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Memória sobre a ilha Terceira/IV/XVI

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CAPÍTULO XVI Das freguesias das Fontinhas, Lajes, Vila Nova e curato de São Brás Fontinhas A cinco quilómetros, pouco mais ou menos, da Vila da Praia, e mais para o interior da ilha, está a freguesia das Fontinhas, assente sobre um subsolo lodoso e impermeável à água, o que a torna excessivamente húmida, sobretudo na estação invernosa. Tem sido também muito danificada pelos abalos de terra, do mesmo modo que a Vila da Praia; e hoje está consideravelmente melhorada, tanto na sua viação, como no saneamento das suas habitações. É uma paróquia anterior a 1568, segundo consta da carta régia de El-Rei D. Sebastião, datada de 30 de julho daquele ano, e referente às paróquias do bispado de Angra. A sua igreja, situada no centro da freguesia, ficou bastante arruinada pelos terramotos de 1614 e 1801, e demolida por completo pelo de 1841. Foi necessário reconstrui-la; e como fosse de grande necessidade e urgência para os povos daquela localidade, empregaram-se os materiais das ruínas do convento da Luz da Vila da Praia. É um templo de arquitetura antiga e pouco elegante, formado por uma só nave. Na capela-mor, encontram-se as seguintes imagens: ao centro, Nossa Senhora da Pena, orago da freguesia, e dos lados, São Pedro e Santo Antão. Nas paredes laterais do corpo da igreja, divisam-se três capelas uma, do lado do evangelho, com a imagem de Nossa Senhora do Rosário, e três do


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lado da epístola, com as imagens de Nossa Senhora do Carmo, Coração de Jesus, São Francisco e Santo Cristo. Sobre a porta principal corre um pequeno coro alto. Entre as alfaias deste templo, merece especial menção, um pontifical de damasco de seda, de muito valor; e além das imagens, acima descritas, possui também as do Senhor dos Passos e Senhora da Soledade, adquiridas por subscrição paroquial. Contíguo à igreja, está o cemitério com cento e setenta e três sepulturas. A freguesia das Fontinhas é atravessada por quatro ribeiras: a da Fontinha, a de Santo António, a do Cruzeiro e a do Marques; e comunica com a Vila da Praia pela estrada do Areeiro, com as Lajes pela estrada denominada das Fontinhas, pela das Covas à Fontinha, e pelo caminho deste nome que se liga com a Ladeira do Cardoso. Finalmente, com a cidade de Angra, pela ladeira da Pena. Nesta freguesia encontra-se também uma pequena ermida, denominada de Santo António, com a imagem deste santo, e que é anterior a 1614. Foi seu fundador o Padre Francisco Cardoso Leal; e ultimamente tem sido melhorada e ampliada. A indústria principal resta freguesia é a da moagem de cereais, que se faz em sete moinhos, dos quais, só um é que tem por motor a água. Encontram-se também várias colmeias, cujo mel é muito apreciado. O seu comércio reduz-se à venda de cereais e frutas. A sua população é de 1:401 habitantes distribuídos por 355 fogos. Lajes Saindo da Vila da Praia, pelo lado das Figueiras do Paim, e caminhando pela estrada litoral da ilha, encontra-se, à distância de sete quilómetros, pouco mais ou menos, a freguesia das Lajes, que data de 1564, segundo se depreende de alguns termos do registo paroquial. A sua igreja, demolida pelos vários terramotos, está hoje completamente, restaurada e ampliada. Situada na parte central da freguesia, em um largo vistoso e amplo, tem, o seu interior dividido em três naves espaçosas. Na capela-mor, está uma, linda imagem de Nossa Senhora do Rosário, de escultura francesa, em um camarim central, tendo aos lados as imagens de São Miguel Arcanjo, orago da igreja, e a de São Pedro. Nesta capela está também o Santíssimo Sacramento. Ao lado da capela-mor, tem: do lado do evangelho, uma capela das Almas, com as imagens de São Sebastião e Santo Antão; e do lado da epístola uma outra com a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem. Estas capelas


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produzem má impressão ao viajante pelas suas escassas dimensões, em relação ao vasto edifício da igreja. Mais abaixo desta última capela, encontram-se mais duas, uma com a imagem de Nossa Senhora do Carmo; e a outra com a de São Simão Stock. Estas duas imagens são de magnífica escultura, e foram construídas na cidade do Porto. No corpo da igreja, e do lado da epístola, observa-se um lindo coreto alto, todo dourado e com um belíssimo órgão. Entre as alfaias deste templo, merece especial menção, como obra de arte e valor artístico, um cálice de prata dourada, com riquíssimos lavores, podendo ser considerado como o primeiro da ilha, e um pontifical bordado a ouro fino com um pálio de oito varas, formado da mesma fazenda. A cem metros de distância da igreja, e para o lado direito, está o cemitério, com uma superfície de trinta e cinco ares, pouco mais, de terreno, tendo ainda por dividir a quarta parte do espaço que ocupa. Seguindo pela estrada, nos conduz para a Vila da Praia, encontra-se, à distância de duzentos metros, pouco mais ou menos, a ermida de Nossa Senhora dos Remédios, levantada por José Vieira da Areia, com o produto de esmolas alcançadas em toda a ilha. Diz a tradição que José Vieira da Areia, tendo sido perseguido na ilha do Pico, terra da sua naturalidade, por um crime que lhe imputavam, conseguira fugir para esta ilha, escondendo-se numa furna, que ainda hoje existe debaixo do adro da ermida, encontrando lá a imagem que ainda se venera no dito templo. Reconhecida a sua inocência, e livre para sempre do seu acanhado e pouco confortável cárcere, Vieira da Areia percorreu toda a ilha implorando a caridade pública, e à custa de muito trabalho, ergueu uma pequena ermida a Nossa Senhora dos Remédios, cumprindo assim o voto que fizera nas horas mais amarguradas da sua vida. Tendo sido destruída a 15 de junho de 1641, conseguiu Vieira da Areia levantá-la de novo, sendo o retábulo e a imagem de pedra. Hoje, pertence a seu neto o reverendo Agostinho Vieira da Areia, digno cura na freguesia das Fontinhas. A freguesia das Lajes é atravessada por duas ribeiras: a dos Pães, ao centro, e a da Areia, no limite desta freguesia, para o lado da Vila Nova. Comunica com a Vila da Praia e Vila Nova pela estrada litoral; com São Brás, por um ramal que vai terminar na estrada da Agualva, e com as Fontinhas, pela canada deste nome, e outras que já enumerámos. É digno de menção, nesta freguesia, uma furna, situada a seis metros abaixo do solo, onde existe uma nascente de água potável, e para onde se esgotam as águas do lado do nascente da freguesia, que não encontram ribeiras. A indústria principal das Lajes, era, até há pouco tempo, o álcool fabricado


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numa importante fabrica de destilação, situada para o lado do mar e que começou a funcionar em 1893. Hoje já não funciona. O comércio reduz-se a cereais, que abastecem o mercado de Angra, e como a área desta freguesia é grande, e a sua terra muito produtiva, recebeu o nome de Ramo Grande. A sua população é de 2:717 habitantes, distribuídos por 739 fogos. São Brás A dois quilómetros, pouco mais ou menos, da freguesia das Lajes, está um pequeno povoado, situado mais para o interior da ilha, denominado São Brás, e constituindo um curato sufragâneo da freguesia antecedente. O Padre Cordeiro, na sua História Insulana, refere-se a este povoado, que, naquela época, constituía a cabeça de um morgado, que possuía Francisco de Bettencourt, um dos ascendentes do ilustre angrense Vital de Bettencourt Vasconcelos, tendo este último cavalheiro cedido a igreja à junta de paróquia das Lajes, que a reconstruiu e ampliou. Tem uma só nave, e na capela-mor, onde está o Sacrário, vê-se também a imagem de Nossa Senhora do Pilar, tendo aos lados o Sagrado Coração de Jesus e São José. Abaixo do cruzeiro, existem dois altares, recentemente construídos: um, do lado do evangelho, com a imagem de São Brás, orago da ermida, e o outro, do lado oposto, com Santa Filomena. As suas alfaias são modernas e de muito valor artístico. O comércio, nesta localidade, reduz-se à venda de cereais, e não tem indústria alguma. Vila Nova A pouco menos de cinco quilómetros, distante das Lajes, fica a freguesia de Vila Nova, uma das mais opulentas e industriosas, nos primitivos tempos desta ilha. É das freguesias mais alegres que se encontram à beira-mar, possuindo hoje um grande número de bons edifícios, por entre os quais passam novas ruas bem alinhadas. É paróquia anterior a 1482, e antiga residência de algumas famílias nobres da ilha Terceira, e entre elas, a de João da Silva do Canto. Pretendendo o capitão do donatário da Praia, Antão Martins Homem, fazer deste lugar uma vila, os seus habitantes a isso se opuseram, alegando que os encargos se tornavam grandes, e que por isso preferiam que fosse o melhor lugar da ilha, a ser elevada à categoria de vila.


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A sua igreja paroquial, situada num ponto elevado, é anterior a 1482. Era, ao princípio, dividida em três naves; mas foi quase por completo transformada e reconstruida em 1882, ficando de uma só nave. O seu orago é o Espírito Santo. Na capela-mor vê-se uma bonita imagem de Nossa Senhora da Conceição, sobre uma peanha ao centro, e sobre o altar, o Sacrário. Na parede lateral da igreja, do lado do evangelho, notam-se duas capelas, uma com a imagem de Cristo Crucificado, e a outra, onde se coloca acidentalmente o Sacrário. Do outro lado, existem também duas capelas, uma, com a imagem de Nossa Senhora do Rosário, e a outra, com a do Senhor dos Passos, cujo vestuário é talhado e pintado em madeira, tendo aos lados as imagens de São Francisco e Santo António. Sobre o para-vento da igreja, corre um coreto, onde está um harmonium. As alfaias são boas, modernas e de valor artístico. Na canada do Boqueirão, fica o novo cemitério, ainda em construção, sendo o antigo, contíguo à Misericórdia com cento oitenta e cinco sepulturas. Dirigindo-nos para o porto desta freguesia, encontramos, sobranceiro a ele, uma ermida antiga de Nossa Senhora da Ajuda, inaugurada a 4 de fevereiro de 1542, e sendo seu fundador Heitor Homem da Costa. Ultimamente era propriedade de um seu descendente Manuel Homem da Costa Noronha, já falecido, que a entregou à junta de paróquia para administrar as diminutas ofertas que o povo ali vai depositar. Em 1571 foi estabelecida uma Misericórdia na Vila Nova, pelo fidalgo João da Silva do Canto, legando-lhe quatro moios de renda, que hoje ajudam a manter o Asilo de Mendicidade de Angra; e como vestígios desta instituição, só resta hoje, na praça da freguesia, uma pequena ermida do mesmo nome, com um só altar, onde estão as imagens de Cristo Crucificado, Nossa Senhora da Madre de Deus, orago da dita ermida, e São Mateus. A freguesia de Vila Nova, está limitada por duas ribeiras: a da Areia, que a separa das Lajes, e a da Agualva, da freguesia do mesmo nome. É atravessada por uma só ribeira, denominada das Pedras. A estrada litoral atravessa esta freguesia de oriente a ocidente, e dá comunicações com as demais freguesias onde toca. Há também a estrada que parte do centro do povoado, e vai ligar-se, no lugar denominado a Barraca, com a estrada do Cume da Praia, pondo-a em comunicação directa e rápida com a cidade. Além destas comunicações, há o Caminho do Meio, cruzando com a estrada que vai para Angra, no lugar chamado Pico da Rocha, e orlando a freguesia em toda a sua extensão do lado do sul. Começando do lado oriental, logo ao sair das Lajes, temos a canada


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dos Capins, a dos Venturas, mais adiante, a dos Escaleiros, a da Bernardo, e por último a do Boqueirão, que vai para Angra. No centro da freguesia existe ainda o antigo arruamento, desempedrado e, em lugares, bastante tortuoso. O novo, formado pelas ruas do Cabouco, das Covas, do Passal, da Misericórdia, do Rego e a Rua Primeira, cortadas por travessas correspondentes, obedece a um plano moderno, e torna a freguesia mais vistosa e alegre, salientando os bons prédios que ali se encontram. Na parte alta, junto e para além da igreja, encontram-se as seguintes canadas: da Igreja, das Pedras, de António Inácio, de Aleixo Gil, e por último, o Caminho da Ribeira da Agualva, ladeando a ribeira do mesmo nome. Possui também um pequeno porto de mar com barcos de pesca. A população desta freguesia é de 1:810 habitantes, distribuídos por 456 fogos. Não tem indústria própria, e os seus habitantes entregam-se à agricultura e comércio de cereais, batata doce e peixe.


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