Fabulas (9ª edição)/2
A Coruja e a Aguia
Coruja e aguia, depois de muita briga, resolveram fazer as pazes.
— Basta de guerra, disse a coruja. O mundo é grande, e tolice maior que o mundo é andarmos a comer os filhotes uma da outra.
— Perfeitamente, respondeu a aguia. Tambem eu não quero outra coisa.
— Nesse caso combinemos isto: de ora em diante não comerás nunca os meus filhotes.
— Muito bem. Mas como posso distinguir os teus filhotes?
— Coisa facil. Sempre que encontrares uns borrachos lindos, bem feitinhos de corpo, alegres, cheios duma graça especial que não existe em filhote de nenhuma outra ave, já sabes, são os meus.
— Está feito! concluiu a aguia.
Dias depois, andando á caça, a aguia encontrou um ninho com tres mostrengos dentro, que piavam de bico muito aberto.
— Horriveis bichos! disse ela. Vê-se logo que não são os filhos da coruja.
E comeu-os.
Mas eram os filhos da coruja. Ao regressar á tóca a triste mãe chorou amargamente o desastre e foi justar contas com a rainha das aves.
— Que? disse esta, admirada. Eram teus filhos aqueles mostrenguinhos? Pois, olha, não se pareciam nada com o retrato que deles me fizeste...
— Para mim, vóvó, comentou Narizinho, esta é a rainha das
fabulas. Nada mais verdadeiro. Para os pais os filhos são sempre uma beleza, nem que sejam feios como os filhos da coruja.
— E essa fabula se aplica a muita coisa, minha filha. Aplica-se a tudo que é produto nosso. Os escritores acham otimas todas as coisas que escrevem, por peores que sejam. Quando um pintor pinta um quadro, para ele o quadro é sempre bonitinho. Tudo quanto nós fazemos é “filho de coruja”.
— Mostrengo ou monstrengo, vóvó? quis saber Pedrinho. Vejo essa palavra escrita de dois jeitos.
— Os gramaticos querem que seja mostrengo — coisa de mostrar; mas o povo acha melhor monstrengo — coisa monstruosa, e vai mudando. Por mais que os gramaticos insistam na forma “mostrengo”, o povo diz “monstrengo”.
— E quem vai ganhar essa corrida, vóvó?
— Está claro que o povo, meu filho. Os gramaticos acabarão se cansando de insistir no “mostrengo” e se resignarão ao “monstrengo”.
— Pois eu vou adotar o “monstrengo”, resolveu Pedrinho. Acho mais expressivo.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.