Farmacopéia

Wikisource, a biblioteca livre

Temos pimenta,
Grato elixir,
Que os vicios cura
Sem affligir;
Tambem sementes
De dormideiras
Que impafias cura,
E frioleiras.

  • *


Primores d’além sec’lo, já caducos,
Focinhudas rapozas estufadas,
Vinde ao vasto armazém de Citherea,
Reformar as caraças desbotadas.

    Temos carmim
    Que a face enrubra,

    Sem que a velhice
    Fatal descubra,
    Bellos chinòs—
    Para as papalvas
    Que encobre a cuia,
    Das que sam calvas

Para o velho que soffre d'enchaquecas—
Trovoens e pataratas de barriga,
Em secco fuzilando, sem proveito,
Para o fero Esculápio que o fustiga—

    Temos seringas,
    Lá do Pará,
    Agua de Celtz,
    Mas feita cá;
    Raiz saudavel
    Do almeirão,
    Que cura tosse
    E catarrão.

Estulta rapariga, apavonada,
Que campa de Doctora, e sabicbona,
Cuidando, por saber Paulo de Kock,
Que os fóros já não tem de toleirona.

    Venha que temos,
    Para lhe dar,
    Rotos calçoens
    P’ra concertar;
    Velhas ceroulas,
    Uma vassoura,
    Que a fama elevem
    Da tal Doctora.

Matuto que se mette a saberete,
Esquecido do milho e das abob’ras,

Não sabendo escrever sen proprio nome,
Arrota que tem lido grandes obras—

    Oh! para este
    Temos arreio, .
    Albarda, esporas,
    Cabresto e freio ;
    E si contente
    Senão mostrar,
    Rebenque n’elle,
    Toca a marchar.

Marido que a consorte não recata,
Entregue ao desvario, ao desatino;
Que na pandega alegre não repara,
A figura que faz de—Constantino

    Tem sortimento,
    Já reservado,
    Grinalda e gorra,
    Chapéo-armado;
    Barrete, á moda,
    Com dous raminhos,
    Para descanso
    Dos passarinhos.

Para as damas perluxas d’alto bordo,
Que servem, nos saloens, de figurinos,
Enfeitadas bonecas de vidraça
Que alucinam os Vates colibrinos

    Lindos toucados
    De seda fina,
    Tendo na frente
    Alva cortina;
    E outros muitos
    Com reposteiros,

    Que tambem servem
    De mosquiteiros.

Para as bellas amantes do postiço,
Que mettem barbatanas pela saia,
Onde o vento bregeiro, remexendo,
Deixa ver as perninhas de lacraia—

    Temos baloens,
    Torcida a gaz—
    Estopa grossa
    Com agua-raz;
    E de farélos
    Um travesseiro,
    Para enfunar
    O alcatreiro.

Para o tolo mancebo desfrutavel,
Que cem moças namora de pancada
E julgando-se Adonis—na belleza,
De perfumes se borra, e de pomada—

    Casa de orates,
    Dieta e bichas,
    Craneo rapado,
    Lambadas fixas;
    Camisa longa,
    Purga de sal;
    Que a bóla afresca,
    E cura o mal.

P’ra o torpe jornalista que não sente,
A penna mergulhada na deshonra;
E de vicios coberto, o saltimbanco,
Só tracta de cuspir na alheia honra—

    Prudência e tino,
    Criterio e sizo;
    Tambem vergonha,
    Si for preciso:
    E se esta dóze
    Lhe não bastar
    Um bom cacete
    Para o coçar.

Para os finos garotos, e filantes
De cigarros de palha, ou de charutos,
Que levam noute e dia a pedinchar,
De carinha lavada, e muito enchutos—

    Um—já não tenho—
    Aos taes flauderios,
    Que o mais é bucha—
    Fóra gauderios!—
    E si teimarem
    Com tal chincar,
    Um quebra-queixos,
    P’ra os desmamar.

Para os velhos carólas, marralheiros,
Que affectam de santinhos—só de dia;
E sendo noute velha—encapotados,
Não resistem de amor á fanfurria—

    Cheiroso banho,
    D’alta janella,
    Que os ponha a trote,
    Fugindo d’Ella;
    Topada e queda,
    Nariz quebrado,
    Um bom vergalho,
    Mas bem puchado.

Para o filho de pae agonçalado,
Sem brio, sem saber, sem criação;
Que os velhos venerandos não respeita,
Entre ovelhas mostrando-se leão—

    Quartel, chibata,
    Marinha ou praça,
    Que um cordeirinho
    O lobo faça;
    E si o tratante
    Não for barão,
    Morada gratis
    Na Correcção.

P’ra o ancho protector das lettras patrias,
Mais cacório que o chisme—no fintar;
E que cheio d’oral filantropia,
Os impressos chupita, sem pagar—

    Um sancto breve,
    Uma defeza;
    Um patuá
    Contra a esperteza;
    E si o maçante
    Inda insistir,
    Sebo nas pernas—
    Toca a fugir.

Para o genio sagaz de um pae da patria,
Amante da pobresa desvalida,
Que lambisca aos patetas o que póde,
E lá mette n’aljaba fementida—

    Uma denuncia
    Com documentos,
    Onde as ratadas
    Pulem aos centos.

    Depois cadeia.
    Calceta ao pé;
    Que é cousa sancta
    Contra o filé.

·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·


Mas basta; oh Musa minha, não prosigas.
D’alguem desagradar já me arreceio ;
Termina, mas fallando dos trovistas,
Que malham com furor no vicio feio.

    “Bebem do roixo,
    “Tomam café,
    “Pitam charuto,
    “Cheiram rapé.
    “Jogam pacáo,
    “Truque, manilha;
    “Quando Deus quer,
    “Tambem o pilha."