Saltar para o conteúdo

Manoel de Ó Bernardo

Wikisource, a biblioteca livre

Indo eu para a novena
Na vila da Floresta,
O major Antônio Lucas
Convidou-me para a festa.
“Seu major António Lucas,
Como é que eu hei de ir?
Quem anda por terra alheia
Não tem roupa pra vestir.
— Dou-te cavalo de sela,
E roupa pra te vestir,
Dinheiro para comeres,
Escravo pra te servir.
—Estava jantando em casa
Um dia bem descansado,
Quando dei fé que chegava
Cavalo fino selado:
"Seu major manda dizer
Que é já tempo do chamado!"
Quando eu saí de casa
Logo peguei a encontrar,
Era homens e mulheres...
— "Vai cantar com Rio-Preto?

É melhor que não vá la...
Porque se importa esta gente
Da desgraça que cometo?
Hão de ter logo notícia
Que fim levou Rio-Preto.
Quando ganhei lá por dentro
Naquele campo mais largo,
O povo que eu encontrava
De mim ficava pasmado:
"Queira Deus este não seja
Manoel de O' Bernardo!"
Distante bem quinze léguas
De mim tiveram notícias;
Ao major Antônio Lucas
Foram pedir as alviças.
Era gente pra me ver
Como a doutor na justiça,
E o povo de Rio-Preto
Era urubu na carniça.
Seu major Antônio Lucas,
Quando ele me enxergou,
Botou oclo de arcance:
"Lá vem o meu cantador!"
Quando fui chegando em casa,
Na entrada do terreiro,
Antes de lhe dizer adeus,
Deu-me um abraço primeiro:
—Ora vem cá, ó Bernardo,
Filho de Deus verdadeiro.
"Seu major Antônio Lucas,
Me mande dar de cear;
Quero ver se Rio-Preto
Inda é forte no lugar."
Ele puxou pelo braço
E mandou botar a ceia;
Eu fiquei agradecido,
Pois estava em terra alheia.
Ao levantar a toalha,
Pus as mãos para rezar,
Quando chegou um aviso
Que já vinham me chamar.
Eu saí logo à frescata,
Rio-Preto me falou.
Não te afastes, Rio-Preto,
A resposta já te dou.
"— Manoel de O'Bernardo,
Olha que já estou previsto,
Segura o botão da calça,
Aqui tens homem na vista.
"Rio-Preto, tu vigia,
Olha que bom não sou, não,
Aperta o botão da calça,
Segura o cós do calção.
"— A onça não faz carniça
Que não lhe coma a cabeça,
Nunca vi a cantador
Que por fora não conheça.
"A pois manda fazer uma
Com seis braças de fundura;
Como é bicho de represa,
Tanto lava como fura.
Quando vim da minha terra
Truce ferro cavador
Para tapar Rio-Preto,
Deixa-lo sem sangrador.
­"— Se tapares o meu rio,
Não tapas o meu riacho,
Que eu represo nove léguas,
Botando a parede abaixo.
"Rio-Preto, se tu vires
Eu passear em gangorras,
Se tu vires, não te assustes,
Se te assustares, não corras;
Se correres, não te assombres;
Se te assombrares, não morras.
Rio-Preto, não me vexo
Para subir a ladeira,
Subo de cocra e de banda,
Subo de toda a maneira;
Até mostro preferência
Em subi-la na carreira.
"— Manoel de O' Bernardo,
Olha, já me vou daqui;
Já estou certificado
Que tens o major por ti.
"O fama do Rio-Preto,
Um cabra tão cantador,
Descobriu por boca própria
Que e'ra atraiçoador.
"— Manoel de O' Bernardo,
Reza o ato de contrição,
Que viemos te matar,
Não ficas mais vivo, não.
A madrinha da noiva
Foi quem te mandou matar,
Para de outra donzela
Te não ires mais gabar.
"A madrinha do noivado,
Por ser moça de ação,
Por um elogio tirando
deu-me a mim um patacão;
Deu quatro para o meu bolso,
E quatro pra minha mão.
“—Nós viemos te matar,
Ganhando trinta mil réis,
Mas por causa do despacho
Cada um te damos dez.