que se mova,
Que obedecerá logo à voz sagrada,
Que assi lho ensinou Cristo, e ele o prova.
A gente ficou disto alvoraçada;
Os Brâmenes o têm por cousa nova;
Vendo os milagres, vendo a santidade,
Hão medo de perder autoridade.

113
"São estes sacerdotes dos Gentios
Em quem mais penetrado tinha enveja;
Buscam maneiras mil, buscam desvios,
Com que Tomé não se ouça, ou morto seja.
O principal, que ao peito traz os fios,
Um caso horrendo faz, que o mundo veja
Que inimiga não há, tão dura e fera,
Como a virtude falsa, da sincera.

114
"Um filho próprio mata, e logo acusa
De homicídio Tomé, que era inocente;
Dá falsas testemunhas, como se usa;
Condenaram-no a morte brevemente.
O Santo, que não vê milhor escusa
Que apelar pera o Padre omnipotente,
Quer, diante do Rei e dos senhores,
Que se faça um milagre dos maiores.

115
"O corpo morto manda ser trazido,
Que res===s]ucite e seja perguntado
Quem foi seu matador, e será crido
Por testemunho, o seu, mais aprovado.
Viram todos o moço vivo, erguido,
Em nome de Jesu crucificado:
Dá graças a Tomé, que lhe deu vida,
E descobre seu pai ser homicida.

116
"Este milagre fez tamanho espanto
Que o Rei se banha logo na água santa,
E muitos após ele; um beija o manto,
Outro louvor do Deus de Tomé canta.
Os Brâmenes se encheram de ódio tanto,
Com seu veneno os morde enveja tanta,
Que, persuadindo a isso o povo rudo,
Determinam matá-lo, em fim de tudo.

117
"Um dia que pregando ao povo estava,
Fingiram entre a gente um arruído.
(Já Cristo neste tempo lhe ordenava
Que, padecendo, fosse ao Céu subido);
A multidão das pedras que voava
No Santo dá, já a tudo oferecido;
Um dos maus, por fartar-se mais depressa,
Com crua lança o peito lhe atravessa.

118
"Choraram-te, Tomé, o Gange e o Indo;
Chorou-te toda a terra que pisaste;
Mais te choram as almas que vestindo
Se iam da santa Fé que lhe ensinaste.
Mas os Anjos do Céu, cantando e rindo,
Te recebem na glória que ganhaste.
Pedimos-te que a Deus ajuda peças
Com que os teus Lusitanos favoreças.

119
"E vós outros que os nomes usurpais
De mandados de Deus, como Tomé,
Dizei: se sois mandados, como estais
Sem irdes a pregar a santa Fé?
Olhai que, se sois Sal e vos danais
Na pátria, onde profeta ninguém é,
Com que se salgarão em nossos dias
(Infiéis deixo) tantas heresias?

120
"Mas passo esta matéria perigosa
E tornemos à costa debuxada.
Já com esta cidade tão famosa
Se faz curva a Gangética enseada;
Corre Narsinga, rica e poderosa;
Corre Orixa, de roupas abastada;
No fundo da enseada, o ilustre rio
Ganges vem ao salgado senhorio;

121
"Ganges, no qual os seus habitadores
Morrem banhados, tendo por certeza
Que, inda que sejam grandes pecadores,
Esta água santa os lava e dá pureza.
Vê Catigão, cidade das milhores
De Bengala província, que se preza
De abundante. Mas olha que está posta
Pera o Austro, daqui virada, a costa.

122
"Olha o reino Arracão; olha o assento
De Pegu, que já monstros povoaram,
Monstros filhos do feio ajuntamento
Düa mulher e um cão, que sós se acharam.
Aqui soante arame no instrumento
Da geração costumam, o que usaram
Por manha da Rainha que, inventando
Tal uso, deitou fora o error nefando.

123
"Olha Tavai cidade, onde começa
De Sião largo o império tão comprido;
Tenassari, Quedá, que é só cabeça
Das que pimenta ali têm produzido.
Mais avante fareis que se conheça
Malaca por empório ennobrecido,
Onde toda a província do mar grande
Suas mercadorias ricas mande.

124
"Dizem que desta terra co as possantes
Ondas o mar, entrando, dividiu
A nobre ilha Samatra, que já d'antes
Juntas ambas a gente antiga viu.
Quersoneso foi dita; e das prestantes
Veias d'ouro que a terra produziu,
'Aurea', por epitéto lhe ajuntaram;
Alguns que fosse Ofir imaginaram.

125
"Mas, na ponta da terra, Cingapura
Verás, onde o caminho às naus se estreita;
Daqui tornando a costa à Cinosura,
Se encurva e pera a Aurora se endireita.
Vês Pam, Patane, reinos, e a longura
De Sião, que estes e outros mais sujeita;
Olha o rio Menão, que se derrama
Do grande lago que Chiamai se chama.

126
Vês neste grão terreno os diferentes
Nomes de mil nações, nunca sabidas:
Os Laos, em terra e número potentes;
Avás, Bramás, por serras tão compridas;
Vê nos remotos montes outras gentes,
Que Gueos se chamam, de selvages vidas;
Humana carne comem, mas a sua
Pintam com ferro ardente, usança crua.

127
"Vês, passa por Camboja Mecom rio,
Que capitão das águas se interpreta;
Tantas recebe d' outro só no Estio,
Que alaga os campos largos e inquieta;
Tem as enchentes quais o Nilo frio;
A gente dele crê, como indiscreta,
Que pena e glória têm, despois de morte,
Os brutos animais de toda sorte.

128
"Este receberá, plácido e brando,
No seu regaço os Cantos que molhados
Vêm do naufrágio triste e miserando,
Dos procelosos baxos escapados,
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
Naquele cuja Lira sonorosa
Será mais afamada que ditosa.

129
"Vês, corre a costa que Champá se chama,
Cuja mata é do pau cheiroso ornada;
Vês Cauchichina está, de escura fama,
E de Ainão vê a incógnita enseada;
Aqui o soberbo Império, que se afama
Com terras e riqueza não cuidada,
Da China corre, e ocupa o senhorio
Desde o Trópico ardente ao Cinto frio.

130
"Olha o muro e edifício nunca crido,
Que entre um império e o outro se edifica,
Certíssimo sinal, e conhecido,
Da potência real, soberba e rica.
Estes, o Rei que têm, não foi nacido
Príncipe, nem dos pais aos filhos fica,
Mas elegem aquele que é famoso
Por cavaleiro, sábio e virtuoso.

131
"Inda outra muita terra se te esconde
Até que venha o tempo de mostrar-se;
Mas não deixes no mar as Ilhas onde
A Natureza quis mais afamar-se:
Esta, meia escondida, que responde
De longe à China, donde vem buscar-se,
É Japão, onde nace a prata fina,
Que ilustrada será co a Lei divina.

132
"Olha cá pelos mares do Oriente
Ás infinitas Ilhas espalhadas:
Vê Tidore e Ternate, co fervente
Cume, que lança as flamas ondeadas.
As árvores verás do cravo ardente,
Co sangue Português inda compradas.
Aqui há as áureas aves, que não decem
Nunca à terra e só mortas aparecem.

133
"Olha de Banda as Ilhas, que se esmaltam
Da vária cor que pinta o roxo fruto;
Às aves variadas, que ali saltam,
Da verde noz tomando seu tributo.
Olha também Bornéu, onde não faltam
Lágrimas no licor coalhado e enxuto
Das árvores, que cânfora é chamado,
Com que da Ilha o nome é celebrado.

134
"Ali também Timor, que o lenho manda
Sândalo, salutífero e cheiroso;
Olha a Sunda, tão larga que üa banda
Esconde pera o Sul dificultoso;
A gente do Sertão, que as terras anda,
Um rio diz que tem miraculoso,
Que, por onde ele só, sem outro, vai,
Converte em pedra o pau que nele cai.

135
"Vê naquela que o tempo tornou Ilha,
Que também flamas trémulas vapora,
A fonte que óleo mana, e a maravilha
Do cheiroso licor que o tronco chora,
- Cheiroso, mais que quanto estila a filha
De Ciniras na Arábia, onde ela mora;
E vê que, tendo quanto as outras têm,
Branda seda e fino ouro dá também.

136
"Olha, em Ceilão, que o monte se alevanta
Tanto que as nuvens passa ou a vista engana;
Os naturais o têm por cousa santa,
Pola pedra onde está a pegada humana.
Nas ilhas de Maldiva nace a pranta
No profundo das águas, soberana,
Cujo pomo contra o veneno urgente
É tido por antídoto excelente.

137
"Verás defronte estar do Roxo Estreito
Socotorá, co amaro aloé famosa;
Outras ilhas, no mar também sujeito
A vós, na costa de África arenosa,
Onde sai do cheiro mais perfeito
A massa, ao mundo oculta e preciosa.
De São Lourenço vê a Ilha afamada,
Que Madagáscar é dalguns chamada.

138
"Eis aqui as novas partes do Oriente
Que vós outros agora ao mundo dais,
Abrindo a porta ao vasto mar patente,
Que com tão forte peito navegais.
Mas é também razão que, no Ponente,
Dum Lusitano um feito inda vejais,
Que, de seu Rei mostrando-se agravado,
Caminho há-de fazer nunca cuidado.

139
"Vedes a grande terra que contina
Vai de Calisto ao seu contrário Pólo,
Que soberba a fará a luzente mina
Do metal que a cor tem do louro Apolo.
Castela, vossa amiga, será dina
De lançar-lhe o colar ao rudo colo.
Varias províncias tem de várias gentes,
Em ritos e costumes, diferentes.

140
"Mas cá onde mais se alarga, ali tereis
Parte também, co pau vermelho nota;
De Santa Cruz o nome lhe poreis;
Descobri-la-á a primeira vossa frota.
Ao longo desta costa, que tereis,
Irá buscando a parte mais remota
O Magalhães, no feito, com verdade,
Português, porém não na lealdade.

141
"Dês que passar a via mais que meia
Que ao Antártico Pólo vai da Linha,
Düa estatura quási giganteia
Homens verá, da terra ali vizinha;
E mais avante o Estreito que se arreia
Co nome dele agora, o qual caminha
Pera outro mar e terra que fica onde
Com suas frias asas o Austro a esconde.

142
"Até'aqui Portugueses concedido
Vos é saberdes os futuros feitos
Que, pelo mar que já deixais sabido,
Virão fazer barões de fortes peitos.
Agora, pois que tendes aprendido
Trabalhos que vos façam ser aceitos
As eternas esposas e fermosas,
Que coroas vos tecem gloriosas,

143
"Podeis-vos embarcar, que tendes vento
E mar tranquilo, pera a pátria amada."
Assi lhe disse; e logo movimento
Fazem da Ilha alegre e namorada.
Levam refresco e nobre mantimento;
Levam a companhia desejada
Das Ninfas, que hão-de ter eternamente,
Por mais tempo que o Sol o mundo aquente.

144
Assi foram cortando o mar sereno,
Com vento sempre manso e nunca irado,
Até que houveram vista do terreno
Em que naceram, sempre desejado.
Entraram pela foz do Tejo ameno,
E à sua pátria e Rei temido e amado
O prémio e glória dão por que mandou,
E com títulos novos se ilustrou.

145
Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Düa austera, apagada e vil tristeza.

146
E não sei por que influxo de Destino
Não tem um ledo orgulho e geral gosto,
Que os ânimos levanta de contino
A ter pera trabalhos ledo o rosto.
Por isso vós, ó Rei, que por divino
Conselho estais no régio sólio posto,
Olhai que sois (e vede as outras gentes)
Senhor só de vassalos excelentes.

147
Olhai que ledos vão, por várias vias,
Quais rompentes liões e bravos touros,
Dando os corpos a fomes e vigias,
A ferro, a fogo, a setas e pelouros,
A quentes regiões, a plagas frias,
A golpes de Idolátras e de Mouros,
A perigos incógnitos do mundo,
A naufrágios, a pexes, ao profundo.

148
Por vos servir, a tudo aparelhados;
De vós tão longe, sempre obedientes;
A quaisquer vossos ásperos mandados,
Sem dar reposta, prontos e contentes.
Só com saber que são de vós olhados,
Demónios infernais, negros e ardentes,
Cometerão convosco, e não duvido
Que vencedor vos façam, não vencido.

149
Favorecei-os logo, e alegrai-os
Com a presença e leda humanidade;
De rigorosas leis desalivai-os,
Que assi se abre o caminho à santidade.
Os mais exprimentados levantai-os,
Se, com a experiência, têm bondade
Pera vosso conselho, pois que sabem
O como, o quando, e onde as cousas cabem.

150
Todos favorecei em seus ofícios,
Segundo têm das vidas o talento;
Tenham Religiosos exercícios
De rogarem, por vosso regimento,
Com jejuns, disciplina, pelos vícios
Comuns; toda ambição terão por vento,
Que o bom Religioso verdadeiro
Glória vã não pretende nem dinheiro.

151
Os Cavaleiros tende em muita estima,
Pois com seu sangue intrépido e fervente
Estendem não sòmente a Lei de cima,
Mas inda vosso Império preminente.
Pois aqueles que a tão remoto clima
Vos vão servir, com passo diligente,
Dous inimigos vencem: uns, os vivos,
E (o que é mais) os trabalhos excessivos.

152
Fazei, Senhor, que nunca os admirados
Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,
Possam dizer que são pera mandados,
Mais que pera mandar, os Portugueses.
Tomai conselho só d'exprimentados
Que viram largos anos, largos meses,
Que, posto que em cientes muito cabe.
Mais em particular o experto sabe.

153
De Formião, filósofo elegante,
Vereis como Anibal escarnecia,
Quando das artes bélicas, diante
Dele, com larga voz tratava e lia.
A disciplina militar prestante
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.

154
Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado.
Tem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente.

155
Pera servir-vos, braço às armas feito,
Pera cantar-vos, mente às Musas dada;
Só me falece ser a vós aceito,
De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
Dina empresa tomar de ser cantada,
Como a pres[s]aga mente vaticina
Olhando a vossa inclinação divina,

156
Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter enveja.