Marília de Dirceu/II/XXXV

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Se lá te chegarem
Aos ternos ouvidos
Uns tristes gemidos,
Repara, Marília,
Verás, que são meus.
Ah! dá-lhes abrigo,
Marília, nos peitos;
Aqui os conserva
Em laços estreitos,
Unidos aos teus.

O vento ligeiro,
De ouvi-los movido,
Os pede a Cupido,
Que a todos apanha,
E lá tos vai pôr.
Ah! não os desprezes,
Porque se conspira
O Céu em meu dano,
E a glória me tira
De honrado Pastor.

Têm suspiros
Motivo dobrado;
Perdi o meu gado;
Perdi, que mais vale,
O bem de te ver.
Se os não receberes,
Amante por ora,
Por serem de um triste,
Os deves, Pastora,
Por honra acolher.

Virá, minha Bela,
Virá uma idade,
Que, vista a verdade,
Gostosa me entregues
O teu coração.
Os crimes desonram,
Se são existentes;
Os ferros, que oprimem
As mãos inocentes,
Infames não são.

Chegando este dia,
Os braços daremos:
Então mandaremos
De gosto, e ternura
Suspiros aos Céus.
Pôr-me-ão no sepulcro
A honrosa inscrição:
Se teve delito,
Só foi a paixão,
Que a todos faz réus.