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Inspirações do Claustro/Prologo do auctor

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O que entenderdes que é útil, po­deis sem receio publicá-lo.

COURIER

A natureza desta publicação exige de si algumas pala­vras de explicação. Este prólogo é filho da necessidade tão-somente. Longe de mim a vaidade dos discursos ociosos.

As poesias presentes agradarão a bem poucos: agradarão apenas a algumas almas fortes, que não puderam ainda ser eivadas nem do cancro do cepticismo, nem da mania do misticismo: agradarão apenas a alguns homens completamente livres, que não sujeitaram-se ainda, senão às luzes da ra­zão. Ora, estes homens são bem raros na sociedade atual, porque a hipérbole dos sistemas e das crenças traz em si não sei que talismã, que arrasta todos os espíritos, por bem formados que sejam. O ecletismo nas opiniões, que não são essencialmente filosóficas, repugna ainda aos ânimos, e é crismado de absurdo.

Eu tenho, por tanto, a maioria dos homens por meus inimigos.

Pela mão invisível da Providencia fui arrojado há três anos para o coração do claustro. Por essa inclassificável ação, de que hoje me espanto, tive as bênçãos de uns e os escárnios de outros. Eram ainda os homens místicos e os cépticos que louvavam-me ou vituperavam-me. Pela mão invisível da Providencia fui arrojado outra vez para o tor­velinho da sociedade. Por isso tive a maldição de quase todos. Eram ainda os místicos, que não pejavam-se de cantar a palinódia dos louvores, que me haviam magnificamente dis­pensado, — eram os cépticos, que compunham deste acontecimento um marciálico epigrama.

Hoje, entre tanto, venho oferecer ao publico o comple­mento de meus pensamentos durante meu triênio claustral.

Serei recebido pelos mesmos homens: — por tanto, mui to mal.

Não importa.

Nos países eminentemente ilustrados não aguarda-se mais pelo juízo da posteridade. Vivendo-se, goza-se já do nome, que antigamente depositava-se nas aras misteriosas do por­vir. No Brasil, porém, não é ainda assim. Eu tenho — gra­ças a Deus, — o consolo de poder esperar pelo futuro em minha pátria!

Neste sonho sedativo da consciência, — seja uma ilusão embora, — adormecerei tranqüilo.

Entre tanto, — fervam os pensamentos da paixão. Os es­critos poéticos, que apresento, não foram formados em de­lírio. Entusiasmada raiva! que tenho eu contigo?

A hora da inspiração é um mistério de luz que passa inapercebível. Com tudo, eu tenho consciência de que, por mais etéreo que seja aquele momento, cantei tão-somente o que o imperativo da razão inspirava-me como justo. Não exclui, na verdade, o sentimento nestas composições a que presidia a solidão, porque ninguém o pode, — mas também não sou cabalmente um poeta. Há em mim alguma coisa de menos para completar o anjo das harmonias terrestre. Há, por ventura, a reflexão gelada de Montaigne, que apaga os ímpetos, que mata às vezes a mesma sublimidade. Klo­pstok, eu não posso acompanhar teus vôos!

Pelo lado da arte, meus versos, segundo me parece, as­piram a casar-se com a prosa medida dos antigos.

Sabe-se que os latinos modulavam os períodos do dis­curso. Sabe-se que os italianos, em seu século clássico, imi­taram miudamente aqueles, de quem tinham herdado a literatura. Sabe-se que os primeiros escritores portugueses cadenciavam igualmente suas construções. Sabe-se que, atingindo a música prosaica a uma perfeição absur­da, desterrou-se completamente do discurso todo o artifício. A versificação triunfou sobre as ruínas da prosa. Bocage deixa de ser poeta, para ser musico. A prosa tinha expi­rado.

Começa-se então a procurar um acordo. O modulo dos latinos, estudado e seguido pelos italianos, quase aperfeiçoado pelos portugueses, tinha algum tanto de justo e de belo. A prosa recobrou os seus direitos.

Tudo isto traz com sigo algumas perguntas necessárias:

Até onde irá a melodia da prosa? Será a prosa um dia tão acabada de melodia, de ritmo, de harmonia mesma, que venha a ser inútil a música da forma poética? Chegará um dia a literatura a um tal grau, que distinga a prosa e a poesia tão-somente pelo nuance dos pensamentos? Nas­cerá um dia destas duas expressões mais ou menos belas uma forma intermediária, que espose tanto da singeleza da prosa, quanto do artifício da versificação? Será o futuro o mesmo que o passado, — e a prosa, em um circulo cons­tantemente vicioso, voltará para a poesia, e a poesia de novo para a prosa? O Telêmaco de Fenelon, os Mártires de Cha­teaubriand, os Dramas modernos, os Romances mesmos de agora, que são porventura arremedos de epopéias, não se levantam, como brados majestosos, contra esta ultima hipótese? Teremos de viver continuamente no giro deses­perador que descreveu o Eclesiastes? O que foi será o mesmo que há de ser em toda a sua amplitude, — ou aquele axioma sagrado admite restrições? Meu Deus! o vosso Cristo, descendo de vosso eterno e fecundo seio, não trouxe à humanidade alguma idéia nova, algum fato que inda não tivesse sido?

Presentemente, — cuido eu, — nem uma resposta pode dar-se a estas questões, se não uma dúvida. Pois bem: — meus versos representam esta hesitação, segundo penso. Procuram, a pesar meu, a naturalidade da prosa, e receiam desprezar completamente a cadência bocagiana.

Alem disto, a quem canta pela razão, e pouco talvez pelo sentimento, esta forma singela, quase não trabalhada, por ventura mais severa, é que melhor lhe pode convir.

O aspecto social, que parecem ter estas composições, obri­gam-me ainda a não finalizar de súbito este prólogo.

O que cantas? — perguntar-me-ão.

O que podia eu cantar, encerrado nas muralhas solitárias de um claustro, ouvindo a cada hora os toques continuados de um sino que chama à oração, vendo uma turma de homens com vestidos talares negros, que levavam-me â recordação dos costumes dos tempos antigos, passeando sempre sobre um chão povoado de sepulcros, conversando com o silencio do dia e a solidão da noite?

Cantei o monge e a morte.

Cantei o monge, porque ele sofre, — sofre muito.

Cantei o monge, por que o mundo o despreza. Cantei o monge, porque ele é hoje uma coisa inútil e ociosa, em conseqüência de suas instituições anacrônicas. Cantei o monge, por que ele não tem culpa de ser mau, nem pôde por si só ser bom. Cantei o monge, por que ele poderia ser uma personagem quase necessária, dando­-se-lhe as leis comuns da humanidade.

Cantei o monge, por que ele é infeliz. Cantei o monge, por que ele é escravo, não da cruz, mas do arbítrio estúpido de outro homem. Cantei o monge, por que não há ninguém, que se ocupe de cantá-lo.

E por isso que cantei o monge, cantei também a morte. É ela o epílogo mais belo de sua vida: é seu único triunfo. Na verdade, ao homem sincero amante de sua pátria, doe-lhe dentro da alma ver tanta gente estacionada, sem nada fazer, podendo produzir tanto bem. Não! a caridade que o Cristo ensinou, não é egoísta: — imagem real do pelicano, que arranca o coração para dá-lo aos filhos!

Muitos, a quem tomam o cuidado de chamar — ímpios, — censuram o monge no monge. Eu deploro-o somente, por que ele não é criminoso. A instituição, a instituição é que, depois de lhe tirar o trabalho, hoje em dia já não preciso, de rotear montanhas, não lhe forneceu outro qualquer em ordem às necessidades da época, mas antes convidou-o a uma espécie de ócio, no qual ele não pode ser mais, que | mau e desgraçado.

Eu falo com o coração entre as mãos acerca de todas essas causas, — de todos esses padecimentos.

Quorum pars magna fui.

Como esse Enéias, desenhado pela imaginação de Virgilio, saindo do boqueirão das chamas, que ainda lavram, posso, — graças a Deus! — falar de Tróia, sem correr seus riscos.

Oh monges, — feitos assim como estais, constituídos deste modo, — que sois mais que estas árvores infrutíferas, de que fala o evangelho, que não servem, se não para o fogo? Se o homem Deus passasse por vós, como passou pela figueira estéril, não vos destruiria pela raiz, como o raio fulminante da maldição eterna?

Sede jesuítas, como sois, sede-o: mas sede-o também, como os Anchietas, os Nóbregas, os Vieiras. Por que não?

Olhai: — aí estão nossos sertões, nossas florestas se­culares, sombreando imenso gentio, acobertando um culto infame, defendendo bárbaros costumes, balouçando de ter­ror e de esperança. Ide, apóstolos do Unigênito do Eterno, atirai-vos a essas matas, pregai o evangelho, civilizai! Não é esta a vossa missão?

A civilização do mundo ainda carece de vós. Os Tomés ainda são necessários.

Ide, atletas da caridade, marchai para a conquista do pensamento cristão. Que vos falta? Vosso mestre vos enviava às nações — munidos tão-somente da palavra.

Os Nóbregas não tinham mais do que vós, — e nós, — não nos envergonhemos, — fomos civilizados por eles.

Eis-aqui porque a memória dos filhos de Loyola me é cara, eis-aqui por que eu os canto também a eles, pelo que fizeram, — como vos canto a vós, pelo que podíeis fazer.

Cometeram erros, eles: mas não é um dos axiomas da historia — que os que empreendem grandes coisas, cometam igualmente grandes erros?

Por essas convicções, — não escureço, —achar-me-ão sem dúvida em contradição nos meus cantares.

Meditai porém, examinai o fundo, e lá encontrareis a unidade, o foco, o centro, o principio da luz, embora o prisma represente raios de diversas cores.

O século passado para mim é sempre um século magnânimo de crimes: mas nem um século escoou-se debalde no percorrer dos tempos: o século passado é também um sé­culo inteligente e progressista. Remontando-me algumas vezes ao seio dele, eu, com a alma fundida na educação do século dezenove, arrepio-me de horror, e canto a caridade cristã, que lá encontro menoscabada. Procuro então revestir-me com os ademanes dos homens católicos daquela época, esqueço-me exteriormente de mim, de­testo-lhe a moda absurda de impiedade, e maldigo aquele circulo de ferro, em que circunscreveu-se aquele período de torpeza. Os meus — Claustros— e algumas composições mais assumiram esta cor. Quando, porém, limito-me ao meio-século, em que tenho aparecido, e deparo com tudo o que me cerca, digo: — Respeitemos nossos pais. — Se eles olharam para a caridade cristão, para a fé evangélica, como para estátuas de irrisão, — colocaram todavia em um altar a liberdade. A liberdade também é filha do Cristo. O meu poemeto — O monge — representa princi­palmente este estado.

Eis aí, pois, a definição de meu trabalho. Julgai-o por essa maneira, — e sede rigorosos, sim, — porém justos.

A despeito de toda esta minha confissão, eu sinto, como por instinto, que muitos, lendo este livro segundo seus próprios gostos, e não segundo o espírito que por todo ele domina, dirão que é uma coleção de orações e blasfêmias. Não! eu não direi isto. Lembrarei somente que esta é a obra de um jovem educado no seio de uma corporação religiosa. É esta toda a minha apologia.

Não posso concluir este prólogo sem cumprir com o dever sagrado do agradecimento para com o Rvm. Sr. cônego José Joaquim da Fonseca Lima, e padre mestre Domingos José de Britto, pelas lisonjeiras expressões de animação e benevolência, que me dirigiram por vezes nas colunas do Noticiador Católico. O ilustrado publicista Sr. José Pedro Xavier Pinheiro é também para comigo credor de muita estima e gratidão, pelo modo distinto e acoroçoador, com que tratou-me em sua Revista no periódico Justiça. O Sr. Dr. Ricardo Gumbleton Daunt penhorou-me igualmente com as palavras de alento, que dispensou largamente comigo, na Aurora Paulistana. Julgo preencher um compromisso bem difícil, estampando nesta página a abundancia de mi­nha gratidão, muito mais ainda quando os liames da ami­zade não me estreitam a nem um deles.