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Henrique Chaves

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Henrique Chaves é um desmentido a duas velhas superstições. Nasceu em dia 13 e sexta-feira. Não podia nascer pior, e, entretanto, é um dos homens felizes deste mundo. Em vez de ruins fadas, em volta do berço, cantando-lhe o coro melancólico dos caiporas, desceram anjos do céu, que lhe anunciaram muitas coisas futuras. Para os que nunca viram Lisboa, e têm pena, como o poeta, Henrique Chaves é ainda um venturoso: nasceu nela. Enfim, conta apenas quarenta e quatro anos, feitos em janeiro último.

Um dia, tinha apenas vinte anos, transportou-se de Lisboa ao Rio de Janeiro. Para explicar esta viagem, é preciso remontar ao primeiro consulado de César. Este grande homem, assumindo aquela magistratura, teve idéia de fazer publicar os trabalhos do senado romano. Não era ainda a taquigrafia; mas, com boa vontade, boa e muita, podemos achar ali o gérmen deste invento moderno. A taquigrafia trouxe Henrique Chaves ao Rio de Janeiro. Foi essa arte mágica de pôr no papel, integralmente, as idéias e as falas de um orador, que o fez atravessar o oceano, pelos anos de 1869.

Refiro-me à taquigrafia política. Ela o pôs em contato com os nossos parlamentares dos últimos vinte anos. Há de haver na vida do taquígrafo parlamentar uma boa parte anedótica, que merecerá só por si a pena de umas memórias. As emendas, bastam as emendas dos discursos, as posturas novas, o trabalho do toucador, as trunfas desfeitas e refeitas, com os grampos de erudição, ou os cabelos apenas alisados, basta só isso para caracterizar o modo de cada orador, e dar-nos perfis interessantes. Um velho taquígrafo contou-me, quase com lágrimas, um caso muito particular. Passou-se há trinta anos. Um senador, orador medíocre, fizera um discurso mais que medíocre, trinta dias antes de acabar a sessão. Recebeu as notas taquigráficas no dia imediato, e só as restituiu três meses depois da sessão acabada. O discurso vinha todo por letra dele, e não havia uma só palavra das proferidas; era outro e pior. Ajuntai a esta parte anedótica aquela outra de psicologia que deve ser a principal, com uma estatística das palavras, um estudo dos oradores cansativos, apesar de pausados, ou por isso mesmo, e dos que não cansam, posto que velozes.

Mas uma coisa é o ganha-pão, outra é a vocação. Henrique Chaves trazia nas veias o sangue do jornalismo. Tem a facilidade, a naturalidade, o gosto e o tato precisos a este ofício tão árduo e tão duro. Pega de um assunto, o primeiro à mão, o preciso, o do dia, e compõe o artigo com aquela presteza e lucidez que a folha diária exige, e com a nota própria da ocasião. Não lhe peçam longos períodos de exposição, nem deduções complicadas. Cai logo in medias res, como a regra clássica dos poemas. As primeiras palavras parecem continuar uma conversação. O leitor acaba supondo ter feito um monólogo.

Não esqueçamos que o seu temperamento é o da própria folha em que escreve, a Gazeta de Notícias, que trouxe ao jornalismo desta cidade outra nota e diversa feição. Vinte anos antes de encetar a carreira, não sei se o faria, — ao menos, com igual amor. A imprensa de há trinta anos não tinha este movimento vertiginoso. A notícia era como a rima de Boileau, une esclave et ne doit qu'obéir. Teve o seu Treze de Maio, e passou da posição subalterna à sala de recepção.

Os quarenta e quatro anos de Henrique Chaves podem subir a sessenta e seis; nunca passarão dos vinte e dois. Não falo por causa de ilusões; ninguém lhas peça, que é o mesmo que pedir um santo ao diabo. Uma das feições do seu espírito é a incredulidade a respeito de um sem-número de coisas que se impõem pela aparência. Outra feição é a alegria; ele ri bem e largo, comunicativamente. A conversação é viva, é lépida. Considerai que ele é o avesso do medalhão. Considerai também que é difícil saber aturar uma narração enfadonha com mais fina arte. Não se impacienta, não suspira, puxa o bigode; o narrador cuida que é um sinal de atenção, e ele pensa em outra coisa.