Junto à Estátua

Wikisource, a biblioteca livre
(NO JARDIM BOTÂNICO DA CIDADE DE S. PAULO)



Já a saudosa Aurora destoucava
Os seus cabellos de ouro delicados,
E as boninas nos campos esmaltados
De crystallino orvalho borrifava.

(CamõesSoneto)


Em placida manhã serena e pura,
Sentado á borda de espaçoso lago;
O corpo recostado em frio marmor,
Torridos membros sobre a terra quedos,

Qual tumido Tritão de amor vencido,
Transpondo as serras, iracundos mares,
D’Aurora o berço perscrutando ousado,
Dolorosos suspiros exhalava

Meu fragil peito da natura escravo.
Já nas fulgidas portas do Oriente,
Trajando purpura magestoso assoma
Luzeiro ardente, que expandindo os raios,
Deslumbra os olhos, e a razâo succumbe,
E, com furtiva luz, pallidas fogem
Notivagas espheras scintillantes.

As brandas auras perfumadas vinham
De grato aroma que invejára Méca.
Nos tortos ramos assoprar de manso.

Em nuvens brancas lá do céo cahia
Pranto saudoso que derrama a Aurora,
Que a terra orvalha, que floreia os prados.

Volatil bando de ligeiras aves,
Brandindo as azas pelo ar brincavam,
Modulando canções, ternas endeixas.

Longe do mundo, das escravas turbas,
Que o ouro compra de avarentos Cresos,
A minh’alma aos delirios se entregava,
A’ sombra de illusoes — de aereos sonhos.

Formosa virgem de nevado collo,
De garços olhos, de cabellos louros;
Sanguineos labios, elegante porte,
Mimoso rosto de Erycina bella,
Curvando o seyo de alabastro fino,
Mimosa imprime nos meus labios negros
Gostoso beijo de volupia ardente! —
Vencido de prazer, nadando em gozos,
Já temeroso pé movendo incerto,
Vôo com ella às regiões ethereas
Nas tenues azas de ternura infinda.

·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·


Rasgando o véo das illusões mentidas,
Que est’alma fragil seduzir poderam,
Immovel terra, cambiantes flores,

Viram meus olhos no romper da Aurora;
E d’entre os braços, que cerrados tinha,
Gelada estatua de grosseiro marmore!...


Candidas boninas
E purpureas rosas,
Violetas roixas
Do luar saudosas;

Verdejantes murtas,
Redolentes cravos,
Lindas papoulas
Da donzelia escravos,

Ao soprar da brisa,
Em balanço undoso,
O mortal encantam
N’um sonhar gostoso.

Mas fugindo as nuvens
— Que a illusão fulgura,
Só vagueia á sombra
Da infernal ventura.