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Fabulas (9ª edição)/46

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O Lobo Velho

Adoecera o lobo e, como não pudesse caçar, curtia na cama de palha a maior fome de sua vida. Foi quando lhe apareceu a raposa.

— Benvinda seja, comadre! E’ o ceu que a manda aqui. Estou morrendo de fome e se alguem não me socorre, adeus lobo!...

— Pois espere aí que já arranjo uma rica petisqueira, respondeu a raposa com uma ideia na cabeça.

Saiu e foi para a montanha onde costumavam pastar as ovelhas. Encontrou logo uma, desgarrada.

— Viva, anjinho! Que faz por aqui, tão inquieta? Está a tremer...

— E’ que me perdi e tremo de medo do lobo.

— Medo do lobo? Que bobagem! Pois ignora que o lobo já fez as pazes com o rebanho?

— Que me diz?

— A verdade, filha. Venho de casa dele, onde conversamos muito tempo. O pobre lobo está na agonia e arrependido da guerra que moveu ás ovelhas. Pediu-me que dissesse isto a vocês e as levasse lá, todas, a fim de selarem um pacto de reconciliação.

A ingenua ovelhinha pulou de alegria. Que sossego dali por diante, para ela e as demais companheiras! Que bom viver assim, sem o terror do lobo no coração!

E enternecida disse:

— Pois vou eu mesma selar o acordo.

Partiram. A raposa, á frente, conduziu-a á toca da féra. Entraram. Ao dar com o lobo estirado no catre, a ovelhinha por um triz que não desmaiou de medo.

— Vamos, disse a raposa, beije a pata do magnanimo senhor! Abrace-o, menina!

A inocente, vencendo o medo, dirigiu-se para o lobo e abraçou-o. E foi-se a ovelha!...


Muito padecem os bons que julgam os outros por si.

— Bem feito! berrou Emilia. Uma burrinha dessas o melhor que podia fazer era o que fez: entrar na boca do lobo. E, além disso, ovelha eu nem considero como bicho...

— Que é, então? perguntou Narizinho admirada.

— E’ um novelo de lã por fora e costeletas por dentro. Ovelha é muito mais comida do que bicho. Não se defende, não arranha, não morde — é só bé, bé, bé... Bem feito! Eu gosto das feras. São batatais. Urram, e é cada unhaço que arranca lanhos de carne do inimigo.

— Mas o ato da raposa você não pode aprovar porque foi traição, disse a menina.

— Isso é verdade. Para uma raposa dessas, só tiro na orelha. Vou fazer uma fabula em que a raposa, em vez de sair ganhando, perde. Uma fabula assim...

E começou a inventar a fabula da “raposa que levou na cabeça”.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.