Flores do Mal/A serpente que dansa
XXIX
A serpente que dansa
Gósto de ver teu corpo gracilante,
Ó lindo nenufar,
Como estrela do ceu, auriflamante,
A luzir, a brilhar!
Por sobre as vagas d’esse mar profundo
Das tuas negras cômas,
D’esse revolto oceano vagabundo
Impregnado de aromas,
Como um navio a velejar na calma
Brisa da madrugada,
Desfralda as suas velas a minh’alma
Para longa jornada...
Teus olhos, onde nunca se lobriga
Alegria ou tristeza,
São de ouro e ferro misteriosa liga,
Quase tenho a certeza.
Quando tu andas, teu corpo indolente
Como arbusto balança;
Faz lembrar os volteios da serpente
Na haste d’uma lança.
Verga teu rosto ao peso avantajado
Da preguiça constante,
Fazendo recordar, assim curvado,
Um pequeno elefante.
Teu corpo faz lembrar frágil barquinho
Nas ondas do alto mar,
Em constantes baldões, n’um torvelinho,
Sem nunca sossobrar.
Como a corrente súbito engrossada
Pelos gelos fundentes,
Quando, na bôca, a agoa represada
Te aflue á flor dos dentes,
Julgo beber um vinho inegualado,
De uma tal condição,
Que vejo abrir um ceu todo estrelado
Nas trevas em que jaz meu coração!