Fabulas (9ª edição)/71
As Duas Panelas
Duas panelas, uma de ferro, orgulhosa, outra de barro, humilde, moravam na mesma cozinha; e como estivessem vazias, a bocejarem de vadiação, disse a graúda:
— Bela tarde para um giro pela horta! A cosinheira não está, e até que venha teremos tempo de dizer adeus á alface e fazer uma visita aos repolhos. Queres ir?
— Com todo o prazer!... respondeu a panela de barro, lisonjeadissima da honrosa companhia.
— Dá-me o braço então, e vamo-nos depressa antes que “ela” venha.
Assim fizeram, e lá se foram as duas, desajeitadonas, gingando os corpos ventrudos, cheias de amabilidades para com as hortaliças. “Bom dia, dona Couve!” “Comendador Repolho, como passa?” “Coentrinho, adeus!”
No melhor da festa, porém, a panela de ferro falseou o pé e esbarrou na amiga.
— Ai que me trincas! exclamou esta.
— Não foi nada, não foi nada
— Uns passos mais e novo choque.
— Ai que me desbeiças, amiga!
— Em casa arruma-se, não é nada.
Minutos depois, terceiro esbarrão, este formidavel.
— Ai! Ai! Ai! Fizeste-me em pedaços, ingrata!... e a misera panela de barro caiu por terra a gemer, reduzida a cacos.
— A moralidade desta fabula tambem podia ser o tal “Lé com lé, cré com cré”, lembrou Pedrinho.
— Exatamente, meu filho. Se tivessem saido a passeio duas panelas de ferro ou duas panelas de barro, nada teria acontecido.
— Se fosse escrever essa fabula, berrou Emilia, eu punha uma moralidade diferente.
— Qual?
— Fé com fé, bá com bá.
Todos acharam engraçadinho.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
