Fabulas de Narizinho/O gato e o sabiá

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O gato e o sabiá


Cahira um triste sabiá nas unhas de esfaimadissimo bichano. E gemendo de dôr implorava:

— Felino de bote prompto e afiadas unhas, poupa-me! Repara, que se me devoras, commettes um crime de lésa-arte, pois darás cabo de uma garganta maravilhosa donde brotam as mais lindas canções da selva. Queres ouvir uma dellas?

— Tenho fome! respondeu o gato.

— Queres ouvir uma canção que já enlevou as proprias pedras, que dizem surdas, e fez exclamar á onça bruta: “Este sabiá é a obra prima da natureza?”

— Tenho fome! repetiu o gato.

— Tens fome, bem vejo, mas não é isso razão para que destruas a maravilha da floresta, matando o tenor cujos trinos cream o extase na alma dos mais rudes bichos. Queres ouvir o gorgeio em lá-menor da minha ltima symphonia?

— Tenho fome! insistiu o gato. Sei que tudo é assim como dizes, mas tenho fome e acabou-se. Para satisfazel-a devoraria não só a ti como á propria musica, si ella me apparecêra encarnada em petisco. E isso, meu caro sabiá, porque a fome não tem ouvidos...

E comeu-o.



Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.