Marília de Dirceu/I/VI

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Oh! Quanto pode em nós a vária Estrela!
Que diversos que são os gênios nossos!
Qual solta a branca vela,
E afronta sobre o pinho os mares grossos;
Qual cinge com a malha o peito duro,
E marchando na frente das coortes,
Faz a torre voar, cair o muro.

O sórdido avarento em vão defende
Que possa o filho entrar no seu tesouro;
Aqui fechado estende
Sobre a tábua, que verga, as barras d'ouro.
Sacode o jogador do copo os dados;
E numa noite só, que ao sono rouba,
Perde o resto dos bens, do pai herdados.

O que da voraz gula o vício adora,
Da lauta mesa os seus prazeres fia.
E o terno Alceste chora
Ao som dos versos, a que o gênio o guia.
O sábio Galileu toma o compasso,
E sem voar ao Céu, calcula, e mede
Das Estrelas, e Sol o imenso espaço.

Enquanto pois, Marília, a vária gente
Se deixa conduzir do próprio gosto,
Passo as horas contente
Notando as graças do teu lindo rosto.
Sem cansar-me a saber se o Sol se move;
Ou se a terra volteia, assim conheço
Aonde chega o poder do grande Jove.

Noto, gentil Marília, os teus cabelos.
E noto as faces de jasmins, e rosas:
Noto os teus olhos belos,
Os brancos dentes, e as feições mimosas:
Quem faz uma obra tão perfeita, e linda,
Minha bela Marília, também pode
Fazer os Céus, e mais, se há mais ainda.