Flores do Mal/D. João nos Infernos
Quando D. João baixou ao pélago sombrio,
E pagou a Caronte o óbulo supremo,
Um mendigo soez, de olhar sereno e frio,
Com pulso rijo e forte agarrou cada remo.
Mostrando os peitos nus, as túnicas rasgadas,
Criaturas feminis, convulsas, flagelantes,
Como um longo cordão de ovelhsa imoladas,
Seguiam atrás d'ele, em choro, soluçantes
Esganarelo, a rir, pediu lhe o seu dinheiro,
Ao passo que D. Luis, com a trêmula mão,
Mostrava, a toda a grei d'aquele cativeiro,
O filho que zombou das cans do ancião
A casta e magra Elvira, a tremer no seu luto,
Junto do esposo infiel, amante d'uma hora,
Par'cia-lhe pedir, — derradeiro tributo,
A evocação ideal dos sorrisos de outrora..
Governava o timão da barca celebrada
Um gigante de pedra, em bélica armadura;
Mas o discreto herói, curvado sobre a espada,
Alheio a tudo o mais, só via a singradura!