Fabulas (9ª edição)/12

Os Carneiros Jurados
Certo pastor, revoltado com as depredações do lobo,
reuniu a carneirada e disse:
— Amigos! E’ chegado o momento de reagir. Sois uma legião e o lobo é um só. Se vos reunirdes e resistirdes de pé firme, quem perderá a partida será ele, e nós nos veremos para sempre libertos da sua cruel voracidade.
Os carneiros aplaudiram-no com entusiasmo e, erguendo a pata dianteira, juraram resistir.
— Muito bem! exclamou o pastor. Resta agora combinarmos o meio pratico de resistir. Proponho o seguinte: quando a féra aparecer, ninguem foge; ao contrario: firmam-se todos nos pés, retesam os musculos, armam a cabeça, investem contra ela, encurralam-na, imprensam-na, esmagam-na!...
Uma salva de bés selou o pacto e o dia inteiro não se falou senão na tremenda réplica que dariam ao lobo.
Ao anoitecer, porém, quando a carneirada se recolhia ao curral, um berro ecôou de subito:
— O lobo !...
Não foi preciso mais: sobreveio o panico e os herois jurados fugiram pelos campos afóra, tontos de pavor.
Fôra rebate falso. Não era lobo: era apenas sombra de lobo!...
— Por que só pedir lã aos carneiros? disse Emilia. Podemos tambem pedir-lhes costeletas. Dos carneiros é só o que interessa Tia Nastacia, as costeletas...
Dona Benta explicou que o principal do carneiro não era a carne e sim a lã.
— Carne todos os animais têm, disse ela, e lã, só o carneiro. Lã em quantidade, que dá para vestir todos os homens da terra, só o carneiro. E’ porisso que o autor desta historia fala em lã e não em carne. A moralidade da fabula é que não devemos exigir das creaturas coisas que elas não podem dar. Se pedimos lã a um carneiro, ele no-la dá muita e excelente. Mas se pedimos coragem, ah, isso ele não dá nem um pingo.
— Por que?
— Porque não tem. Não ha bichinho, mais timido, mais sem coragem que o carneiro. Quando queremos falar duma pessoa muito pacifica, dizemos, “E’ um carneiro!”

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

