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Memória sobre a ilha Terceira/V/I/VIII

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CAPÍTULO VIII Partida do D. António para a França; governo de Manuel da Silva; e tomada da ilha Terceira pelo Marquês de Santa Cruz Depois de ter desembarcado D. António, com todo o seu séquito, dirigiu-se para a matriz de São Sebastião, onde se celebrou a missa, partindo depois por terra para a cidade até chegarem ao portão de São Bento, onde D. António se apeou para receber os comprimentos das autoridades e nobreza da ilha Terceira. Depois do beija-mão, seguiu debaixo do pálio, montado num pequeno cavalo, a cujas rédea pegava o Conde Manuel da Silva, e ao estribo Ciprião de Figueiredo; e assim se dirigiram para o convento de São Francisco, onde esteve hospedado uma só noite, partindo no dia seguinte para o palácio da Rua do Marquês. Durante os poucos dias que ali esteve, conheceu o erro que cometera em ter substituído o seu íntimo amigo, Ciprião de Figueiredo, por quem nada sabia de administração pública; e quão infundadas eram as queixas que contra ele tinha recebido. Além deste desgosto, que bastante o impressionou, recebeu também a notícia da derrota da sua esquadra na ilha de São Miguel, e do papel vergonhoso que lhe prestara a esquadra francesa, que, além de fugir uma grande parte na ocasião do combate, uma outra, refugiando-se na ilha do Faial, sob o comando do Sieur Deslandres,1 saqueou a cidade, voltando por fim a Angra, onde D. António despediu o comandante do seu serviço. A pouco e pouco foram chegando os navios de guerra franceses e ingleses, alguns dos quais não tinham entrado em combate, por terem chegado tarde; com este pequeno reforço tranquilizou-se o espírito de D. António, que julgara a sua causa já perdida.


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Durante o tempo que permaneceu nesta ilha, visitou D. Violante do Canto, filha do nobre João da Silva do Canto, a agradecer-lhe o oferecimento que lhe fizera da sua fortuna para o auxiliar na sua empresa; e dali percorreu os edifícios principais da cidade, e, por último, as fortalezas construídas em toda a ilha, admirando a boa defesa estabelecida por Ciprião de Figueiredo em toda a costa do sul, bem como na Vila da Praia, onde esteve hospedado no convento de São Francisco. Voltando à cidade, mandou cunhar nova moeda, com uma cruz de Malta nas cruzes, e duplicando-lhe, pouco depois, o valor, para poder satisfazer aos numerosos compromissos tomados com os navios estrangeiros, que permaneciam ancorados na baía de Angra, e a tropa aquartelada na cidade. Mandou também abrir as janelas e portas aos jesuítas, obrigando-os a embarcar para Inglaterra e substituindo-os por outros que trouxera na sua companhia. Fez soltar da cadeia alguns presos, aos quais Manuel da Silva tinha infligido torturas; e, não podendo passar em silêncio tais barbaridades, admoestou asperamente o procedimento despótico do Conde, dizendo-lhe: «Vós, Manuel da Silva, não quereis ser Conde, nem que eu seja Rei; os vossos excessos assim m'o fazem persuadir; primeiro fui D. António, que rei D. António». Em fins de agosto aparecia em frente à baía de Angra a esquadra do Marquês de Santa Cruz, com novos reforços, e composta de sessenta navios, pouco mais ou menos, com o fim de prender D. António e acabar de vez com a resistência da ilha Terceira. Estimulados com a presença do seu Rei, prepararam-se os terceirenses para resistirem à esquadra, impedindo o desembarque dos emissários do Marquês de Santa Cruz; e com tal energia o fizeram que o comandante da esquadra desistiu da empresa e voltou para Lisboa onde o Marquês esperava aprontar novas forças. Aproximava-se o inverno, época de grandes temporais nos mares dos Açores; e vendo D. António que podia ficar detido na ilha Terceira, resolveu partir com a sua esquadra para França, onde esperava adquirir novos reforços. Restaurou os navios deteriorados no combate naval em São Miguel, mandou recrutar três mil homens em todas as ilhas que lhe eram adeptas, e juntamente com o seu amigo Ciprião A Figueiredo e alguns fidalgos que lhe não eram afeiçoados, deixou a ilha Terceira, almejando ainda destronar Filipe II. Próximo da costa da ilha, sofreu a esquadra um grande temporal, que obrigou uma parte dos navios a refugiar-se em Lisboa onde ficaram prisioneiros, enquanto que outros foram ter à França e Inglaterra. D. António, a quem a má sorte nunca deixou de perseguir, voltou para a Terceira em fins de outubro com vinte navios, deixando a ilha Terceira entregue ao conde Manuel da Silva, com três mil soldados portugueses e mil e oitocentos franceses, com uma


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companhia de soldados ingleses, a cargo do capitão francês Carlos2 e do capitão italiano Baptista Fiorentino. Vendo-se Manuel da Silva senhor absoluto da ilha Terceira, e desprezando as admoestações e conselhos do seu Rei, começou de novo no seu governo despótico, enchendo as prisões de indivíduos que ele supunha inimigos de D. António e aos quais infligia toda a espécie de torturas que imaginava. Longe de cuidar da administração pública e de angariar os meios indispensáveis para a sustentação da soldadesca estacionada na ilha Terceira e demais ilhas dos Açores, começou por desfalcar consideravelmente os cofres públicos, que já estavam em precárias circunstâncias, ostentando uma vida principesca no seu palácio, como se fora um vice-rei. Poucos dias depois da partida de D. António para França, chegava ao porto de Angra, por via de São Miguel, uma embarcação de Lisboa, com Amador Vieira, portador de umas cartas de Filipe II, para seu primo, aconselhando-o a desistir da sua pretensão, pelo que faria várias concessões honrosas para a ilha Terceira. Conseguiu o Conde Manuel da Silva chamar a si o portador Vieira; e, com grandes promessas de honras e dinheiro, obteve as cartas de D. Filipe, que guardou depois de as ler, e sem as enviar para França, como era do seu dever. Valendo-se do carácter vil de Amador Vieira, tornou-o seu confidente, obrigando-o a espionar aqueles de quem desconfiava como adeptos de D. Filipe e os que se recusavam obedecer às suas ordens despóticas. Não se descuidou aquele infame delator do seu papel; e, constando-lhe que o cidadão Melchior Afonso havia contratado um navio, ancorado na baía de Angra, para conduzir umas cartas a D. Filipe, travou relações com aquele conjurado, fingindo-se fervoroso adepto de El-Rei e propondo-lhe também a fuga para Lisboa. Em tais palavras, que pareciam sinceras, acreditou Belchior Afonso denunciando-lhe a conjuração e as indicações que davam a D. Filipe, para o desembarque na costa de São Mateus, por ser o ponto menos guarnecido. Informado o Conde Manuel da Silva deste segredo, deu logo ordem para a prisão de Melchior Afonso, a quem foram apreendidos todos os papéis; e não contente com isto, submeteu-o a torturas, mandando também reduzir a auto as suas declarações. No dia seguinte foram-lhe sequestrados os bens, e o réu condenado à forca, depois de ser arrastado por um cavalo nas ruas da cidade. Teve lugar a execução na forca do cais de Angra, sendo-lhe depois cortada a cabeça e posta numa estaca atravessada no torreão da Câmara, e o corpo esquartejado, sendo-lhe também colocados os pedaços em cada um dos portões da cidade. Perante esta horrorosa execução, em que se denota a malvadez e perversidade do Conde, indignou-se toda a cidade de Angra e espalhou-se o terror em toda a ilha Terceira, que até ali não presenciara cena tão indigna. Os próprios parentes do condenado, e que eram partidários de D. António,


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procuraram Manuel da Silva para te pedir que mandasse retirar a cabeça de Melchior Afonso do poste onde estava, por ser o lugar mais público; mas foram infrutíferas as suas súplicas, pois que só puderam alcançar do tirano a seguinte resposta: «Para que é tanto porfiar nisso? A cabeça de Melchior Afonso só dali será tirada quando se puser a minha: fiquem disto todos desenganados, e não se cansem mais!». Estas palavras repletas de malvadez e cinismo, constituíram uma profecia para a sua própria pessoa. Pouco tempo depois era com efeito substituída a cabeça de Melchior Afonso pela do Conde Manuel da Silva. Além de déspota no seu governo e de perdulário na sua administração, foi também um aventureiro e ambicioso. Julgando alcançar grandes riquezas, mandou organizar uma pequena armada de dez navios, comandada por Manuel Serradas, natural da ilha da Madeira, e, com bandeira portuguesa, fê-la sair ao corso em nome de D. António. Dirigiu-se esta flotilha pare a África ocidental, indo ter a ilha de Arguim, onde deram assalto ao castelo, tirando-lhe todas as munições de guerra e artilharia, apreendendo também muitos navios que estavam ancorado porto. Esta ilha está situada na África ocidental, entre o Cabo Branco e o Cabo Mirick. Foi descoberta em 1443 por Nuno Tristão, e em 1449 construiu-se o castelo, sendo a primeira fortaleza levantada naquelas paragens. Fundou-se também naquela época a feitoria, que se tornou muito importante pelo grande comércio com o interior de África. Hoje pertence à França.3 Na volta, aportaram às ilhas de Cabo Verde, onde saquearam também, retirando-se depois a Terceira, onde foi altamente censurado o seu procedimento pela gente sensata da ilha. Decorreram os primeiros meses de 1583, sem incidente algum externo, quando a 11 de junho fundeavam oito navios no porto de Angra, bem artilhados, conduzindo um importante reforço de tropa, enviada por Henrique de França a pedido de D. António, e sob as ordens do comendador Du Chaste.4 Foi imponente o desembarque dos soldados franceses, que caminhavam por entre o povo que se acumulara no cais e ruas da cidade para os ver e que constantemente levantava calorosos vivas ao Rei de França, a D. António e a Du Chaste, ao mesmo tempo que das janelas as senhoras lançavam flores sobre o comandante. E assim marchou a tropa para o seu quartel, onde foi encontrar os seus compatriotas que ali estavam desde o ano antecedente. No dia seguinte conferenciou o comendador com o Conde Manuel da Silva, sobre a defesa da ilha, indo ele mesmo em pessoa reconhecer as fortificações e pontos de desembarque, encontrando o contrário do que dissera D. António a Sua Majestade o Rei de França. Urgia tomar-se uma resolução


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enérgica com os poucos e deficientes elementos que lhe proporcionava Manuel da Silva, para fazer frente a um inimigo poderoso e com melhor tropa. A instâncias do Conde, e talvez com o firme propósito de diminuir as forças de Du Chaste, de quem não era afeiçoado, foram destacadas para a ilha do Faial, quatro companhias francesas e uma inglesa, sob o comando do capitão Carlos de Bordeaux.5 Na Terceira ficaram assim distribuídas as tropas nacional e estrangeira: em Angra, o capitão Baptista com uma companhia de noventa homens, e o capitão Brevel com outra de oitenta e alguns portugueses, para guardarem as saídas da cidade; desde o Monte Brasil até São Mateus, os capitães Bazet e Capon, com cem homens e duas companhias de portugueses; na Casa da Salga, o capitão La Valade com quarenta homens e uma companhia de portugueses; no forte de Santa Catarina das Mós, o capitão Bourguignon com cinquenta homens e duas companhias de portugueses; no forte do Pesqueiro dos Meninos, o capitão La Grave com sessenta homens e uma companhia de portugueses; no forte de São Francisco, em São Sebastião, o capitão Louis com quarenta homens e uma companhia de portugueses; mais adiante, o capitão Campagnol com sessenta homens e três companhias de portugueses; no começo do Porto Martins, o capitão Chonin, com quarenta soldados e marinheiros e duas companhias de portugueses; no Cabo da Praia, o capitão Campols, com oitenta homens e uma companhia de portugueses; na Praia, o comendador Du Chaste com as companhias dos capitães Laste, Aremissac, la Barre, e Lignerol, que eram de cem homens cada uma, e quatro companhias de portugueses; em Vila Nova, o capitão Lahan Rochelois, com vinte marinheiros e uma companhia de portugueses; nas Quatro Ribeiras, um sargento do capitão la Barre, com quinze homens; nos Biscoitos, o capitão Armando, com sessenta homens, o mestre de campo com urna companhia de noventa homens e mil portugueses e o capitão Pomyne com trinta e cinco homens. Dispostas as forças de que podia dispor o comendador Du Chaste, pela forma que acabámos de enumerar, começaram os franceses e ingleses no saque de algumas casas, obrigando os seus moradores a refugiarem-se no interior da ilha. Apesar de sofrerem o respetivo castigo os autores de tais atentados, não deixou de lavrar a discórdia entre o Conde Manuel da Silva e o comendador Du Chaste e a indisciplina da tropa, a ponto dos seus comandantes terem de empregar os meios mais enérgicos de repressão. No dia 26 de junho de 1583 saía de Lisboa a grande esquadra, composta de quarenta e quatro navios de grande lotação e outros mais pequenos, sob o comando de D. Álvaro de Bazán, Marquês de Santa Cruz, tendo como mestres de campo D. Lopo de Figueiroa, D. Francisco de Bobadilla e D. Juan de Sandoval; e por comandante dos alemães, o Conde Jeronymo


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de Londrom, dos italianos Luigi Pignatelli e Ludovico Afflicto, e dos portugueses D. Félix de Aragão.6 A 3 de julho avistaram a ilha de São Miguel, onde o Marquês mandou embarcar, nas galeras ancoradas no porto de Ponta Delgada, dois mil homens sob o comando de D. Agostinho Iniguez e toda a artilharia disponível; e, aproando à ilha Terceira, só puderam ser avistados no dia 23, pelo lado do norte, por lhes ter sido contrário o vento com que puderam navegar. Ao ser avistado o primeiro navio, deram logo sinal os vigias colocados nas montanhas, e ao passar da armada, pela baía da Praia, tocou-se a rebate, dispondo-se as milícias para combate, do mesmo modo que na Vila de São Sebastião e em Angra, quando se dirigiram os navios para o ocidente, a fim de reconhecerem a costa. Na sua passagem, pela baía de Angra, viu o Marquês a pequena esquadra de Du Chaste, ancorada, e como não encontrasse ponto favorável para o desembarque, voltou para leste, indo dar fundo na enseada ou baía das Mós, protegida por um lado, pelos ilhéus da Mina, e pelo outro, pela ponta de Santa Catarina das Mós. Durante a noite mandou o Marquês sondar a pequena baía; e com o auxílio dos traidores terceirenses, que furtivamente tinham ido para bordo dos navios castelhanos, pôde marcar os pontos mais fáceis para o desembarque e saber quais as forças que estavam ali distribuídas. No dia 25, reuniu-se a bordo o conselho de guerra, no qual se resolveu o plano do Marquês de Santa Cruz, que consistia em fazer o desembarque na madrugada do dia seguinte, e calar as fortalezas daquela baía, ao mesmo tempo que o resto da esquadra simularia falsos ataques, noutros pontos, a fim de distrair as tropas de terra. Tentou também, D. Álvaro de Bazán, submeter a ilha Terceira, com meios pacíficos, enviando na manhã do dia 25 um emissário a terra, com várias promessas de perdão e concessões para os habitantes da ilha, o qual teve de retroceder para bordo, debaixo do fogo que lhe foi disparado das fortalezas. De tarde, tentou novamente mandar dois emissários terceirenses, que tinham sido aprisionados em São Miguel, com cartas para o Conde Manuel da. Silva e cópia da amnistia geral. Com muito custo seguiram por terra até às portas de São Bento, onde estava o Conde com a sua cavalaria, e depois de exporem o motivo da sua presença e lido o conteúdo das ditas cartas, respondeu-lhes verbalmente Manuel da Silva, que voltassem para bordo e que dissessem da sua parte ao Marquês de Santa Cruz, que, confiado em Deus, esperava repelir as forças castelhanas e ver restaurado Portugal. Desesperado com tais respostas, decidiu-se o Marquês de Santa Cruz atacar a ilha Terceira à força armada; e, antes de despontar o dia 26, já uma força de quatro mil homens, sob o comando de D. Francisco de Bobadilha,


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e Agostinho Iniguez, se dirigia apressadamente para o porto das Mós, onde chegaram sem serem apercebidos. Logo que foi avistado o assalto das tropas inimigas, começou o tiroteio dos fortes sobre a força do segundo desembarque, não conseguindo impedir, pela pouca guarnição que tinham, o desembarque do Marquês de Santa Cruz com a sua tropa. Vendo o Marquês que as primeiras divisões já tinham desembarcado, mandou tomar à escalada o forte de Santa Catarina, um dos melhores pontos estratégicos, donde facilmente conquistaria os laterais, e desta forma protegeria o resto da sua força, que caminharia pelo desfiladeiro situado entre o Pico das Contendas e o dos Cornos. A luta foi renhida de parte a parte e sob a colossal força inimiga, ficou esta de posse dos ditos fortes, devido ao desleixo e imperícia do Conde Manuel da Silva, que não soube ou não quis mandar reforços ao ponto principal do ataque. Ao meio dia, já tinham desembarcado dezasseis mil homens da armada castelhana, enquanto que Manuel da Silva só podia dispor de oito mil, próximo do campo da batalha, em melhores posições estratégicas, pois que, bem distribuídas pelos dois picos acima mencionados, podia facilmente bater o inimigo de flanco, cortar-lhe a retirada pela Salga e com uma boa artilharia no alto do desfiladeiro facilmente varreria o inimigo. A imperícia do general em chefe deu lugar a que as nossas forças terceirenses fossem repelidas dos dois picos, e, querendo talvez salvar o erro que acabara de cometer, indicou a Du Chaste o mesmo estratagema empregado por Ciprião de Figueiredo. Foram lançadas duas mil vacas e touros sobre o inimigo, às 4 horas da tarde, sendo perseguidas pela cavalaria e infantaria; porém, ao aproximarem-se das fileiras espanholas, ordenou o Marquês que deixassem passar os animais e que logo se unissem, fazendo frente ao inimigo. A luta tornou-se ainda mais renhida, e próximo da noite, tinham conseguido os nossos bravos soldados assenhorearem-se da artilharia dos fortes, deixando incerta a vitória. Parecia que a boa estrela continuava a seguir os terceirenses. Manuel da Silva, que sempre andara de má fé com o comendador Du Chaste e prezando mais a sua vida do que a ilha Terceira, a quem competia a sua defesa, abandonou o campo da batalha, com o falso pretexto da hora adiantada e de escolher melhor posição durante a noite. Combinou com o comendador concentrar-se a força de terra na montanha vizinha, a um sinal dado por um tiro de peça, e, aproveitando a escuridão da noite, dirigiu-se à cidade, onde esperava encontrar uma pequena caravela, por ele construída no Porto de Pipas, fugindo da ilha e deixando-a em poder do inimigo. Vendo frustrado o seu intento, porque, na cidade, tinham presumido a sua traição e impedido a saída da pequena embarcação, refugiou-se na freguesia


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dos Biscoitos, onde esperava encontrar algum barco que o conduzisse à Graciosa, para de lá seguir para o estrangeiro. Do mesmo modo nada conseguiu, porque as mulheres daquela freguesia, conhecendo o seu intento e odiando o Conde que era até ali o carrasco da ilha Terceira, destruírem, com as suas próprias mãos, o barco que encontraram no porto, ficando Manuel da Silva impossibilitado de realizar a fuga. Depois do sinal convencionado, à uma hora da noite, marchou Du Chaste com a sua tropa para o local indicado, não encontrando lá a artilharia prometida nem o Conde; e, apesar de reconhecer a traição da parte deste, continuou na sua marcha até à Agualva, onde bivacou e soube da fuga de Manuel da Silva. Começava a raiar o dia 27 de julho, quando os nossos bravos soldados, não vendo a artilharia nem as forças de Du Chaste, reconheceram a traição do Conde e começaram a desertar para as fileiras inimigas, ficando apenas dois mil homens fazendo frente ao inimigo, que, em grande número e sabedores do que se passara durante a noite, facilmente desalojaram os terceirenses, alcançando a vitória. A heroica ilha Terceira, que tão nobremente soubera até ali sustentar os direitos de D. António, repelindo por mais de uma vez o inimigo, caía agora pela traição mesquinha de um general inepto e de alguns dos seus filhos, perante o Marquês de Santa Cruz! Senhor da ilha Terceira, marchou D. Álvaro de Bazán para Angra, permitindo ao seu exército o saque das povoações por onde passavam, até que, próximo da cidade, foram recebidos com alegria por se julgar serem os terceirenses vitoriosos. Reconhecido o erro, tiveram algumas famílias de abandonar as suas casas e refugiar-se no interior da ilha.


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