João, o bom jornalista
(Pierre Veber)
Frio, impassível e tenaz, João era o "repórter", e nada mais. A sua profissão o havia dissecado, ou melhor, desumanizado. Não conversava, traçava linhas.
Seu punho esquerdo estava coberto permanentemente de notas a lápis, de endereços e apontamentos; o direito era uma série de sinais, que só ele entendia. Ninguém lhe conhecia parentes, nem amigos, pois isso lhe tomaria tempo. Em compensação, conhecia toda a gente e apertava a mão a quantos encontrava.
João era capaz de ações heróicas. Havia ficado vinte e quatro horas à porta de um hotel, sem espirrar. Durante o cerco de Paris, deixar-se-ia morrer de fome ao lado dos seus pombos-correio, preferindo isso a comê-los.
Uma tarde, ao entrar no jornal, entregaram-lhe uma carta. Pela letra reconheceu, logo, que era daquela que lhe tomava conta da roupa e do coração, e, de súbito, lembrou-se que não aparecia em casa há quatro dias. A carta dizia:
"Se não apareceres em casa esta noite, até onze horas, às onze e meia estarei morta".
João não pestanejou. Esperou pacientemente a meia-noite. A essa hora, sem que a voz lhe tremesse, chamou um colega:
— Sam, vai a tal rua, tal número, segundo andar, à direita. Há, lá, um caso sensacional: uma rapariga bonita; e nova, acaba de suicidar-se, por amor. Vai, e traz-me as notas, para a notícia.
E ficou esperando, certo de que o seu jornal seria o único a dar o "furo". Para economizar tempo, começou a escrever a "cabeça" da notícia, e a sua mão nem, sequer, tremia.
Só no dia seguinte Sam voltou à redação, João interroga-o, severo:
— Você não foi onde eu mandei?
— Fui, sim.
— E então? A rapariga de que falei?
— Encontrei-a, sim; mas, não se tinha suicidado, ontem, não.
— E hoje?
— Hoje? Pior! — informou o companheiro.
E com ar feliz:
— Quando, hoje, de manhã, eu e ela nos levantamos, nem falamos nisso!