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Horas de Folga/O filho do Timóteo

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O FILHO DO TIMÓTEO




Estêvão, sentado na relva, chorava emquanto seu pai tentava consola-lo.

Estêvão era um rapaz bom, inteligente e trabalhador. Natural duma pequena aldeia da Beira, onde habitava, levantava-se ao nascer do sol e deitava-se quando o astro de oiro se sumia atrás dos montes Hermínios.

De manhã á noite, com a enxada nas mãos, revolvia a terra, cantando alegremente alguma cantiga aprendida na infância. Vivia feliz, e, eis senão quando, caíu nas sortes para soldado. Tinha de partir, deixar os pais, a terra em que nascera, a noiva, os amigos, e tudo quanto lhe falava ao coração. A idea da farda, que nas cidades encanta tanto os rapazes, aflige-os e entristece-os na aldeia onde ela representa a separação de tudo quanto se ama.

Tinha pois recebido ordem de marchar para a cidade. Em frente dos pais aparentara indiferença, mas saíndo de junto dêles fôra esconder-se a chorar a um canto da horta. O pai, que tinha passado em novo pelo mesmo desgosto, viera ter com êle e para o consolar dizia-lhe como a vida militar era diferente da idea desagradavel e triste que dela se fazia na aldeia.


Estêvão, sentado na relva…

Êle chorava mais. Então o pobre pai, vendo que nada valia pintar-lhe alegrias nem festas, tentou falar-lhe ao coração:

– Dize-me uma cousa, filho da minh’alma. ¿Tu queres ou não queres lá de dentro á terra em que nascêste?

– Isso nem se prégunta, sor pai. – Ora então dize-me cá: ¿Se eu, se tu, e muitos outros, não soubermos pegar em armas, quem a ha de defender do estrangeiro quando preciso fôr?

– Não digo menos disso, mas custa-me muito.

– Qual custa! tornou o velho, voltando a cabeça para que o filho lhe não visse os olhos marejados de lágrimas. Dizes isso porque ainda não pensaste bem.

– Nem quero, volveu o rapaz mal umorado.

– Não queres! tem graça! ¿Então se nós, portugueses, nos não soubermos defender, se o estrangeiro, conhecendo a nossa fraqueza, entrar por Portugal dentro, talar os nossos campos, maltratar tua mãe e tua irmã, insultar os meus cabelos brancos, demolir pedra por pedra a nossa casa… tu não queres saber?

Estêvão pusera-se de pé como sacudido por um choque eléctrico, e rubro, convulso, num tom de voz comovido, exclamou:

– Tem razão, sor pai, devo ter-lhe parecido bem ruim. Compreendo agora que o dever que vou cumprir me deve orgulhar e não entristecer, e emquanto eu viver, (e os olhos fuzilaram-lhe de raiva) nenhuma mão estranha tocará nas pedras da nossa casa.

– Bravo! meu rapaz. Eu bem dizia a tua mãe que bom sangue não mente e, ou eu me não chamava Timóteo, ou o meu filho devia compreender tudo que a palavra Pátria espalha de força no coração dum homem.

E, pondo-se de pé, proseguiu com entusiasmo e tirando o seu chapeu de aba larga num movimento respeitoso:

– Pátria! Se tu soubesses como nós olhamos o pedaço de sêda que, tremulando ao vento, a mostra dominadora em terras de além-mar! Se tu soubesses


A moradia de Estêvão

como num combate se dá a vida alegremente e se disputa a honra de morrer por ela!… Tu ainda não percebes isto bem, meu Estêvão; estás ainda rude e inculto como os baldios de ao pé do cemitério; mas se puderes vir de licença por ocasião da festa da nossa aldeia, então… então has de dizer-me o que pensas das tuas ideas de hoje.

Estêvão abraçou o pai e entrou em casa confortado.

Quando, passado um ano, voltou pela primeira vez á terra, vinha um janota. Falava á moda da cidade e não conhecia vida melhor, dizia êle, do que aquela que dá constantemente ao homem a noção da sua força e dos seus deveres.

Ao serão, pegando na guitarra que trouxera para mostrar as suas habilidades musicais á família, cantou:


Tenho orgulho em ser soldado
Sempre pronto a batalhar.
¿Quem não dá seu sangue á pátria,
Se ela tudo lhe ha de dar?

Vá, portuguêses, um brado
Que ressoe de val em val:
Viva a nação mais heróica!
Viva! Viva Portugal!


A família olhava-o enlevada e estática, mas, quando êle acabou o último verso, todos gritaram com entusiasmo frenético:

– Viva Portugal!

E o pai do soldado, limpando comovido os olhos á manga do jaleco, murmurou:

– Eu bem dizia que ou eu não era Timóteo ou o meu filho havia de ser um sincero patriota.

– Está visto! disse a mãe com orgulho. Quem não quer á pátria é porque não é bom de raiz.

Tinha razão a mãe do Estêvão: dificilmente se descobrirá um sentimento nobre no homem que pronuncia indiferente as sílabas singelas e sublimes da encantadora palavra – Pátria.