Memória sobre a ilha Terceira/IV/XX
CAPÍTULO XX Viação e águas Viação Nos primitivos tempos da ilha Terceira, as comunicações terrestres eram deficientíssimas. Pequenos carreiros, através dos matos ou sobre as rochas, serviam apenas aos primeiros habitantes da ilha, para se comunicarem. Com o aumento da população, e o seu alargamento por toda a ilha, sobreveio a necessidade de abrir novos caminhos, onde melhor lhes convinha, mas sem método nem orientação. Pouco ou nada nos diz a história sobre os primitivos trabalhos de viação dos terceirenses, e apenas se sabe que, em 1503, pouco mais ou menos, sob a administração do corregedor Afonso de Matos, foram traçados os caminhos do Fanal e de Cima, em Angra, e o do Mato, que ia terminar nas Quatro Ribeiras; e em 1679 se construiu uma estrada, a partir do Forte das Chagas, na Vila da Praia, até ao fim da baía, e dali, pelo lado sul, até à Ribeira Seca. Esta estrada, que hoje está substituída por uma outra de macadame, servia para a comunicação dos fortes, que existiam nesta parte da costa terceirense. Dinis Gregório de Melo, o 2.° Capitão-General, mandou também abrir estradas em volta da ilha, notando-se ainda hoje alguns desses lanços, quase intransitáveis. Foi Aires Pinto de Sousa, Capitão-General, o primeiro que mandou construir uma estrada militar que ligasse a cidade de Angra com a Vila da Praia, e foi depois o seu sucessor, Francisco António de Araújo, quem a completou, mandando também construir a ponte da Ribeira Seca.
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Desde então para cá, a ilha Terceira tem-se enriquecido de estradas novas e boas, formando uma rede, quase completa, estabelecendo uma comunicação fácil e rápida entre todas as freguesias rurais e a cidade. Seguindo a divisão estabelecida para as estradas, em Portaria de 30 de julho de 1862, temos: Estradas Reais Estrada Real n.° 1 Começa no Largo de São Bento, e, caminhando em volta da ilha, vem terminar no Largo Quatro de Março, vulgarmente conhecido pelo nome de Portão de São Pedro. Neste percurso, pão em comunicação todas as freguesias do litoral da ilha, e tem de extensão 76:102 metros. Desta estrada partem os seguintes ramais: Um para o Porto Judeu; Um para o Porto Velho, freguesia de São Sebastião; Um para a Ribeira Seca; Um para o Porto Martins; Um para o porto de Vila Nova; Um para o porto dos Biscoitos (Canada do Porto); U para o Penereiro (Serreta) onde se projeta a construção de um farol; Um para o porto de Santa Bárbara; Um para o porto das Cinco Ribeiras; Um para a igreja paroquial de São Mateus; Um para a canada do Capitão-Mor. Estes diversos ramais, perfazem uma extensão de 29:610,5 metros. Estrada Real n.º 2. ou Estrada Militar Começa no Largo do Desterro e atravessa todo o bairro do Lameirinho até ao lugar da Pateira, de onde se dirige para o nascente, indo encontrar a estrada de Val-de-Linhares, num pequeno largo denominado Ponte do Reguinho. Daqui, dirige-se para nordeste, costeando o Pico Redondo, e vai terminar na Vila da Praia da Vitória, tendo passado pela Achada, onde se projetou estabelecer um curato, e quase no fim o Pico do Seleiro, que tão célebre se tornou no combate de 4 de outubro de 1828. No seu começo está o bairro do Lameirinho, de recente data, e com tendência para aumentar. Mais adiante, encontram-se algumas quintas notáveis pela sua grandeza e tratamento, sendo, como principais: a da Vinha Brava e a da Nasce Água. Esta estrada tem de extensão 19:107 metros e fornece os seguintes ramais: Próximo do lugar denominado a Barraca, parte um ramal para a águalva, indo terminar na Vila Nova, na Estrada Real n.° 1. Deste ramal partem outros dois: um para as Lajes, passando pelo curato de São Brás, e mais adiante um outro para Vila Nova, pela Canada do Boqueirão.
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Finalmente, no fim do 13.° quilómetro, um outro ramal para a freguesia das Fontinhas, pela canada do Camelo e Ladeira da Pena. Estes ramais perfazem uma extensão de 28:929,32 metros. Estrada Real n.° 3 Atravessa a ilha do sul ao norte. Começando no lugar da Pateira, dirige-se para o norte. até à freguesia dos Altares, onde encontra a Estrada Real n.° 1. No seu percurso atravessa o Pico da Bagacina, e em frente aos Picos Gordos fornece um ramal, a Canada do Caldeira, que atravessa a freguesia dos Biscoitos, indo terminar também na Estrada Real n.° 1. Esta estrada tem de extensão 16:024 metros e o seu ramal 6:348 metros. Todas estas estradas e ramais, que acabámos de enumerar, perfazem uma extensão de 176:121,17 metros. Pelo Decreto de 30 de março de 1876, a Rua de São Pedro, Largo Onze Agosto, Rua da Sé, Praça da Restauração, e as Ruas de D. Maria Amélia e de D. Carlos I, foram consideradas como fazendo parte da Estrada Real n.° 1. Em 1857 começou-se a construir a atual estrada Bernardino Machado, à beira-mar, e que, partindo do Cais da Figueirinha, vai terminar no Porto de Pipas. Completou-se em 1890 e tem 1:259 metros de extensão. Estradas Municipais Concelho do Angra do Heroísmo Neste grupo estão compreendidas as várias canadas e caminhos, descritos nos capítulos antecedentes, e que estão a cargo do Município de Angra. Encontram-se infelizmente, na sua maior parte, em péssimo estado de conservação e algumas quase intransitáveis; e é para lamentar que a Câmara não possa, por falta de recursos, completar e aperfeiçoar essas pequenas comunicações, do que resultaria, sem dúvida alguma, um grande benefício para a população da ilha Terceira. A extensão atual das estradas municipais, no concelho de Angra, é de 181:715 metros, dos quais: Estão construídos 40:606 metros; Terraplenados 30:439 metros; Por construir 110:409 metros.
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Concelho da Praia da Vitória Neste concelho, cujo município tem um rendimento inferior ao de Angra, estão em pior estado as estradas municipais. A sua extensão compreende 114:600 metros, dos quais estão construídos pouco mais de doze quilómetros. Águas A água potável da ilha Terceira distingue-se pela sua limpidez, frescura e leveza, tornando-se agradabilíssima ao paladar. Destituída, quase por completo, de sais calcários, devido à natureza vulcânica dos Açores e às camadas de terreno permeável que atravessa, apresenta poucos sais, aproximando-se mais da água destilada do que da verdadeira água potável, necessária para a alimentação. É, de todas as ilhas dos Açores, a mais rica em água, e pena é que não seja aproveitada convenientemente em benefício das poucas indústrias que possui a ilha Terceira. O meio acanhado em que vive a sociedade terceirense, associado ao desdém dos nossos dirigentes políticos, por tudo o que possa engrandecer uma terra e elevar um povo, são os fatores únicos do nosso atraso material. É por isso que, a cada passo, encontramos desperdícios de água, podendo ser facilmente, e sem muito dispêndio, aproveitada como motor nas indústrias, na iluminação, etc., etc. Arraigados aos velhos costumes dos nossos avós, sem pretenderem possuir uns leves conhecimentos de higiene, consentem e determinam que os encanamentos de água potável continuem a ser feitos nos clássicos canos de barro da indústria local! E, no fim de anos, pela humidade da terra e da corrente constante de água no interior daqueles encanamentos, tornam-se as suas paredes completamente permeáveis, e muitas vezes perfurados pelas raízes das árvores que lhes ficam próximas, deixando passar para o seu interior tudo o que possa estar em solução nos líquidos da terra. Em muitos pontos, passa o encanamento à superfície da terra, até chegar à cidade, onde penetra nas arquinhas, verdadeiros focos de imundície, para dali ser distribuída a água por outros encanamentos de chumbo ou barro, para as diferentes casas particulares. Estas arquinhas, resguardadas do exterior por um pequeno tampo de madeira ou ferro, existem, em muitas ruas, à superfície dos passeios, e por cima delas passam, em dias de muita chuva, as enxurradas, levando consigo tudo o que possa existir nas ruas. E no interior da cidade, nessas pequenas
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ruas tortuosas e estreitas, lá passa o encanamento de água potável ao lado do esgoto e às vezes em plano inferior. Mas contra isto nada se tem dito, nem se tenta fazer, na atualidade, porque as nossas autoridades atendem mais aos desvarios políticos do que à higiene pública! Passemos agora à enumeração das fontes de água potável que possui a ilha Terceira nos dois concelhos de que é formada. A primeira água que encontraram os primeiros habitantes desta ilha foi a da Ribeira de Frei João, na Vila de São Sebastião, e foi dela que primeiro se utilizaram, não só para a sua alimentação e usos domésticos, como também para a moagem de cereais. Mais tarde, em 1704, descobre Inácio Ferreira da Costa uma outra veia de água, na mesma Vila, e que ainda hoje corre no fim da Rua das Flores. Foi esta água que se encanou para o chafariz do Arrabalde, em 1821. Em 1575 ou 1576, descobriu-se a fonte no Posto Santo, conhecida pelo nome de Fonte da Telha, porque naquele último ano procedia-se ao seu encanamento, e em 1605 construiu-se o Cano Real. Foi na parte de Angra que começou a haver água corrente em alguns chafarizes, e só em 1557 é que foi permitido o encanamento para a Vila da Praia. Desde então até hoje, tem-se descoberto varias fontes de água potável, e que constam do mapa seguinte:
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A maior parte destas fontes derivam da grande Caldeira ou Caldeirão, existente no centro da ilha, e que é por assim dizer o principal e verdadeiro reservatório de água potável, pois que sendo plana e sem escoamento para a água das chuvas, vão estas infiltrando-se em terreno poroso até encontrarem as camadas impermeáveis, sobre as quais caminham até formarem uma abertura para o exterior, que, qualquer que ela seja, ficará sempre em plano inferior ao terreno da Caldeira. Já não sucede o mesmo nos outros pontos da ilha, onde o grande número de ribeiras, que nós enumerámos nos capítulos antecedentes, conduzem rápida e facilmente a água para o oceano. Águas Minerais Em 1803, foi descoberta na freguesia das Quatro Ribeiras, uma fonte de água mineral, junta ao mar, que, durante muito tempo, foi empregada no tratamento de moléstias cutâneas, e é conhecida pelo nome de Água Santa. Esta água, a que atribuíam curas maravilhosas, foi mais tarde analisada pelo distinto médico, já falecido, o Dr. Nicolau Caetano de Bettencourt Pita, que só lhe encontrou os sais provenientes da água do mar, tais como o cloreto e carbonato de sódio, pequenos vestígios de cal e ácido carbónico. Foi também empregada no tratamento das dispepsias, mas está hoje posta de parte, por se reconhecer a sua ineficácia. A verdadeira fonte de água mineral que possuímos é a denominada Água Azeda, situada na Serreta, no lugar da Fajã, e na parte inferior da alta e escarpada rocha que limita esta freguesia. Foi descoberta em 1855, e nesse mesmo anuo analisada pelo abalizado médico o Dr. José Augusto Nogueira Sampaio, que lhe determinou a seguinte composição química: acido carbónico, cloreto de cálcio e de sódio, sulfato de cal, sais. terrosos, alumina, magnésia, e ácido hidro-sulfúrico. Com esta composição, pode colocar-se a par de muitas águas minerais, estrangeiras e nacionais, tais como as de Vichy, Seltz, Nassan, Vidago, etc., tanto empregadas no tratamento das dispepsias, anemia, cloro-anemia, etc., etc. Em 1858 completava-se o caminho mandado construir pela Câmara de Angra, para aquela fonte, que, pouco depois, desapareceu por ter abatido parte da rocha; até que, em 1889, a Câmara mandou de novo restaurar a passagem, fazendo abrir na rocha uma escadaria com duzentos degraus, que também já não existem. Com grande dificuldade conseguem alguns dos habitantes da Serreta descer à fonte, que está em parte obstruída; e, pela negligência e desprezo das autoridades locais, ali permanecerá eternamente o que poderia ser útil aos terceirenses e, convenientemente explorada, uma fonte de riqueza para a ilha Terceira.
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Finalmente, na baía do Fanal, existe uma outra fonte de água termal, cujo sabor parece indicar a presença de sulfuretos, mas que ainda não foi estudada e é de poucos conhecida. Águas estagnadas — Possui a ilha Terceira as seguintes : A do Ginjal, junto ao Pico do Vime e perto da Lomba da Praia. É a maior de todas e que nunca se seca, tendo peixes de água doce em grande abundância. Lagoinhas, são duas quase da mesma extensão da anterior, e próximas à freguesia da Agualva, perto do Portal dos Ventos. Lagoa do Negro, por detrás dos Picos Gordos e defronte das Bagacinas. Além destas lagoas, encontram-se outras mais pequenas e de menor importância, servindo todas elas de bebedoiro ao gado.
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