Esquecimento
ESQUECIMENTO
Ó Estrellas tranquillas, esquecidas
No seio das Esphéras,
Velhos biliões de lagrimas, de vidas,
Refulgentes Chiméras.
Astros que recordais infancias de ouro,
Castidades serenas,
Irradiações de magico thesouro,
Aromas de assucenas.
Rosas de luz do céo resplandescente,
Ó Estrellas divinas,
Sereias brancas da região do Oriente,
Ó Visões peregrinas!
Aves de ninhos de frouxéis de prata
Que cantais no Infinito
As Lettras da Canção intemerata
Do Mysterio bemdito.
Thuributos de graça e encantamento
Das sidéreas umbellas,
Desvendai-me as Mansões do Esquecimento,
Radiantes sentinellas.
Dizei que pallidez de mortos lyrios
Ha por estas estradas
E se terminam todos os martyrios
Nas brumas encantadas.
Se nessas brumas encantadas chóram
Os anceios da Terra,
Se os lyrios mortos que ha por lá se auróram
De purpuras de guerra.
Se as que ha por cá titanicas cegueiras,
Atordoadas victorias,
Embebédam os seres nas poncheiras
E no gozo das glorias!
O céo é o berço das estrellas brancas
Que dormem de cansaço...
E das almas olympicas e francas
O ridente regaço...
Só elle sabe, o claro céo tranquillo
Dos grandes resplendores,
Qual é das almas o eternal sigillo,
Qual o cunho das dores.
Só elle sabe, o céo das quintessencias,
O Esquecimento ignóto
Que tudo envolve nas lethaes diluencias
De um occaso remóto...
O Esquecimento é flôr, subtil, celeste,
De pallidez risonha.
A alma das cousas languemente véste
De um véo, como quem sonha.
Tudo no esquecimento se adelgaça...
E nas zonas de tudo
Na candura de tudo, extremo, passa
Certo mysterio mudo.
Como que o coração fica cantando
Porque, tremulo, esquece,
Vivendo a vida de quem vae sonhando
E no sonho estreméce...
Como que o coração fica sorrindo
De um modo grave e triste,
Languidamente a meditar, sentindo
Que o esquecimento existe.
Sentindo que um encanto ethéreo e mago,
Mas um livido encanto
Põe nos semblantes um luar mais vago,
Enche tudo de pranto.
Que um concerto de supplicas, de mágoa,
De martyrios secrétos,
Vae os olhos tornando rasos d’agoa
E turvando os objectos...
Que um soluço cruel, desesperado
Na garganta rebenta...
Emquanto o Esquecimento allucinado
Móve a sombra nevoenta!
Ó rio rôxo e triste, ó rio morto,
Ó rio rôxo, amargo...
Rio de vãs melancolias de Horto
Cahidas do céo largo!
Rio do esquecimento tenebroso,
Amargamente frio,
Amargamente sepulchral, lutuoso,
Amargamente rio!
Quanta dor nessas ondas que tu lévas,
Nessas ondas que arrastas,
Quanto supplicio nessas tuas trévas,
Quantas lagrimas castas!
Ó meu verso, ó meu verso, ó meu orgulho,
Meu tormento e meu vinho,
Minha sagrada embriaguez e arrulho
De aves formando ninho.
Verso que me acompanhas no Perigo
Como lança preclara,
Que este peito defende do inimigo
Por estrada tão rara!
Ó meu verso, ó meu verso soluçante,
Meu segredo e meu guia,
Tem dó de mim lá no supremo instante
Da suprema agonia.
Não te esqueças de mim, meu verso insan
Meu verso solitario,
Minha terra, meu céo, meu vasto oceano,
Meu templo, meu sacrario.
Embora o esquecimento vão dissolva
Tudo, sempre, no mundo,
Verso que ao menos o meu ser se envolv
No teu amor profundo!
Esquecer é andar entre destróços
Que além se multiplicam,
Sem reparar na lividez dos ossos.
Nem nas cinzas que ficam...
É caminhar por entre pezadellos,
Somnambulo perfeito,
Coberto de nevoeiros e de gelos,
Com certa ancia no peito.
Esquecer é não ter lagrimas puras,
Nem azas para beijos
Que vôem procurando sepulturas
E queixas e desejos!
Esquecimento! eclipse de horas mortas,
Relogio mudo, incerto,
Casa vasia... de cerradas portas,
Grande vacuo, deserto.
Cinza que cáe nas almas, que as consome,
Que apaga toda a flamma,
Infinito crepusculo sem come,
Voz morta á voz que a chama.
Harpa da noite irmã do Imponderavel,
De sons langues e enfermos,
Que Deus com o seu mysterio formidavel
Faz calar pelos êrmos.
Solidão de uma plaga extrema e núa,
Onde tragica e densa
Chóra seus lyrios virginaes a lua
Lividamente immensa.
Silencio dos silencios suggestivos,
Grito sem écho, eterno
Sudario dos Azues contemplativos,
Florecencia do Inferno.
Esquecimento! Fluido estranho, de ancias,
De negra magestade,
Soluço nebuloso das Distancias
Enchendo a Eternidade!