Inocência (Humberto de Campos)
Chapeuzinho de seda azul, vestido de crepe-da-China branco, desses que escorregam pelo corpo à semelhança de uma camisola de dormir, aquela figurinha passava pela Avenida, com uns ares tão sérios, tão graves, fisionomia tão fechada, que infundia respeito. Que ela era bonita, toda a gente o via. Ninguém, porém, se atrevia a uma palavra, a uma exclamação, e, mesmo, a um olhar mais atrevido, com medo de represália.
Tic-tic, tic-tic... E lá se ia, passo miúdo, pescocinho teso, busto empinado, aquele vultozinho encantador. E em torno dele, ou sob seus passos, o que ficava, ou o que se sentia, não era o coro da lisonja, mas um perfume de inocência, de pureza, de castidade.
À esquina da rua da Assembléia, apareceu, porém, o primeiro insolente.
— Meu Deus, que beleza! — exclamou o atrevido.
A menina parou, os olhos fuzilantes.
— Malcriado! — rugiu, entre dentes.
E num longo dengue, antes que ele fugisse:
— Quem foi que lhe disse que eu me chamo Luíza e moro na rua José dos Reis, 41?