João Ferreira de Almeida 1819 (ortografia atualizada)/Marcos/XII

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  1. E COMEÇOU-LHES a dizer por parábolas: Plantou um homem uma vinha, e a cercou com valado[1], e fundou nela um lagar[2], e edificou uma torre, e a arrendou-a a uns lavradores; e partiu-se para fora da terra.
  2. E chegado o tempo, mandou um servo aos lavradores, para que dos lavradores recebesse do fruto da vinha.
  3. Mas eles tomando-o, feriram-no, e mandaram-no vazio.
  4. E tornou a mandar-lhes outro servo; e eles apedrejando-o, feriram-no na cabeça e tornaram-no a mandar afrontado.
  5. E tornou a mandar outro, e a aquele matara, e a outros muitos, e a uns feriram, e a outros mataram.
  6. Tendo pois ele ainda um seu filho amado, mandou-lhes também por derradeiro a este, dizendo: Pelo menos terão respeito a meu filho.
  7. Mas aqueles lavradores disseram entre si: Este é o herdeiro, vinde, matemo-lo; e será nossa a herança.
  8. E pegando dele, mataram-no, e lançaram-no fora da vinha.
  9. Que pois fará o Senhor da vinha? virá, e destruirá aos lavradores, e a vinha dará a outros.
  10. Nem ainda esta escritura tendes lido? A pedra que os edificadores rejeitaram, esta foi feita por cabeça de esquina.
  11. Pelo Senhor foi feito isto, e é maravilhoso em nossos olhos.
  12. E procuravam prendê-lo, mas temiam a companhia; porque entendiam, que deles dizia aquela parábola; e deixando-o, foram-se.
  13. E mandaram-lhe alguns dos Fariseus e dos Herodianos, para que o apanhassem em alguma palavra.
  14. E vindo eles, disseram-lhe: Mestre, bem sabemos, que és homem de verdade, e não se te dá de ninguém, porque não atentas para a aparência dos homens, antes com verdade ensinas o caminho de Deus; é lícito dar tributo a César, ou não? daremos, ou não daremos?
  15. E entendendo ele sua hipocrisia, disse-lhes: Por que me atentais? trazei-me a moeda, para que a veja.
  16. E eles lha trouxeram. E disse-lhes: Cuja é esta imagem, e a inscrição? E eles lhe disseram: De César.
  17. E respondendo Jesus, disse-lhes: Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E maravilharam-se dele.
  18. E vieram a ele os Saduceus, que dizem que não há ressurreição, e perguntaram-lhe, dizendo:
  19. Mestre, Moisés nos escreveu, que se o irmão de alguém morresse, e deixasse mulher, e não deixasse filhos, que seu irmão tomasse sua mulher, e despertasse semente a seu irmão.
  20. Houve pois sete irmãos, e o primeiro tomou mulher, e morrendo, não deixou semente.
  21. Tomou-a também o segundo, e morreu; e nem este deixou semente; e o terceiro da mesma maneira.
  22. E a tomaram todos os sete, e tão pouco deixaram semente. Finalmente, depois de todos, morreu também a mulher.
  23. Na ressurreição pois, quando ressuscitarem, cujo destes será a mulher? porque os sete a tiveram por mulher.
  24. E respondendo Jesus, disse-lhes: Porventura não errais vós outros, porquanto não sabeis as Escrituras, nem a potência de Deus?
  25. Porque quando ressuscitarem dos mortos, nem se casarão, nem se darão em casamento; mas serão como os Anjos que estão nos céus.
  26. E acerca dos mortos que hajam de ressuscitar, não tendes lido no livro de Moisés, como Deus lhe falou com a sarça, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, e o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó?
  27. Deus não é Deus de mortos, senão de vivos. Assim que muito errais.
  28. E vindo a ele um dos Escribas, que os ouvira contender, sabendo que lhes tinha bem respondido, perguntou-lhe: Qual de todos é o primeiro mandamento?
  29. E Jesus lhe respondeu: O primeiro mandamento de todos os mandamentos é: Ouve Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor:
  30. Amarás pois ao Senhor teu Deus de todo teu coração, e de toda tua alma, e de todo teu entendimento, e de todas tuas forças; Este é o primeiro mandamento.
  31. E o segundo, semelhante a este é: Amarás a teu próximo como a ti mesmo; não há outro mandamento maior que estes.
  32. E o Escriba lhe disse: Mui bem, Mestre, e com verdade disseste, que um só Deus há, e outro não há senão ele.
  33. E que amá-lo de todo coração, e de todo entendimento, e de toda a alma, e de todas as forças; e amar ao próximo como a si mesmo, mais é que todos os holocaustos e sacrifícios.
  34. E vendo Jesus que havia respondido sabiamente, disse-lhe: Não estás tu longe do Reino de Deus. E já ninguém ousava mais lhe perguntar.
  35. E respondendo Jesus dizia, ensinando no Templo: Como dizem os Escribas que o Cristo é Filho de Davi?
  36. Porque o mesmo Davi disse pelo Espírito Santo: Disse o Senhor a meu Senhor, assenta-te à minha mão direita, até que ponha a teus inimigos por escabelo de teus pés.
  37. Pois Davi mesmo o chama seu Senhor, como é logo seu filho? E a multidão da companhia o ouvia de boa vontade.
  38. E dizia-lhes em sua doutrina: Guardai-vos dos Escribas, que folgam de andarem vestidos à comprida, e das saudações nas praças;
  39. E das primeiras cadeiras nas Sinagogas, e dos primeiros assentos nas ceias.
  40. Que comem as casas das viúvas, e isso com pretexto de larga oração. Estes receberão mais grave juízo.
  41. E estando Jesus assentado de fronte da arca do tesouro, atentava como a companhia lançava dinheiro na arca do tesouro; e muitos ricos lançavam muito.
  42. E vindo uma pobre viúva, lançou dois minutos, que são dois réis.
  43. E chamando Jesus a si seus Discípulos, disse-lhes: em verdade vos digo, que esta pobre viúva lançou mais, que todos os que lançaram na arca do tesouro.
  44. Porque todos lançaram nela do que lhes sobeja[3]; mas esta de sua pobreza lançou nela tudo o que tinha, todo seu sustento.

Notas[editar]

  1. valado — Definição: escavação que delimita uma propriedade
  2. lagar — Definição: tanque para espremer uvas.
  3. sobejar — Definição: sobrar