Gota de agua

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À memoria de Antonio Rodrigues Braga


Sobre a urze silvestre, ao subir da montanha,
Uma gota d'orvalho, em manhã d'esplendores,
Lucitremia ao Sol numa teia d'aranha,
Como um prisma em que a Luz se decompunha em cores.

Universo em resumo, essa gemma preciosa
Que a Noite alli deixou do seu manto cair,
Continha em miniatura a paysagem radiosa
Que no alvor da manhã despertava, a sorrir.

Em que obscuro crysol, esse pranto isolado,
Crystallizou com tal pureza e resplendor?
Caiu da Lua? É um ai de luz polarizado?
Ou rolou d'um olhar num soluço de dor?

Quem sabe o seu mysterio ou sonha a sua mágoa?
Lava de desespero ou suor d'agonia;
— Orvalho ou pranto--é sempre a mesma gota d'agua,
A tremer e a brilhar no resplendor do dia...

Tenha d'odio e rancor nublado o olhar mais vivo,
Ou em fogo escaldado a face onde correu,
Ninguem vê no diamante o carvão primitivo,
Nem na água a cantar o abysmo em que nasceu.

Em breve, á luz do sol, vae em fumo desfeita,
Ser nuvem, confundir-se em cúmulos no poente,
Ou em névoa através de que a Alvorada espreita
A ultima estrella a arder, do seu balcão no Oriente.

E outra vez percorrendo os circulos da Vida,
Pranto de heroe, suor de martyr ou de santo,
De novo ha de voltar, e, de novo esquecida,
Sobre as urzes rolar, gota d'agua ou de pranto...