Memória sobre a ilha Terceira/V/III/I
CAPÍTULO I Instalação do novo sistema governativo Arvorada a bandeira portuguesa no castelo de Angra, reuniram-se os capitães-mores com outros oficiais mais graduados, para elegerem o governador interino da fortaleza, enquanto El-Rei não fizesse a nomeação definitiva. Recaiu a escolha no capitão-mor de Angra João de Bettencourt de Vasconcelos, cavalheiro respeitável pela sua linhagem e cargo que ocupava, e que se tornara distinto na luta travada contra os castelhanos. Era desconhecida em Lisboa a vitória alcançada pelos terceirenses; e, enquanto se preparava convenientemente o alojamento para os castelhanos, mandava D. João IV partir para a ilha Terceira uma pequena armada, composta de sete caravelas com trezentos soldados e munições de guerra, vindo como general de mar e guerra António de Saldanha, a quem El-Rei dera plenos poderes para o cerco do castelo e com cartas para as principais autoridades. Pertenciam estes navio à grande armada que D. João IV mandara em 7 de janeiro de 1641 socorrer a ilha Terceira, sob o comando de Tristão de Mendonça, a qual, sendo alcançada por um grande temporal, parte desaparecera e outra arribara a Portugal. Em fins de março de 1642 chegava ao porto de Angra o general António de Saldanha, quatro dias depois de ter partido para Lisboa o capitão-mor, Francisco de Ornelas da Câmara, encarregado de relatar a El-Rei a vitória dos terceirenses. Não gostou o general de saber a rendição do castelo, pois desejava alcançar para si os louros da vitória; e sabendo dissimular o seu despeito mostrou-se contente com todos, sendo recebido com todas as honras duma pessoa real. Acompanhado pela Câmara, nobreza e povo, dirigiu-se,
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debaixo do pálio, para a Sé Catedral, onde foi cantado um solene Te Deum e dali partiu para o Castelo de São Filipe, onde o governador interino lhe entregou as chaves da fortaleza com todas as formalidades do estilo. Instalado no seu novo posto de governador, com superintendência em todas as ilhas dos Açores, viu bem António de Saldanha o espinhoso cargo que lhe estava confiado e a árdua missão que tinha a cumprir. A vitória alcançada pelos terceirenses enchera-os de soberba e suscitaria a inveja a muitos, que se julgavam os únicos merecedores dos louros. Apareceram as malquerenças e as queixas perante o general Saldanha: e esse grande homem, com a afabilidade que o tornou distinto e a sagacidade que possuía, conseguiu aplacar os ânimos exaltados, ouvindo a todos e fazendo-lhes a justiça imparcial que julgou conveniente. E com este seu procedimento conseguiu em pouco tempo tornar-se estimado por todos, pela boa administração que empregou. Tendo recebido uma Carta de El-Rei, datada de 5 de julho de 1642, ordenando-lhe que seguisse imediatamente para Lisboa, levando na sua companhia todos os navios que estivessem de viagem para Portugal, não quis o general António de Saldanha abandonar a ilha Terceira sem cuidar da sua fortificação, como lhe tinha já pedido a Câmara de Angra Mandou construir um forte na parte oeste do Monte Brasil e reparou toda a fortificação que havia na costa, deixando-a em bom estado de defesa e convenientemente artilhada; e, antes de partir, entregou o regimento por onde se devia guiar o mestre de campo Manuel de Sousa Pacheco, nomeado por El-Rei, governador e capitão-mor dos Açores, com sede em Angra. Em fins de setembro partiu de Angra o general Saldanha, com toda a infantaria e cavalaria que pôde recrutar em todas as ilhas dos Açores, chegando a Lisboa no fim de poucos dias. Ficou assim instalado o novo sistema governativo dos Açores, que passaram a ter por chefe, um capitão-general e governador, com superintendência em todos os ramos de administração pública. O poder judicial ficou existindo nas mãos de dois juízes, que presidiam à Câmara Municipal, sendo eletivos como os mais vereadores daquela corporação. Ao primeiro competia os processos cíveis, e ao segundo os do orfanológico. O governo policial da ilha ficou a cargo do corregedor, a quem subiam, por apelação, as causas julgadas pelos juízes, indo as de maior vulto para a Relação de Lisboa. A força militar, de 1.ª linha, de guarnição do castelo, ficou a cargo ao governador. Em cada concelho, um capitão-mor, superintendendo na força da ordenança dentro da sua capitania. Pouco tempo depois da saída do general Saldanha, eram recebidos em Angra vários alvarás régios, a que o governador teve de dar execução. Os
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principais foram: um, obrigando os militares a residirem dentro da fortaleza;outro, mandando pagar impostos aos géneros consumidos no castelo; outro, mandando construir a ermida de São João Baptista dentro da fortaleza; outro, mudando o nome do castelo, que passou a denominar-se «de São João Baptista»; outro, isentando a Câmara de comparecer perante o capitão-mor; e, finalmente, o seguinte alvará, bastante honroso para a cidade de Angra: «Eu El-Rei faço saber aos que este Alvará virem, que, entre os capítulos particulares, que o Procurador da Cidade de Angra, Ilha Terceira, me ofereceu, nas Cortes que celebrei nesta Cidade, no ano de 1642, foi um em que me pediu, em nome dos juízes, vereadores, procurador do concelho, juiz do povo, e procurador dos mesteres da dita Cidade, que lhe desse o nome de «Sempre Leal Cidade», e que tenha lugar em Cortes; e que seja de primeiro banco. E visto o que me representou o dito Procurador, hei por bem de conceder à dita Cidade de Angra, que se possa nomear, e tenha o título de «Sempre Leal Cidade», pelo haver assim merecido por sua muita lealdade com seus Príncipes naturais. — E quanto ao assento das Cortes, já nelas foi assinado. — E este Alvará se cumprirá, como nele se contém; o qual se registará no Livro da dita Câmara e o próprio estará no cartório dela a toda boa guarda; e me praz que valha, tenha força e vigor, posto que seu efeito haja de durar mais de um ano, sem embargo da Ordenação do livro 2.° título 40 em contrário. — Manuel do Couto o fez, em Lisboa, ao 1.° de Abril de 1643. este vai por duas vias. — Uma só haverá efeito. — Jacinto Fagundes Bezerra o fez escrever.» Foram também galardoados os seguintes terceirenses, que se tornaram distintos durante o cerco do castelo de Angra: Francisco de Ornelas da Câmara, agraciado com a comenda São Salvador de Penamaior, em 12 de abril de 1642; João de Bettencourt de Vasconcelos, filho de Vital de Bettencourt de Vasconcelos, com a comenda de Santa Maria de Tondela a 12 de abril do mesmo ano, e o foro de fidalgo a 20 de maio de 1644, continuando a exercer o cargo de capitão-mor de Angra, do mesmo modo que Francisco de Ornelas na Praia; Sebastião Cardoso Machado, tenente do castelo, com o hábito de Santiago, a 14 agosto e foro fidalgo a 27 maio de 1643; Amaro Rodrigues, uma pensão de 30$000 réis;
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Francisco Duarte, nomeado almirante da armada, que veio à ilha Terceira e pensão à sua família, a 30 de julho de 1642; Manuel do Canto Teixeira, nomeado capitão duma companhia e 40$000 réis duma capela, em 16 de agosto e sargento-mor da Vila da Praia a 13 de fevereiro de 1654; Cristóvão Borges da Costa, agraciado com o hábito de Cristo e uma pensão de 40$000 réis, a 16 de agosto de 1642; Manuel Fernandes de Melo, nomeado recebedor em Angra a 9 de setembro do mesmo ano e uma conezia na Sé para seu filho a 17 de maio de 1643; Manuel Gonçalves Carvão, agraciado com o hábito de Santiago e uma pensão de 20$000 réis, a 20 de setembro de 1642 e tesoureiro do imposto de guerra a 22 de junho de 1654; Sebastião Correia de Lorvela, com o hábito de Cristo e uma pensão de 20$000 réis a 20 de setembro, fidalgo cavaleiro no 1.° de março de 1662 e doação das casas do Marquês de Castelo Rodrigo a 20 de agosto de 1667; João do Canto de Castro, agraciado com o hábito de Cristo e uma pensão de 40$000 réis a 9 de setembro; provedor das armadas e naus da Índia, na ilha Terceira, a 15 de outubro de 1642, e conselheiro de El-Rei, a 13 de março de 1665; Manuel Correia de Melo, mercê de uma capitania de naus da Índia a 9 de setembro de 1642; hábito de Cristo a 16 de março de 1643 e pagador e almoxarife do castelo a 19 de janeiro de 1666; João Mendes de Vasconcelos, foro de fidalgo cavaleiro a 27 de maio de 1643; Luís Diogo Leite Botelho, fidalgo cavaleiro a 29 de janeiro de 1678; Vital de Bettencourt de Vasconcelos, hábito de Cristo a 27 de agasto de.1643. Tendo ficado exaustos os cofres públicos com as grandes despesas da guerra, providenciou El-Rei mandando cunhar nova moeda e carimbar a já existente, aumentando-lhe o valor. Para isso mandou o corregedor Gaspar Mouzinho Borba com os poderes de montar na ilha Terceira uma casa própria para o cunho da moeda, passando depois às outras ilhas, exceto São Miguel.
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