Eu (Augusto dos Anjos, 1912)/Mater
Mater
Como a chrysalida emergindo do ovo
Para que o campo flórido a concentre,
Assim, oh! Mãe, sujo de sangue, um novo
Ser, entre dôres, te emergiu do ventre!
E puzeste-lhe, haurindo amplo deleite,
No labio roseo a grande têta farta
— Fecunda fonte desse mesmo leite
Que amamentou os éphebos de Sparta. —
Com que avidez elle essa fonte suga!
Ninguem mais com a Belleza está de accordo,
Do que essa pequenina sanguesuga,
Bebendo a vida no teu seio gordo!
Pois, quanto a mim, sem pretenções, comparo,
Essas humanas cousas pequeninas
A um biscuit de quilate muito raro
Exposto ahi, á amostra, nas vitrinas.
Mas o ramo fragilimo e venusto
Que hoje nas debeis gemmulas se esboça,
Ha de crescer, ha de tornar-se arbusto
E álamo altivo de ramagem grossa.
Clara, a atmosphera se encherá de aromas,
O Sol virá das epochas sadias.
E o antigo leão, que te esgotou as pomas,
Ha de beijar-te as mãos todos os dias!
Quando chegar depois tua velhice
Batida pelos barbaros invernos,
Relembrarás chorando o que eu te disse,
Á sombra dos sycomoros eternos!