Memória do dedo
{{d|
A ũa dama, que tropeçando de noite
em ũa ladeira, perdeu uma
memória do dedo
<poem>}}
<poem>
Bela turca de meus olhos,
Corsária de minha vida,
Galé de meus pensamentos,
Argel de esperanças minhas;
Quem te fez tão rigorosa,
Dize, cruel rapariga?
Deixa os triunfos de ingrata,
Busca os troféus de bonita.
Não te queiras pôr da parte
De minha desdita esquiva:
Que a beleza é muito alegre,
Que é muito triste a desdita.
Se ostentas tanto donaire
Com fermosura tão linda,
Segunda beleza formas
Quando a primeira fulminas.
E se cair na ladeira
Manhosamente fingias,
Tudo era queda do garbo,
Tudo em graça te caía.
Não tinha culpa o sapato,
Que o pezinho não podia,
Como era coisa tão pouca,
Com beleza tão altiva.
Botando o cabelo atrás,
(Oh que gala, oh que delícia!)
A bizarria acrescentas,
Desprezando a bizarria.
Toda de vermelho ornada,
Toda de guerra vestida
Fazes do rigor adorno,
Fazes da guerra alegria.
A tantas chamas dos olhos
Teu manto glorioso ardia;
Por sinal que tinha a glória,
Por sinal que o fumo tinha.
Liberalmente o soltaste:
Que era o teu manto, menina,
Pouca sombra a tanto Sol,
Pouca noite a tanto dia.
Se de teu dedo a memória
Perdeste, é bem que o sintas;
Que de meu largo tormento
Tens a memória perdida.
Dar-te-ei por melhores prendas,
Que minha fé te dedica,
Dois anéis de água em meus olhos,
Que de chuveiros te sirvam.
Agradece meus cuidados,
E recebe as prendas minhas;
Se tens da beleza a jóia,
Os brincos de amor estima.
Se cordão de ouro pretendes
Por jactância mais subida,
Aceita a prisão de uma alma,
Que é cordão de mais valia.
A todos estes requebros
Não quis atender Belisa,
Que se é diamante em dureza,
Só de diamantes se alinda.