Historias e sonhos (1920)/Juizos criticos
Juizos criticos formados em torno da personalidade de Lima Barreto, através dos seus livros e do seu formoso temperamento de romancista, por escriptores e jornalistas laureados do nosso meio:
«O Triste Fim de Polycarpo Quaresma — prova mais uma vez que o sr. Lima Barreto é um admiravel romancista. O livro tem os melhores caracteristicos dos bons romances: sucita, de principio a fim, o maior interesse e dezenha rigorosamente tipos, que a nossa imaginação evoca com inteira nitidez.»
«O unico romancista de valor, o unico romancista verdadeiro e que é um dos grandes homens deste paiz, não faz parte da Academia: é Lima Barreto».
«O sr. Lima Barreto é no romance brasileiro o que Hogarth foi na pintura ingleza. Ambos pintam os ridiculos e as faltas da sociedade em que se movem. Ninguem hoje, no Brasil, cultiva o genero litterario do romance com tanto talento e tanta felicidade quanto esse ironista sem rebuços nem artificios.»
«Em Lima Barreto, se a ironia é, de ordinario, mais directa, mais accentuada, mais mordaz, suavisa-se, nlo raro, em maviosas notas de piedade e commiseração. Como quer que seja, — Triste Fim do Polycarpo Quaresma representa uma das mais suggestivas e commoventes obras de ficção ainda publicada em nosso idioma».
«Lima Barreto conseguiu dar-nos o admiravel quadro vivo desta sociedade onde impera o cafagestismo. Fel-o com as raras qualidades de romancista eximio que sobredoiram a Machado de Assis.»
«Polycarpo Quaresma — é obra de um ironista, de um «blaguer», de um pessimista, mas, sobretudo, isso — de um artista com raros dons de observador, com um sentimento muito exacto da realidade, agudo, simples, claro.
«Um livro de Lima Barreto é, hoje em dia, um livro de mestre, porque, incontestavelmente, no romance social contemporâneo, Lima Barreto é dos que estão na primeira fila, sendo mesmo o primeiro da sua geração».
«Na Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá, Lima Barreto é o mesmo admiravel escriptor de sempre. Chamo a attenção para esse trabalho de um escriptor que, pelo seu talento e pela sua originalidade, bem merece a predilecção do publico».
«O sr. Lima Barreto é como o sr. Machado Assis um humorista de genero inglez, e que se assemelha tambem a humoristas francezs como o sr. Anatole France.
O sr. Lima Barreto já produziu obra que ficará, e ninguem como elle penetrou em muitos dos segredos da alma da cidade.
Ha, na Vida e Morte de Gonzaga de Sá, paginas magistraes de observação mordaz e de analyse psychologica e onde accrescenta a série já caracteristica de typos, figuras, e boutades do sr. Lima Barreto, muitos outros traços que ora fazem sorrir, ora fazem pensar...
«Lima Barreto já é um escriptor consagrado.
Dentre as qualidades do auctor da Vida e Morte de Gonzaga de Sá, destacam-se: o poder de observação e a naturalidade do estylo.
Os seus typos são perfeitos exemplares de humanidade e realidade, nada tendo de artíficiaes e convencionaes; suas paisagens, marinhas e quadros exprimem uma visão cosmica verdadeira.
O estylo da Vida e Morte de Gonzaga de Sá merece a qualidade de quasi tem rhetorica, dada por Albalat aos estylos sobrios e athenienses de Renan e Anatole France».
«De Lima Barreto não é exagero dizer que lançou entre nós uma fórmula nova de romance. O romance de critica social sem doutrinarismo dogmatico. Conjuga equilibradamente duas cousas: o desenho dos typos e a pintura do scenario. E’ um revoltado, mas um revoltado em periodo manso de revolta. Em vez de colera, ironia; em vez de diatribe, essa nonchalance filosofante de quem vê a vida sentado n’um café, amollentado por um dia de calor...
«Vida de M. Gonzaga de Sá, romance de admiravel humour, de fina graça, na especie das novellas o livro de maior consideração e de mais alto merecimento na bibliographia deste anno (1919).
Varios romances temos lido actualmente e em nenhum delles, alguns excellentes, achamos o deleitoso frescor, a limpida fragrancia de simplicidade e profundeza deste livro.
Lima Barreto é certamente um dos espiritos mais notaveis da nova geração de escriptores.
Arte, cultura, graça e amena simplicidade de estylo casam-se aos dons de harmonia architectonica das suas obras.»
«Humorista, caricaturista, com uma visão dolorosa dos males e ridiculos sociaes, temperada pelo pudor de soffrer, Lima Barreto procura esquecer o quotidiano — vinum laetificat cor hominis. Creou typos impereciveis e perpetuou os nossos meios urbanos de mais caracter: a imprensa, a politica, a repartição —, fixando a paisagem familiar do Rio. Que o mal de viver não emmudeça esse raro e doloroso artista, que conhece o segredo da arte literaria—, escrever nas entrelinhas.
«Nenhuma lição de moral pratica é mais efficaz do que a cortante ironia, satyrisante e cruel, do revoltado Lima Barreto, mixto de Heine e Max — Twain — que ninguem sabe como tem vagares para escrever paginas de tão perfeita observação, no apparente desregramento de sua vida, despreoccupado das conveniencias sociaes, perambulando constantemente pela cidade, parecendo indiferente ao mundo, que o cérca, e armazenando, como em placas photographicas, todos os variados aspectos da vida social carioca, principalmente carioca, representação sublimada da vida brazileira.»
«Lima Barreto faz do romance não uma obra de ficção em que o mundo real só entre como modelo imprescindivel aos exageros que a arte impõe, mas sim, um meio de critica social, um processo de analyse intenso e por vezes doloroso, tal a sua verdade, dos costumes e dos homens de seu tempo.»
«No romance de Lima Barreto ha mais a considerar a maneira com que a principal personagem (Isaias Caminha) ganha vulto de pagina em pagina, pungida de uma nobre magua que, ao envez de abatel-a, ergue-a solemne, philosophicamente, movida pela mola do genio, não sem provocar-lhe nos nervos revoltas capazes de esbordoar villões, ora a tornal-a perplexa, presa a um máo estar que lhe ameaça de anniquilar a acção, diante do gratuito insulto social, do ignobil desproposito entre os individuos d’uma terra onde o criterio é incerto, perante a humanidade que não soffre consequencias moraes da raça, porém que só depende da luz d’um espirito que é o mesmo debaixo de todos os céos.»
«No seu recente livro O Romance no Brasil, Paulo de Gardenia, classificou Lima Barreto — espirito irmão na mordacidade discreta, ao lado de Anatole France; e se assim o fez, o critico não obedeceu senão a um criterio verdadeiro, pelo menos mostrou que comprehendeu o escriptor, traduzindo o seu sentimento, sem se atolar no inevitavel, muita vez, das comparações campanudas e confrontos imbecis.»
«Lima Barreto conquistou nas letras brasileiras, desde a publicação das «Memorias de Isaias Caminha», um lugar de relevo entre os nossos romancistas de costume.»
LUIZ DE MORAES:
«Apezar das hostilidades surdas do ambiente, apezar da indifferença publica pelas coisas intellectuaes, Lima Barreto dedicou-se, com toda a sua alma e com todo o fulgor do seu espirito. ás suas novellas. Todo o publico do Brazil que lê, conhece e admira essas paginas repletas de «humour» e de observações amargas e ironicas. «Clichés» magnificamente nitidos da vida carioca, onde todos nós reconhecemos os typos preciosos da nossa pequena e pedante burguezia, com os seus ridiculos ingenuos e as suas virtudes, os romances de Lima Barreto são bem e, eminentemente, brazileiros.»
«Euclydes da Cunha ameaçou os malvados combatentes de Canudos com a Historia e por meio delia vingou-se delles; o admiravel escriptor do «Isaias Caminha» fez o mesmo com os combatentes florianistas. Agora Euclydes era o nevrotico de nobre estylo, escrevendo em cachoeira — torrente em febre, impetuos amentecantando ou antes ugindo; Lima Barreto tem a expressão de uma agua immota, mais clara, mais serena, ás vezes mais profunda, espelhando as cousas exactamente como são.»
NESTOR VICTOR, de um trecho de carta:
«Teu livro faz inveja a um homem, meu Lima Barreto. E’ dos que os vindouros hão de por força procurarem para conhecerem, sorrindo commovidos, o que já se passou. Lembra lagos candidos, mas profundos, reflectindo paisagens e céos.
Tu, Lima, és bem irmão dos teus irmãos fluminenses, dos Manoel de Almeida, dos Joaquim M. de Macedo, dos Machado de Assis.»