Memória sobre a ilha Terceira/V/I/IX
CAPÍTULO IX Navegadores terceirenses do século XV Se abrimos este capítulo no decurso do nosso trabalho, foi porque a isso nos levou o seu valor histórico e a impossibilidade de tratarmos deste assunto em outro lugar mais competente. Se Portugal teve Vasco da Gama e a Espanha o seu Colombo, a ilha Terceira teve também os seus exploradores, medíocres é verdade perante a história, mas grandes e sublimes pelo que tiveram de lutar no acanhado meio em que viveram, sem o auxílio importante de uma nação, como tiveram aqueles navegadores insignes. E talvez permanecessem no esquecimento, se um açoriano ilustre, Ernesto do Canto, não fizesse realçar com a sua ilustrada pena, os seus serviços. É pois ao trabalho deste nosso chorado escritor, na importante publicação O Archivo dos Açores, que nos referiremos neste capítulo, que acabamos de abrir no nosso trabalho. As viagens empreendidas pelos nossos marinheiros de Portugal, fizeram despertar em alguns habitantes da ilha Terceira a mesma ideia e, levados pela ambição da gloria e de riqueza, intentaram, por vezes, descobrir novas terras para o ocidente, arriscando muitos a sua vida sem proveito algum para a sua pátria. Encontra-se, em primeiro lugar, João de Teive, filho de Diogo de Teive, lugar-tenente de Jácome de Bruges. Numa carta de doação das ilhas das Flores e Corvo, feita por D. Manuel e confirmada por D. João III, encontra-se o seguinte: «Outro sim nos praz e queremos que o dito Fernão Telles, tenha e haja, e assim seus sucessores, as ilhas que chamam das Flores, que pouco há que achara Diogo de Teive e seu filho João de Teive, e ele dito Fernão Telles ora houve por um contracto que fez com o dito João de Teive, [...].»
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É talvez o único documento que hoje existe sobre a descoberta da ilha das Flores, e como a dita carta é datada de 1475, e durante muitos anos apenas se conheciam sete ilhas dos Açores, tudo nos leva a crer que foi João de Teive o seu descobridor. Segue-se Fernão Dulmo, autorizado por carta de D. João III, de 3 de março de 1483, e que empreendeu várias viagens por descobrir a ilha das Sete Cidades, ao norte da Terceira, do mesmo modo que Gonçalves Machado, natural da Ribeira Seca. Francisco Ferreira Drummond, nos seus Anais da ilha Terceira, transcreve o seguinte trecho de Frei Diogo das Chagas, no seu Espelho Christalino, por por onde se vê que o espírito da navegação, em busca novas terras, data com os primeiros povoadores desta ilha: «[…] ofendido João Coelho (do Capitão João Vaz Corte-Real falecido em 1496) alguns anos depois preparando um navio com gente à sua custa saiu em descobrimento de novas terras, imitando seus irmãos Nicolau Coelho, Egas Coelho e Duarte Coelho, e suposto que lograsse o intento da empresa, dando com terras desertas na parte do sul, naufragou naquelas costas, perecendo com ele todos os seus, excepto dois marinheiros, que à ilha voltaram com a triste nova deste sucesso». O padre António Cordeiro, na sua História Insulana, refere-se também a Ayres Fernandes, que, vinte vezes foi à Índia como piloto, sem nunca ter arribado; seguindo-se-lhe depois seu filho Luís Ayres; e, finalmente, aponta como superior a estes Manuel Fernandes, o primeiro que descobriu a derrota de Portugal para Malaca, sem tocar na Índia, e João Fernandes que, em 1522, pouco mais ou menos, saiu do Pacífico pelo Estreito de Magalhães. Foi este navegador o que, com todas as probabilidades, descobriu a ilha de João Fernandes, defronte das costa do Chile, e que deu o nome de terra do Labrador, segundo a opinião do autor do Archivo dos Açores. Querem alguns escritores que a Terra do Labrador fosse descoberta pelos ingleses, e que a palavra «Labrador» proviera da qualidade do terreno por eles encontrada. Ernesto do Canto, baseado em documentos autênticos, pretende demonstrar que aquela terra fora descoberta por um terceirense de nome João Fernandes, que era lavrador na ilha Terceira. Num mapa da Biblioteca Ducal de Wolfenbüttel,1 encontra-se a seguinte legenda: «Tiera del Labrador. La qual fue descoberta por los inglezes, de la vila de Bristol e por que el que dio el aviso era lavrador de las islas de los Açores le quido este nombre».2
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Em 1501, no mapa da Biblioteca Oliveriana,3 encontra-se um cabo e uma ilha «Labradore» que no de Vesconte Maggiolo4 se afirma ser «terra do Rei de Portugal», o que equivale a dizer que foram os portugueses os primeiros a encontrá-la. Além disto, existem documentos autênticos de que João Fernandes, por alcunha o Lavrador da ilha Terceira, se unira com uns ingleses de Bristol, para fazerem explorações, visto não possuir os meios pecuniários para tais despesas, e que aqueles tinham ido povoar a Terra do Labrador.5 Alguns outros escritores querem que esta descoberta fosse feita por Gaspar Corte-Real, mas, tanto a carta de doação feita por El-Rei de Portugal, como em alguns mapas antigos, como o já citado, o mapa-mundi enviado ao duque de Ferrara em 1502 por Alberto Cantino, e um outro português, anterior a 1520, existente na Biblioteca de Munique,6 dão a Gaspar Corte-Real como descobridor da Terra Nova, e nada mais; enquanto que no lugar do Labrador se encontra a seguinte legenda: «Terram itam portugalenses viderunt a tamen non intraverunt», o que está em harmonia com o que nos diz a história acerca das viagens dos ingleses de Bristol àquelas paragens.7
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