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Fabulas (9ª edição)/66

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O Egoismo da Onça

Ao voltar da caça, com uma veadinha nos dentes, a onça encontrou sua toca vazia. Desesperada, esguelou-se em urros de encher de espanto a floresta. Uma anta veio indagar do que havia.

— Mataram-me as filhas! gemeu a onça. Infames caçadores cometeram o maior dos crimes: mataram-me as filhas...

E de novo urrou desesperadamente, espojando-se na terra e arranhando-se com as unhas afiadas.

Diz a anta:

— Não vejo motivo para tamanho barulho... Fizeram-te uma vez o que fazes todos os dias. Não andas sempre a comer os filhos dos outros? Inda agora não mataste a filha da veada?

A onça arregalou os olhos, como que espantada da estupidez da anta.

— O’ grosseira criatura! Queres então comparar os filhos dos outros com os meus? E equiparar a minha dor á dor dos outros?

Um macaco, que do alto do seu galho assistia á cena, meteu o bedelho na conversa.

— Amiga onça, é sempre assim. Pimenta na boca dos outros não arde...


Na voz de “pimenta”, tia Nastacia veio lá da cosinha, com a colher de pau na mão.

— Pimenta, sinhá? E’ o que está me fazendo falta hoje. Acabou-se aquela do vidro de boca larga e não sei como me arranjo com o vatapá de amanhã...

Todos caçoaram da pobre preta.

— Não é isso, boba. Estamos “fabulando” a pimenta que não arde na boca dos outros.

A negra não entendeu.

— Não arde? Quem disse que não arde? Só não arde se não for das ardidas.

Dona Benta ficou com preguiça de explicar e deu-lhe ordem de fazer o vatapá sem pimenta.

— Ché! Fica sem graça, sinhá. Feijão sem sal, vatapá sem pimenta e café requentado, é jantar estragado.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.