João Ferreira de Almeida 1819 (ortografia atualizada)/Marcos/XIV
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- E DALI a dois dias era a Páscoa, e a festa dos pães asmos; e buscavam os Príncipes dos Sacerdotes, e os Escribas, como o prenderiam por engano, e matariam.
- Diziam porém: Não na festa, porque porventura não se faça alvoroço entre o povo.
- E estando ele em Betânia, em casa de Simão o Leproso, assentado à mesa, veio uma mulher, que tinha um vaso de alabastro, de unguento de nardo puro, de muito preço, e quebrando o vaso de alabastro, derramou-lho sobre a cabeça.
- E houve alguns que daquilo em si mesmos se indignaram, e disseram: Para que se fez esta perdição[1] do unguento?
- Porque bem se podia isto vender por mais de trezentos dinheiros, e dar-se aos pobres. E bramavam contra ela.
- Porém Jesus disse: Deixai-a; por que a molestais? boa obra me tem feito.
- Que pobres sempre convosco os tendes; e quando quiserdes, lhes podeis fazer bem; porém a mim, sempre me não tendes.
- Esta o que podia fez; se adiantou a ungir meu corpo, para preparação de minha sepultura.
- Em verdade vos digo, que aonde quer que em todo o mundo este Evangelho se pregar, também o que esta fez será dito em sua memória.
- E Judas Iscariota, um dos doze, se foi aos Príncipes dos Sacerdotes, para lho entregar.
- E eles ouvindo-o folgaram[2]; e prometeram de lhe dar dinheiro; e buscava como o entregaria a tempo oportuno.
- E o primeiro dia dos pães asmos, quando sacrificavam o cordeiro da Páscoa, seus Discípulos lhe disseram: Aonde queres, que te vamos aparelhar[3] para comerdes a Páscoa?
- E mandou dois de seus Discípulos, e disse-lhes: Ide à cidade, e encontrar-vos-á um homem que leva um cântaro de água, segui-o.
- E aonde quer que entrar, dizei ao Senhor da casa: O Mestre diz: Onde está o aposento aonde hei de comer a Páscoa com meus Discípulos?
- E ele vos mostrará um grande cenáculo, ornado e aparelhado[3]; ali nos aparelhai[3].
- E saíram seus Discípulos, e vieram à cidade, e acharam como lhes tinha dito, e aparelharam[3] a Páscoa.
- E vinda a tarde, veio com os doze.
- E como se assentassem à mesa, e comessem, disse Jesus: Em verdade vos digo, que um de vós outros, que comigo come, me há de trair.
- E eles se começaram a entristecer, e a dizer-lhe um após outro: Porventura sou eu? E outro: Porventura sou eu?
- Porém respondendo ele, disse-lhes: Um dos doze é, que molha comigo no prato.
- Em verdade o Filho do homem vai, como dele está escrito; mas ai daquele homem, por quem o Filho do homem é traído; bom lhe fora ao tal homem não haver nascido.
- E comendo eles, tomou Jesus o pão; e bendizendo partiu-o, e deu-lho, e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo.
- E tomando o copo, e dando graças, deu-lho; e beberam dele todos.
- E disse-lhes: Isto é o meu sangue, o sangue do novo Testamento, que por muitos é derramado.
- Em verdade vos digo, que não beberei mais do fruto da vide, até aquele dia, quando o beber novo no Reino de Deus.
- E como cantaram o Hino, saíram-se ao monte das Oliveiras.
- E Jesus lhes disse: Todos vós outros em mim vos escandalizareis esta noite; porque escrito está: Ferirei ao pastor, e as ovelhas serão derramadas.
- Mas depois de eu haver ressuscitado, vos irei adiante à Galileia.
- E Pedro lhe disse: Ainda que todos se escandalizassem, não porém eu.
- E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo, que hoje, nesta noite, antes que o galo cante duas vezes, me negarás três vezes.
- Mas ele muito mais dizia: Ainda que contigo morrer me importe, em maneira nenhuma te negarei. E todos diziam também da mesma maneira.
- E vieram ao lugar, cujo nome era Getsêmane, e disse a seus Discípulos: Assentai-vos aqui, até que ore.
- E tomou consigo a Pedro, e a Tiago, e a João, e começou-se a espavorecer, e a angustiar-se em grande maneira.
- E disse-lhes: minha alma totalmente está triste até a morte; ficai-vos aqui, e vigiai.
- E indo-se um pouco mais adiante, prostrou-se em terra; e orou, que se fosse possível, passasse dele aquela hora.
- E disse: Aba, Pai, todas as coisas te são possíveis; traspassa de mim este copo; porém não o que eu quero, senão o que tu queres.
- E veio, e achou-os dormindo; e disse a Pedro: Simão, dormes? uma hora vigiar não podes?
- Vigiai, e orai, para que não entreis em tentação; o espírito em verdade está prestes, mas a carne é fraca.
- E tornando-se a ir, orou, dizendo as mesmas palavras.
- E tornando, achou-os outra vez dormindo; porque seus olhos estavam carregados, e não sabiam que responder-lhe.
- E veio a terceira vez, e disse-lhes: dormi já e descansai. Basta, vinda é a hora. Vedes aqui o Filho do homem é entregue em mãos dos pecadores.
- Levantai-vos, vamos-nos; eis que o que me trai está perto.
- E logo, falando ele ainda, veio Judas, que era um dos doze, e com ele muita companhia, com espadas e bastões, da parte dos Príncipes dos Sacerdotes, e dos Escribas, e dos Anciãos.
- E o que o traía lhes tinha dado um comum sinal, dizendo: ao que eu beijar, esse é; prendei-o, e levai-o a bom recado.
- E como veio, foi-se logo a ele, e disse-lhe: Rabi, Rabi, e beijou-o.
- E lançaram suas mãos nele, e o prenderam.
- E um dos que ali presentes estavam, puxando da espada, feriu ao servo do Sumo Pontífice, e cortou-lhe a orelha.
- E respondendo Jesus, disse-lhes: como a salteador, com espadas e bastões, saístes a prender-me?
- Cada dia convosco estava no Templo ensinando, e não me prendestes; mas assim se faz para que as Escrituras se cumpram.
- Então deixando-o todos fugiram.
- E um certo mancebo o seguia, envolto em um lençol sobre o corpo nu. E pegaram dele os mancebos.
- E ele, largando o lençol, fugiu deles nu.
- E levaram a Jesus ao Sumo Pontífice; e ajuntaram-se a ele todos os Príncipes dos Sacerdotes, e os Anciãos, e os Escribas.
- E Pedro o seguiu de longe até dentro da sala do Sumo Pontífice, e estava assentado juntamente com os servidores, e aquentando-se ao fogo.
- E os Príncipes dos Sacerdotes, e todo o Concílio buscavam algum testemunho contra Jesus, para o matarem, e não o achavam.
- Porque muitos testificavam falsamente contra ele; mas os testemunhos não eram conformes.
- E levantando-se uns testificavam falsamente contra ele, dizendo:
- Nós lhe ouvimos dizer: eu derribarei este templo feito de mãos, e em três dias edificarei outro, feito sem mãos.
- E nem assim era seu testemunho conforme.
- E levantando-se o Sumo Pontífice no meio, perguntou a Jesus, dizendo: não respondes nada? que testificam estes contra ti?
- Mas ele calava, e nada respondeu. O Sumo Pontífice lhe tornou a perguntar, e disse-lhe: és tu o Cristo, o Filho do Deus bendito?
- E Jesus disse: eu o sou; e vereis ao Filho do homem assentado à mão direita da potência de Deus, e vir nas nuvens do Céu.
- E rasgando o Sumo Pontífice seus vestidos, disse: que mais necessitamos de testemunhas?
- Ouvido tendes a blasfêmia; que vos parece? e todos o condenaram por culpado de morte.
- E alguns começaram a cuspir nele, e a cobrir-lhe o rosto; e a dar-lhe de punhadas, e dizer-lhe: Profetiza. E os servidores lhe davam de bofetadas.
- E estando Pedro embaixo na sala, veio uma das criadas do Sumo Pontífice;
- E vendo a Pedro, que se sentava aquentando, atentou para ele, e disse: também tu estavas com Jesus o Nazareno.
- Mas ele o negou, dizendo: não o conheço, nem sei o que dizes: E saiu-se fora ao alpendre; e cantou o galo.
- E a criada vendo-o outra vez, começou a dizer aos que ali estavam: deles é este.
- Mas ele o negou outra vez. E pouco depois disseram os que ali estavam outra vez a Pedro: verdadeiramente deles és; pois também és Galileu, e tua fala é semelhante.
- E ele se começou a anatematizar, e a jurar, dizendo: não conheço a esse homem que dizeis.
- E cantou o galo a segunda vez. E Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe tinha dito: antes que o galo cante duas vezes, tu me negarás três vezes. E retirando-se dali, chorou.