Fabulas (9ª edição)/58

O Jaboti e a Piúva
Brigaram certa vez o jaboti e a piúva.
— Deixa estar! disse esta furiosa. Deixa estar que te curo, meu malandro! Prego-te uma peça das boas, verás...
E ficou de sobreaviso, com os olhos no astucioso bichinho que lá se ria dela sacudindo os ombros.
O tempo foi correndo; o jaboti esqueceu-se do caso; e um belo dia, distraidamente, passou ao alcance da piúva.
A arvore incontinenti torceu-se, estalou e caiu em cima dele.
— Toma! Quero ver agora como te arrumas. Estás entalado e, como sabes, sou pau que duro cem anos...
O jaboti não se deu por vencido. Encorujou-se dentro da casca, cerrou os olhos como para dormir e disse filosoficamente:
— Pois como eu duro mais de cem, esperarei que apodreças...
— Essa fabula está com cara de ser sua, vóvó, disse Pedrinho. Eu conheço o seu estilo.
— E é, meu filho. Inventei-a neste momento, e sabe por que? Porque me lembrei daquela piúva caida lá no pasto e dum jaboti que estava escondido debaixo dela. Sei quanto dura a madeira da piúva e sei quanto vive um jaboti — e a fabula formou-se em minha cabeça. E todas as fabulas foram vindo assim. Uma associação de ideias sugere as historinhas.
— Associação de idéias é isso?
— Sim. A gente pensa numa coisa. Esse pensamento puxa outro. Esse outro puxa terceiro. E’ o que os sabios chamam associação de ideias.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
