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Memória sobre a ilha Terceira/IV/XIV

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CAPÍTULO XIV Das freguesias de São Sebastião, Fonte do Bastardo e curato da Ribeira Seca São Sebastião A doze quilómetros da cidade, fica a freguesia de São Sebastião, que por Carta de D. Manuel de 23 de março de 1503, fora elevada à categoria de Vila, nome por que ainda hoje é conhecida, e extinta por Decreto de 24 de outubro de 1855, posto em execução por Portaria de 12 de fevereiro de 1870. É uma das freguesias mais planas, e que desempenhou outrora um papel importante na história terceirense, enquanto teve os foros de Vila, e nela funcionava uma Câmara puramente sua. Divergem as opiniões dos escritores antigos sobre o ponto de desembarque dos primeiros povoadores da ilha Terceira, querendo uns que fosse nesta freguesia, e outros, na das Quatro Ribeiras. O Padre Cordeiro, na sua História Insulana, é de opinião que os primeiros povoadores aportaram ao norte da ilha, entre os quais se achava Fernão Dulmo, e ali construiram a primeira igreja, que dedicaram a Santa Beatriz. Outros, pretendem que fora Jácome de Bruges que, aportando ao lugar onde está hoje a freguesia de São Sebastião, e que naquele tempo recebera o nome de Ribeira de Frei João, construira a ermida de Santa Ana. Inclinamo-nos para esta última opinião, pelas seguintes razões: conhecida a posição geográfica da ilha de São Miguel, e o rumo que deviam seguir os navegantes ao partir de Portugal, é natural supor-se que


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por um pequeno desvio na agulha marítima, que seria muito frequente naquela época, viesse ter algum navio à costa da Terceira, pelo lado sul e próximo do lugar de São Sebastião que lhe ficava mais próximo. Avistando-se em dias claros a ilha de São Miguel, poderia muito bem suceder que, num reconhecimento ao interior daquela ilha, de lá descobrissem para o norte as costas da Terceira, e seria pelo sul que mais depressa as alcançariam. Finalmente, na Carta de doação, feita pelo Duque D. Manuel a Fernão Dulmo, datada de 3 de março de 1486, não diz ter ele sido o primeiro a pisar o solo terceirense, e lá se refere estar João Vaz Corte Real já provido na parte de Angra, e a Antão Martins na parte da Praia. Portanto não foi Fernão Dulmo, com os seus companheiros, o primeiro a desembarcar na ilha Terceira, mas sim Jácome de Bruges que foi ter ao lugar chamado Pesqueiro dos Meninos, indo edificar a primeira igreja a uma légua distante da costa, segundo dizem os cronistas, para assim vigiarem melhor o mar e os espanhóis que, naquela época, estavam em guerra com Portugal; e por ser aquele lugar muito parecido com os campos do Alentejo, lhe puseram o nome de Porta-Alegre. Instalados os primeiros povoadores, trataram logo da determinação do terreno em que devia estabelecer-se a primeira povoação, sendo, do norte ao sul, com cinco quilómetros de extensão e de largura, desde a Ribeira Seca ao Marco da Feteira. Nesta demarcação, compreendia a atual freguesia do Porto Judeu e os moradores de Porta-Alegre. Mais tarde, por carta de D. Manuel, de 3 de março de 1503, é que se delimitou a freguesia tal como hoje está. Foi portanto a ermida de Santa Ana, o primeiro templo construído na ilha Terceira, seguindo-se-lhe, o construído na Ribeira de Frei João em 1455, segundo a inscrição que deve existir numa lápide à entrada da matriz de São Sebastião, que, tendo sido destruída por um grande incêndio no dia 8 de março de 1782, foi, seis anos depois, reedificada. Possuiu também esta freguesia um pequeno hospital, criado em 1571, mas de pouca duração, e uma Misericórdia fundada em 20 de dezembro de 1516, com igreja própria inaugurada no 1.° de junho de 1571, tendo estatutos aprovados por Decreto de 14 de outubro de 1868 e Carta de mercê de 21 de outubro do mesmo ano. Ainda funciona a Misericórdia; e o templo, que não é de grandes dimensões, tem uma só nave, e está situado à entrada da freguesia, na rua denominada da Misericórdia. Na capela-mor vê-se um quadro representando a Visitação de Nossa Senhora, orago da igreja, tendo aos lados as imagens de Santo Antão e Santo Amaro. Do lado da epístola está uma capela coma imagem do Santo Cristo. Caminhando pela Rua da Misericórdia chega-se ao Rossio, onde há uma rua larga com este nome, e com suas travessas bem talhadas e dispostas.


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Ao centro da freguesia está uma vistosa praça, de onde parte uma outra rua bem larga, denominada Rua Direita, e onde se vê erguida a igreja paroquial (antiga matriz) de construção antiga, sendo o seu orago São Sebastião. O interior deste templo está dividido em três naves: no centro da capela-mor está a imagem de Nossa Senhora da Conceição, tendo aos lados as imagens de São Sebastião e São Bartolomeu. Na nave do lado do evangelho, vemos, ao fundo, a capela do Santíssimo Sacramento, e na parede lateral, uma capela funda, com a imagem do Senhor dos Passos, imagem primorosa, e uma outra com o Senhor Jesus do Bom Fim e Almas. Na nave fronteira, encontram-se também duas capelas: uma ao fundo, com o Sagrado Coração de Jesus; e na parede lateral, uma outra capela da Senhora da Encarnação, onde está uma primorosa imagem de Nossa Senhora da Glória. No corpo da igreja, e em frente ao púlpito, está, por debaixo de um dos arcos, um pequeno coro alto com órgão próprio. É digno de menção nesta igreja um sacrário, e que, há pouco, foi restaurado. É uma obra de talha primorosa, e supõe-se ser do tempo da dominação espanhola, e a primeira deste género que existe nos Açores. É formado por quatro colunas em espiral, ornadas por quatro parreiras, imitando perfeitamente o natural. Saindo-se deste templo e caminhando pela Rua Direita, para o lado do Porto Judeu, encontra-se, a uma distância de cem metros, o cemitério com cento e noventa e quatro sepulturas, tendo uma pequena capela de São João, a qual pertenceu outrora a uma ermida naquele mesmo lugar. Em frente à Praça, há uma outra rua denominada da Praça, que serve de comunicação com a freguesia de Fonte do Bastardo pela Ribeira Seca. Desta rua parte uma outra, denominada da Fonte, indo terminar numa fonte de água que corre todo o ano em dois lugares, um dos quais é debaixo da capela de Santa Ana. Há ainda as ruas das Flores, Fria e a do Arrabalde, que estabelece a comunicação com o Porto Martins, pelo lado inferior da Ribeira Seca. Neste lugar do Arrabalde, existiu uma ermida mandada fazer em 1568 por João Fernandes dos Fanaes e sua mulher Maria Fernandes Corte Real, e para onde foi transportada em 1568 a imagem de Santa Ana, da sua primitiva ermida. Hoje, vê-se naquele lugar, completamente restaurada pela junta de paróquia, uma outra ermida de Nossa Senhora da Graça, com um só altar onde está a imagem da Virgem. No extremo da freguesia e no caminho do Porto Judeu, existe, numa propriedade do Ex.mo Conselheiro Merens de Távora, uma outra ermida do Bom Jesus do Bom Fim, construída por um seu ascendente, Mateus de Távora, em 1682, cumprindo assim o voto de um seu antepassado por ocasião da batalha da Salga em 1581.


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Esta freguesia é rodeada por alguns picos notáveis, entre eles, o das Urzes, o dos Cornos e o das Contendas. É atravessada por duas ribeiras: a denominada dos Moinhos, que tem a sua origem no lugar dos Cinco Picos, e descoberta em 1704 por Inácio Ferreira da Costa, que a dispôs para a moagem de cereais; e a Ribeira Seca, que dá o nome ao povoado que lhe fica próximo. Possui também esta freguesia alguns fortes, parte dos quais estão em ruínas, e que se tornaram notáveis na defesa da ilha contra os castelhanos; e são: o Forte das Cavalas, que está regular, o das Caninas, em ruínas, o da Greta, o de Santa Catarina das Mós, o do Bom Jesus ou do Ilhéu da Mina, o do Pesqueiro dos Meninos, o de São Francisco e o de São Fernando, estando estes últimos em mau estado de conservação. Todos estes fortes foram mandados fazer pelo valente governador Ciprião de Figueiredo, para assim poder resistir à invasão castelhana. Em 1644, depois de expulsos os castelhanos da ilha Terceira, a Câmara de Angra mandou reconstruir o forte do ilhéu da Mina, que tinha sido tomado ao inimigo pelo valente Francisco de Ornelas, passando depois a ter o nome de Forte do Bom Jesus. Neste forte havia, ainda há pouco tempo, uma lápide comemorativa, onde se distinguia o seguinte: «F ….. ORI // ………. DORNELLAS // D, EL-REI D. JOAM IIII // OS OFICIAES DA CAMARA DA CIDADE // O MANDARAO FAZER ANNO DE 1644». Toda a beira-mar desta freguesia, onde se vê um pequeno porto de mar, faz recordar algumas páginas gloriosas da história terceirense. Em 25 de junho de 1581, todo o campo próximo da Salga ficou juncado de mais de quatrocentos cadáveres espanhóis, entre os quais alguns personagens ilustres, como D. Juan de Bazán, mestre de campo e sobrinho do Marquês de Santa Cruz, ficando vitoriosos os terceirenses. Foi no Porto das Mós, que em 1582 desembarcou o infeliz D. António Prior do Crato, como pretendente à coroa de Portugal, e foi um ano depois que, naquele mesmo porto, o Marquês de Santa Cruz, comandando quatorze mil homens, conseguiu desembarcar e tomar posse da ilha, vingando-se ao mesmo tempo da derrota que os seus tinham sofrido dois anos antes. Possui hoje esta freguesia 1:894 habitantes, distribuídos por 508 fogos, e tem como indústria principal a moagem de cereais que se faz em dez moinhos. O seu comércio reduz-se a milho, trigo e algum peixe.

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Ribeira Seca Contígua à freguesia de São Sebastião, está um pequeno povoado, constituindo um curato sufragâneo daquela paróquia, criado por Decreto de 3 de julho de 1861. A ermida, denominada de Nossa Senhora da Consolação, foi feita em 1546 por Gaspar Gonçalves Machado, e mais tarde restaurada. Tem uma só capela com a imagem da Senhora, que é o orago, tendo aos lados São Crispim e São Crispiniano. Este pequeno povoado está numa das margens da ribeira que lhe dá o nome e que por vezes se torna caudalosa, na época das grandes chuvas. Fonte do Bastardo A dezasseis quilómetros da cidade, e a seguir à freguesia de São Sebastião, encontra-se a do Fonte do Bastardo, pertencente ao concelho da Vila da Praia da Vitória, e que, até 1432, pouco mais ou menos, constituiu um curato sufragâneo da Vila da Praia. Ignora-se a data precisa em que começou a ser paróquia independente, só consta que, antes de 1568, já ali havia um vigário, pois que lhe foi aumentada a sua côngrua por carta régia daquele ano. Esta freguesia tem sofrido alguns estragos com os vários terremotos que tem havido, sobretudo o de 15 de junho de 1841 que arruinou quase por completo a sua igreja, que se acha situada no centro da freguesia, a um lado a estrada principal, junto a dois picos, denominados dos Garcias. Na capela-mor está o Sacrário, e aos lados as imagens de Santa Bárbara, orago da igreja, e a de Santo António. No corpo da igreja, encontra-se do lado do evangelho, um só altar, com as imagens de Nossa Senhora do Rosário e a Sacra Família. Do outro lado, está também uma só capela com um quadro do Sagrado Coração de Jesus, no centro, e aos lados as imagens de Santo Antão e São Mateus. Entre as alfaias que possui esta igreja, tornam-se dignas de menção, uma custódia para a exposição do Santíssimo Sacramento e um bom cálice. Esta igreja precisa, desde há muitos anos, ser substituída por uma outra mais ampla e melhor situada, pois que, além de estar reduzida a metade, que ameaça ruína, o resto não está muito seguro. Em 1876 começou-se a edificar, num pequeno largo, um vasto templo, que está incompleto, e que tarde ficará pronto, pelas grandes dimensões que tem. Próximo à igreja antiga, está um pequeno cemitério, com quarenta e oito sepulturas, e que, por motivos idênticos, precisa ser mudado.


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Esta freguesia é atravessada por quatro ribeiras, que são a dos Sousas, do Feto, dos Lagos e a da Bica. Comunica com a cidade, pela Estrada Real; com o Porto Martins, pelo caminho do Lajedo; e com o Cabo da Praia, pela canada do Nogueira; e com a Vila da Praia pela Estrada Real. Tem 749 habitantes, distribuídos por 185 fogos. Não tem indústria especial e a cultura predominante é a de cereais. O comércio é pequeno; possui algumas mercearias e lojas de fazendas.


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