Grito de Guerra

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Aos senhores que libertam escravos



Bem! A palavra dentro em vós escrita
Em colossais e rubros caracteres,
É valorosa, pródiga, infinita,
Tem proporções de claros rosicleres.

Como uma chuva olímpica de estrelas
Todas as vidas livres, fulgurosas,
Resplandecendo, — vós tereis de vê-las
Rolar, rolar nas vastidões gloriosas.

Basta do escravo, ao suplicante rogo,
Subindo acima das etéreas gazas,
Do sol da idéia no escaldante fogo,
Queimar, queimar as rutilantes asas.

Queimar nas chamas luminosas, francas
Embora o grito da matéria apague-as;
Porque afinal as consciências brancas
São imponentes como as grandes águias.

Basta na forja, no arsenal da idéia,
Fundir a idéia que mais bela achardes,
Como uma enorme e fulgida Odisséia
Da humanidade aos imortais alardes.

Quem como vós principiou na festa
Da liberdade vitoriosa e grande,
Há de sentir no coração a orquestra
Do amor que como um bom luar se expande.

Vamos! São horas de rasgar das frontes
Os véus sangrentos das fatais desgraças
E encher da luz dos vastos horizontes
Todos os tristes corações das raças...

A mocidade é uma falena de ouro,
Dela é que irrompe o sol do bem mais puro:
Vamos! Erguei vosso ideal tão louro
Para remir o universal futuro...

O pensamento é como o mar — rebenta,
Ferve, combate — herculeamente enorme
E como o mar na maior febre aumenta,
Trabalha, luta com furor — não dorme.

Abri portanto a agigantada leiva,
Quebrando a fundo os espectrais embargos,
Pois que entrareis, numa explosão de seiva,
Muito melhor nos panteões mais largos.

Vão desfilando como azuis coortes
De aves alegres nas esferas calmas,
Na atmosfera espiritual dos fortes,
Os aguerridos batalhões das almas.

Quem vai da sombra para a luz partindo
Quanta amargura foi talvez deixando
Pelas estradas da existência — rindo
Fora — mas dentro, que ilusões chorando.

Da treva o escuro e aprofundado abismo
Enchei, fartai de essenciais auroras,
E o americano e fértil organismo
De retumbantes vibrações sonoras.

Fecundos germens racionais produzam
Nessas cabeças, claridões de maios...
Cruzem-se em vós — como também se cruzam
Raios e raios na amplidão dos raios.

Os britadores sociais e rudes
Da luz vital às bélicas trombetas,
Hão de formar de todas as virtudes
As seculares, brônzeas picaretas.

Para que o mal nos antros se contorça
Ante o pensar que o sangue vos abala,
Para subir — é necessário — é força
Descer primeiro a noite da senzala.