Letra vencida/III

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Beatriz voltou aos hábitos anteriores, aos passeios, saraus e teatros do costume. A tristeza, de aguda que era e manifesta, tornou-se escondida e crônica. No rosto era a mesma Beatriz, e tanto bastava à sociedade. Naturalmente não tinha a mesma paixão da dança, nem a mesma vivacidade de maneiras; mas a idade explicava a atenuação. Os dezoito anos estavam feitos; a mulher completara-se.

Quatro meses depois da partida de Eduardo, entendeu a família da moça apressar o casamento desta; e eis aqui as circunstâncias da resolução.

Amaral cortejava a moça ostensivamente, dizia-lhe as finezas usuais, freqüentava a casa, ia onde ela fosse; punha o coração em todas as ações e palavras. Beatriz entendia tudo e não respondia a nada. Usou duas políticas diferentes. A primeira foi mostrar-se de uma tal ignorância que o pretendente achasse mais razoável esquecê-la. Pouco durou esta; era improfícua, tratando-se de um homem verdadeiramente apaixonado. Amaral teimou; vendo-se desentendido, passou a linguagem mais direta e clara. Então começou a segunda política; Beatriz mostrou que entendia, mas deixou ver que nada era possível entre ambos. Não importa; ele teimou ainda mais. Nem por isso venceu. Foi então que o pai de Beatriz interveio.

— Beatriz, disse-lhe o pai, tenho um marido para ti, e estou certo que vais aceitá-lo...

— Papai...

— Mas ainda que, a princípio recuses, não por ser indigno de nós; não é indigno, ao contrário; é pessoa muito respeitável... Mas, como ia dizendo, ainda que a tua primeira palavra seja contra o noivo, previno-te que é desejo meu e há de cumprir-se.

Beatriz fez um movimento de cabeça, rápido, espantado. Não estava acostumada àquele modo, não esperava a intimação.

— Digo-te que é um moço sério e digno, repetiu. Que respondes?

— Nada.

— Aceitas então?

— Não, senhor.

Desta vez foi o pai que teve um sobressalto; não por causa da recusa; ele esperava-a, e estava resolvido a vencê-la, segundo a avisou desde logo. Mas o que o espantou foi a prontidão da resposta.

— Não? disse ele daí a um instante.

— Não, senhor.

— Sabes o que estás dizendo?

— Sei, sim, senhor.

— Veremos se não, bradou o pai levantando-se, e batendo com a cadeira no chão; veremos se não! Tem graça! Não, a mim! Quem sou eu? Não! E por que não? Naturalmente, anda aí algum petimetre sem presente nem futuro, algum bailarino, ou estafermo. Pois veremos...

E ia de um lado para outro, metendo as mãos nas algibeiras da calça, tirando-as, passando-as pelos cabelos, abotoando e desabotoando o paletó, fora de si, irritado.

Beatriz deixara-se estar sentada com os olhos no chão, tranqüila, resoluta. Em certo momento, como o pai lhe parecesse exasperado demais, levantou-se e foi a ele para aquietá-lo um pouco; mas ele repeliu-a.

— Vá-se embora, disse-lhe; vá refletir no seu procedimento, e volte quando estiver disposta a pedir-me perdão.

— Isso já; peço-lhe perdão já, papai... Não quis ofendê-lo; nunca o ofendi... Perdoe-me; vamos, perdoe-me.

— Mas recusas?

— Não posso aceitar.

— Sabes quem é?

— Sei: o Dr. Amaral.

— Que tens contra ele?

— Nada; é um moço distinto.

O pai passou a mão pelas barbas.

— Gostas de outro.

Beatriz calou-se.

— Vejo que sim; está bem. Quem quer que seja, não terá nunca a minha aprovação. Ou o Dr. Amaral, ou nenhum mais.

— Nesse caso, nenhum mais, respondeu ela.

— Veremos.