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Ha uma Gota de Sangue em Cada Poema/Exaltação da Paz

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Exaltação da Paz

 

Ó paz, divina geratriz do riso,
chegai! Ó doce paz, ó meiga paz,
sócia eterna de todos os progressos,
estendei vosso manto puro e liso
por sôbre a Terra, que se esfaz!

Ó suave paz, grandiosa e linda,
chegai! Ponde, por sôbre os trágicos successos,
dos infelizes que se degiadiam,
vossa varinha de condão!
Tudo se apague! êste ódio. esta cólera infinda!
Fujam os ventos maus, que ora esfuziam;
que se vos ouça a voz, não o canhão!
Ó suave paz, ó meiga paz!...

 

O Sol, nas arraiadas calmas;
brilhara sôbre montes, sobre vales,
sôbre inconsciências de campônios,
sobre paisagens de Corot;
havia beijos môrnos de íavônios,
e aos altos montes e nos íundos vales
os galhos eram compassivas almas,
dando sombras no prado e frescura nas fontes...
— Hoje, por vales e por montes,
tudo mudou.

Tudo mudo!... Atra estralada de bombardas
em sanha, um clangorar de márcios trons reboando,
tempestades terrestres estrondeando,
tiritir, sibilar, zinir miudo de balas
caindo sôbre absconsas valas,
corriscos, ráios levantando-se de covas,
batalhões infernais em soturnas atoardas,
clarins gritando, baionetas scintilando,
bramidos, golpes, ais. suspiros, estertores...

Que é dos outonos de húmidos calores?
que é das colheitas novas ?...

Onde as íoces brilhando ao Sol ?
onde as tardes de rouxinol ?
onde as cantigas? onde as camponesas;?
onde os bois nas charruas?
onde as aldeias de sonoras ruas?
onde os caminhos com arvoredos e tramboezas?
Tudo mudou!

gira na Terra
o tripúdio satânico da guerra.

Porquê? — Si o mundo é bom, a vida boa;
si a luz é para todos, si as campinas
dão para todos:
porquê viver, lutando atoa?...

Insultos, cóleras, apodos,
a carniçal volúpia das chacinas,
os ódios que se batem,
as mil raivas que se combatem,
Alsácias vergastadas,
heróicas Bélgicas dilaceradas,
Lièges desfiguradas,
sânie, ruina, infinitas sepulturas,
desvairando matar, hecatombes monstruosas...
E de nenhuma parte uni beijo de perdão!

Văo para a guerra, desdenhando-lhe as agruras,
todos vestidos de coragens ambiciosas:
e acaso alguem terá razão?...

Muito mais ter razão é conduzir as gentes
pelo caminho bom das alegrias:
sem, com os exércitos ingentes,
acordar os convales e as vertentes,
e os ecos virginais das serranias.

...Provocar nas cidades, nas aldeias,
as guerras sacrossantas dos trabalhos;
distribuir pêlos povos
trigos e livros a mancheias;
honrar, com outros novos,
os monumentos velhos e grisalhos...

...Derramar a verdade em cada casa;
dar-lhe um livro, que é fôrça; educação, que é uma asa;
por-lhe á janela as flores caprichosas,
por-lhe a fartura no limiar;
e sôbre ela fazer desabrochar
o riso, como desabrocham rosas...

Ter razão é levar pêlo atalho da fé.
É as greis humanas, pêla primavera,
quando a terra toda é
florida como uma quimera,
conduzir para a luz, para a alegria.
para tudo que é róseo e que é risonho,
para tudo que é poema ou sinfonia,
para o arrebol, para a esperança, para o sonho!...

Ó doce paz, ó meiga paz!...
Vinde divina geratriz do riso;
estendei vosso manto puro e liso
por sôbre a Terra que se esfaz!

E novamente os povos sossegados,
mais felizes alfim, menos incréus,
envolvereis, ó paz imensa!
— De novo os cantos rolarão nos prados;
e os homens todos rezarão aos céus,
numa ressurreição da esperança e da crença!