Memória sobre a ilha Terceira/V/III/II
CAPÍTULO II A ilha Terceira durante o reinado de D. João IV Estabelecido o novo regime de governo, procedeu-se na ilha Terceira à eleição de um representante às Cortes de Lisboa, sendo escolhido o fidalgo angrense Francisco Correia de Ávila. Foi pela primeira vez que se procedeu a esta eleição, que teve lugar nas três cantaras da ilha, com assistência das três classes do estado: clero, nobreza e povo. Por esta ocasião achava-se em Lisboa Francisco de Ornelas da Câmara, capitão-mor da Vila da Praia, aonde tinha ido participar a El-Rei a fausta notícia da rendição do castelo de São Filipe. Concedeu-lhe El-Rei várias honras, como vimos, mandando-o também colocar à direita do trono, na ocasião da receção do paço, e apresentando-o a toda a Corte. Esta distinção, raras vezes concedida por El-Rei, e que mostrava o alto apreço em que era tido Francisco de Ornelas, despertou a inveja a muitos terceirenses, entre os quais estavam alguns parentes e o procurador da Fazenda, Agostinho Borges de Sousa. Subiram perante D. João IV várias queixas contra o capitão-mor da Praia, alcunhando-o de traidor à pátria, pela maneira como pretendeu alcançar a rendição do castelo. Assim pagavam os terceirenses a sua liberdade! Encerrado num cárcere e obrigado a responder no prazo de cinco dias, não pôde Francisco de Ornelas da Câmara, distante como estava da sua pátria, desfazer tais calúnias. Fora, finalmente, condenado à morte aquele que arriscara a sua vida pela liberdade da pátria, consentindo em tão abominável sentença um Rei que ele fizera aclamar em todas as ilhas dos Açores, e que poucos dias antes o colocara a seu lado! Cruel ingratidão, triste humanidade! No dia destinado para ultimar a sentença, estando presentes no tribunal
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os magistrados, que tão cruelmente iam ferir um herói e um inocente, entrou na sala uma pomba branca, e, esvoaçando por sobre a mesa, fez tombar o tinteiro, cuja tinta foi inutilizar por completo a sentença. Vendo Francisco de Ornelas neste acontecimento a realização do voto que fizera ao Divino Espírito Santo, prostrando-se de joelhos, agradeceu ao Altíssimo este milagre. Causou assombro entre os juízes este facto, que foi logo participado a El-Rei, mandando-se imediatamente sustar o processo, e ordem ao governador do castelo de Angra Manuel de Sousa Pacheco, para que informasse do que soubesse contra Francisco de Ornelas. Da sua resposta, que foi lida nos tribunais, reconheceu-se ser uma vil calúnia levantada contra o capitão-mor da Praia, que foi unanimemente absolvido e reintegrado no seu cargo e mercês já conferidas. Voltando à Terceira mandou construir a ermida do Espírito Santo, da qual já falámos. Nas Cortes celebradas em Lisboa, entre vários assuntos que se discutiram, apareceu uma representação das Câmaras terceirenses, para que aos atuais governadores não fossem conferidos poderes superiores aos que tinham os seus antecessores, visto que Manuel de Sousa Pacheco, investido no cargo de capitão-mor dos Açores, com superintendência em todos os ramos de administração pública, se tornara um vice-rei, exorbitando dos seus deveres. Vendo El-Rei o descontentamento dos terceirenses, resolveu modificar as atribuições dos governadores, ficando só o governador do castelo com o nome de capitão-mor e pensou em fazer substituir Manuel de Sousa Pacheco. Este, informado do que se passava, resolveu embarcar para Lisboa, antes que viesse o seu sucessor, o que não conseguiu, porque algumas autoridades da cidade que lhe eram afeiçoadas, a muito custo impediram a sua saída do castelo. Nas Cortes de 1642 foi também resolvido que as eleições das Câmaras continuassem como dantes, para se evitarem as odiosas provisões do Rei de Castela, e de só servirem nestas corporações os naturais da ilha. Com estas modificações administrativas, e com o novo modo de proceder do governador Manuel de Sousa Pacheco, pacificaram-se os ânimos dos terceirenses, que anteviam já uma época de renascença. Durou pouco tempo a moderação do governador: voltaram as intrigais e desavenças entre as autoridades locais, estabelecendo-se uma desarmonia completa entre Manuel de Sousa Pacheco e o corregedor Manuel Figueira Delgado, em matéria de jurisdição; e, quando o governador se dispunha a recorrer perante El-Rei, recebeu um Alvará datado de 22 de dezembro de 1643, ordenando ao governador dos Açores que se abstivesse de semelhantes procedimentos e de dar provimentos que somente competiam ao corregedor. Não gostou Manuel de Sousa Pacheco desta repreensão e despeitado
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com as três Câmaras da ilha Terceira, que já tinham pedido a sua substituição imediata, tornou-se mais excessivo nas suas atribuições, a ponto de chamar, à sua presença, os vereadores incorporados e obrigá-los a desviarem parte dos impostos para a construção da sua casa. Além disso, impediu a um negociante de Angra a exportação de trigo e mandou que os géneros consumidos dentro do castelo não pagassem direito algum, o que ia contra as ordens régias. Por estas e outras arbitrariedades, foi levado o juiz ordinário António Moniz Barreto a inquirir dos atos do governador e a fazer seguir um agravo para a Relação de Lisboa. Sendo ouvido o governador Manuel de Sousa Pacheco, deu, como defesa, a seguinte resposta: «Que ele não só guardava o castelo, roas também esta e as mais ilhas, e como tal lhe competia providenciar sobre tudo; que os vereadores distraíam o dinheiro das imposições para coisas diversas da fortificação, em que assentaram no ano de 1642, quando foram com ele em volta da ilha: e que agora lhe faltavam à palavra, motivo por que ele lhes fazia embargo na mão do tesoureiro; que se ele conhecia dos embarques dos cereais e farinhas, era para aquietar o povo, afim de que não acontecesse como no ano passado, em que este o fora impedir à mão armada, vendo-se ele governador nas duras circunstâncias de lhe sair ao encontro, para restabelecer a tranquilidade: o que só obtivera com grande trabalho, e risco da sua pessoa, enquanto eles vereadores se não moveram de seus lugares». Voltando novamente o processo à Relação, foi dada a seguinte sentença: «Agravados são os agravantes em se intrometer o governador nas matérias da jurisdição da Câmaras; provendo em seu agravo, vistos os autos, e como se mostra que aos vereadores pertence as despesas das rendas da Câmara e concelho: e outrossim as licenças do saque do trigo, e finalmente as visitas das vendas, para que suas posturas e bom regimento se guarde, em que o dito governador se não podia intrometer, mando que a nenhuma das sobre-ditas três coisas constranja aos vereadores, nem lhes impeça o exercício de seus cargos, e o tocante a eles; com declaração das licenças de trigo e mantimentos para fora lhe darem conta do que nisso obrarem, para se fazer em conformidade o mais que convier, para que não possa haver falta, vista a minha ordem pela qual mando assim ao dito governador. — Lisboa, 1.° de março de 1645». Semelhante procedimento teve o governador com a Câmara da Praia, que, a seu turno, apresentou a El-Rei suas queixas, sendo portador das representações o cidadão Pedro Cota da Malha, que fora chamado a Lisboa
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para informar D. João IV do que se passava na ilha Terceira com o governador Manuel de Sousa Pacheco. Foi durante a administração deste governador que teve lugar, em 1643, a fundação do convento dos religiosos de Santo António, onde hoje está o Asilo de Infância Desvalida, cujo terreno pertencia ao capitão Roque de Figueiredo., e se construiu também o forte do Bom Jesus, no ilhéu da Mina, por ordem da Câmara de São Sebastião. Só a 12 de março de 1645 é que El-Rei nomeou Miguel Pereira Borralho como governador do castelo e já sem o título de capitão geral e governador das ilhas dos Açores. Francisco Ferreira Drummond nos seus Anais da ilha Terceira, e José Joaquim Pinheiro nas suas Épocas Memoráveis da ilha Terceira dos Açores, dizem que Miguel Borralho rejeitara o cargo por saber das desinteligências e intrigas que existiam em Angra, mas que cedera às ordens terminantes permanecendo no governo do castelo até 1651, sendo então substituído por Francisco Luís de Vasconcelos. Parece-nos que estes distintos escritores se enganaram na história; porquanto a Carta D. João IV, ao governador de Angra, escrita a 17 de agosto de 1646, sobre o donativo da guerra, e arquivada no livro 1.° da Câmara de Ponta Delgada, fl. 444, é dirigida a Luís de Vasconcelos e não a Miguel Pereira Borralho.1 Daqui se conclui que a recusa deste último foi aceite por D. João IV e nomeado logo o primeiro, ou que, depois de chegar a Angra e vendo as desinteligências que existiam, pedisse no fim de poucos meses a sua substituição. Há ainda outra contrariedade em Drummond: diz que em 1645 fora provido no governo do castelo Miguel Pereira Borralho, e em 1646 figura ainda Manuel de Sousa Pacheco como governador, e nunca mais fala daquele. Ou de um ou doutro modo, o que se deduz da história é que a administração pública dos Açores estava longe de entrar no caminho legal, e que era difícil aplacar os ânimos dos terceirenses e regular as atribuições das autoridades. Durante os primeiros anos, após a vitória alcançada pelos terceirenses sobre os castelhanos, à custa de tantos sacrifícios, houve por bem El-Rei não exigir mais impostos à ilha Terceira, que ficara exausta. Não durou muito tempo esta trégua: no fim de quatro anos, em 1646, exigia-se nova contribuição de guerra, para sustentar o domínio português na África. Pobres açorianos, que tão cedo começavam no sacrifício pela sua mãe pátria! Libertava-se Portugal das garras de Castela, que, durante um período
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de sessenta anos lhe sugara o sangue e a riqueza, para cair nas mãos da Holanda, França e Inglaterra, assinando com elas contratos vergonhosos, deixando-se esbulhar da sua riqueza colonial e para quê? Unicamente para sustentar no trono um homem sem critério e sem ação própria, egoísta pela posição que ocupava perante a Europa e que, sem escrúpulo algum, sacrificava tudo à sua conservação. Os louros com que Portugal cingiu a sua fronte nos séculos XIV, XV e XVI, assombrando o mundo inteiro com as suas descobertas e conquistas, começaram por emurchecer durante o domínio castelhano, até caírem por completo durante uma dinastia que teve como chefe D. João IV. E neste declinar constante e rápido, os Açores, ainda que livres por enquanto da voragem insaciável das nações europeias, têm compartilhado da mesma decadência, isolados no meio do Atlântico, quase desconhecidos perante os seus irmãos continentais. Quando em 1642 os terceirenses quebravam as algemas da sua escravidão, gritando Liberdade!, não julgaram de certo que um triste futuro lhes estava reservado. Massacrados pelas autoridades que lhes enviava o seu Rei, vendo partir os seus filhos para as guerras de além-mar, assistiam, impávidos e submissos, à espoliação do seu dinheiro, que tantas fadigas e tanta fome lhes custara. Entendeu D. João IV que não bastavam os sacrifícios com que lutavam os terceirenses durante um ano, para consolidarem o seu trono: ainda queria mais. Em carta de 17 de agosto de 1646, dirigida ao governador de Angra, exigiu que a ilha Terceira contribuísse com 5:000 cruzados, por espaço de três anos. Reunidas as três Câmaras na Vila de São Sebastião, decidiu-se no fim de grande discussão que a capitania da Praia contribuísse com 420$000 réis, a Vila com 25$000 réis e o resto seria dos dízimos da capitania de Angra. De nada valeram perante as Cortes as súplicas dos deputados terceirenses, cuja influência deixava muito a desejar. Pequenas questões de administração pública entretinham a sua imaginação partidária, sem que lhes causasse o menor interesse o progresso material da sua pátria, o desenvolvimento da sua agricultura ou o progresso das suas indústrias. As formas eleitorais das Câmaras e misericórdias e a guarda do cais de Angra, tais foram os assuntos principais discutidos pelos deputados terceirenses, perante as Cortes do D. João IV! Começava mal para a ilha Terceira o ano de 1647: a 12 de janeiro, pelas quatro horas da manhã, sentiu-se em toda a ilha três pequenos abalos de terra, seguidos de um outro maior, causando grande pânico a todos os habitantes e sendo acompanhado de uma furiosa tempestade, que causou estragos em diversos lugares. Parecia que todos os elementos conspiravam contra a tranquilidade da ilha Terceira.
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Seguiu-se a este cataclismo uma estiagem assustadora, até ao mês de maio, e depois copiosas chuvas que destruírem quase por completo todas as sementeiras. A 9, 29 de junho e 4 de julho do mesmo ano, repetiram-se com mais intensidade os abalos de terra, arruinando muitas casas e templos de Angra e pondo em grande alvoroço os terceirenses, que buscavam nos campos um abrigo e proteção para as suas vidas. A fome batia-lhes à porta, porque o terreno se tornava estéril pelas copiosas chuvas da estação calmosa; as casas jaziam arruinadas pelos terramotos; e perante tanta calamidade permanecia impávido El-Rei D. João IV! Foi este ano denominado «da fome e dos terramotos». Perante El-Rei subiram as súplicas de um povo fiel à sua pátria e que agora lutava com o maior flagelo da vida: a fome, pedindo-lhe a isenção do imposto da guerra, exigido um ano antes. Reuniram-se as Cortes de Lisboa para a solução de tão grave assunto; e pela vez primeira mentia o soberano português aos seus fiéis vassalos, prometendo-lhes auxílio e ao mesmo tempo ordenando ao governador do castelo que, sem demora, enviasse para Lisboa todo o dinheiro existente em cofre e fora dele, pertencente aos anos de 1646 a 1648. Neste mesmo ano de 1647 chegava à ilha Terceira, como sindicante da Fazenda Pública, o desembargador Diogo Ribeiro de Macedo. Dos seus atos despóticos e da sua ambição excessiva resultaram conflitos graves com as autoridades locais, tanto de Angra como da Praia, pelo que chegaram às mãos de El-Rei várias queixas contra o abuso da sua jurisdição. Reunido o conselho de fazenda em Lisboa para dar o seu parecer sobre as representações das Câmaras terceirenses, foi resolvido enviar-se ao sindicante Diogo de Macedo, a seguinte resolução em 1650: «Fazendo-se consulta a Sua Majestade que Deus tem em glória pelo tribunal do desembargo do paço em 10 de janeiro de 1650, sobre as queixas que os oficiais das Câmaras da cidade de Angra e da Vila da Praia fizeram a Sua Majestade por suas cartas, dos procedimentos com que se havia o desembargador Diogo Ribeiro de Macedo, que esteve com alçada naquelas ilhas, de que procedera informação, e resposta do desembargador Tomé Pinheiro da Veiga, procurador da coroa: Foi Sua Majestade servido, conformando-se com o parecer da dita consulta, deferir por resolução de 28 de abril de 1650, rubricada pela sua real mão: Que sobre a matéria da queixa que os moradores e Câmaras da ilha Terceira têm contra o desembargador Diogo Ribeiro de Macedo, e outros particulares que nos papéis se trata, o corregedor deve devassar: e que no 2.° ponto que o dito corregedor não pode tomar as contas. das imposições dos vinhos e azeites, e dois réis aplicados para as fortificações, porquanto não pertence este rendimento à fazenda de Sua Majestade, antes é do povo e Câmaras, que o impuseram sobre si: e deste dinheiro toma
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conta o corregedor da comarca, e corre pela mesa do desembargo do paço e não pelo conselho de fazenda, etc. De que passei a presente certidão por mim assinada em cumprimento do despacho atrás, e me reporto à dita consulta, e resolução dela». Continuou o desembargador no mesmo cargo, sem que lhe causasse o menor abalo a repreensão de El-Rei, até que mais tarde lhe foi ordenada a partida para Lisboa, nos seguintes termos: «Desembargador Diogo Ribeiro de Macedo. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Há tantos tempos fostes do reino, que ainda que as diligências que leváveis para fazer nessas ilhas foram maiores, bastante lugar havia de lhes teres dado fim; e por convir ao meu serviço atalhar as despesas e gastos, que com vossa assistência se estão fazendo nessas mesmas ilhas, vos quis advertir, como por esta carta o faço, que em recebendo vos recolhais logo a vossa casa, vindo vós na primeira ocasião que se oferecer de vos poder desembaraçar [...]». Passaram-se dois anos sem haver alteração na tranquilidade e sossego do povo terceirense. Tinham sido substituídas as autoridades, com geral agrado do povo, e durante este espaço de tempo souberam apaziguar os ânimos um pouco exaltados pelas dissidências particulares. Em 1652 completava-se o majestoso edifício dos jesuítas em Angra, e no dia 27 de julho daquele ano, era conduzido o Santíssimo Sacramento para o novo templo de Santo Inácio de Loyola, com grande pompa e riqueza, concorrendo àquela procissão todo o clero, comunidades, confrarias e autoridades. É curiosa a seguinte descrição que nos deixou o Padre Manuel Luís Maldonado daquela solene procissão: «[...] Nela saíram as imagens dos santos que haviam de existir nos altares das capelas da igreja, em seus andores armados com tal capricho, que foi louvado o artifício, e admirado o custo das joias com que iam brincados; e sobretudo, o que mais excedeu e realçou, foi a compostura da gala de nove figuras, que representavam o nome e validade destas ilhas dos Açores, vestidas e trajadas no seguinte modo, que exponho para dar gosto aos curiosos: — Era a primeira a Ilha de Santa Maria, que se adiantava às mais por ser a primeira dos Açores que foi povoada. Vestia à trágica com roupas de primavera, espartilho com guarnição de pérolas e morrião de plumas em que se via gravada a cruz do hábito de Cristo; cujas empresas denotavam ser do mestrado daquela Ordem: levava um pendão por modo de troféu com um algarismo que dizia «1432, aos 15 de agosto», como dizendo que naquele mês e ano fora povoada.
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— Seguia-se São Miguel. com roupas varonis, e peito espaldar, morrião de plumas, bastão de general, escudo abraçado com um algarismo que dizia «1444, a 8 de maio», denotando no bastão que dera generais na guerra, títulos na Corte, e no algarismo que naquele mês e ano fora povoada. — Seguia-se a Terceira, significando ser a terceira na povoação; vestia roupas de tela guarnecidas de palhetão fino, espartilho de ricas e preciosas joias; ornada com coroa e ceptro, mostrando ser corte em que residiu o:senhor Rei D. António e que nela houvera Relação, Mesa da Consciência, Desembargo do Paço, e Casa da Moeda: era sua insígnia uma palma em sinal das vitórias que teve contra os castelhanos, expulsando-os de si, e que nesta mesma palma, levava a palma às mais ilhas no trato, abundância, e fidalguia: abraçava um escudo, que dizia «1450», como dizendo, neste ano fora povoada. — Seguia-se o Faial com roupas varonis de várias e diversas cores, e trunfa de Bretanha, significando assim que fora o seu primeiro povoador flamengo. Ornava-se com espada e rodela, mostrando que já se vira em guerras em que padecera as opressões que nelas se experimentam; e levava por insígnia um ramo de faia unido a uma folha de inhame, em que mostrava ser o «faial» seu brasão, e que dos frutos da outra planta se mantinha. — Levava o Faial ao seu lado esquerdo o Pico, em que mostrava serem aquelas ilhas ambas povoadas em um tempo: vestia o Pico à trágica, com gala varonil de menor custo, meias e alparcas, dando a entender que já nunca em tempo algum passaria sem alparcas, e que por pobre e miserável lhe faltavam os cabedais para luzir com gala de mor custo; era sua insígnia uma parreira em que denotava o abundantíssimo fruto dos vinhos de que abundava; esta parra com submissão oferecia ao Faial, como confessando ser seu súbdito, e que dos frutos daquela parra, que eram seus, tinha o Faial os lucros. O que mais era para ver, e em que todos se enlevavam, foi na trunfa por modo de pirâmide de que se compunha a cabeça da figura do Pico, que como ser de uma desproporcionada altura era toda composta de aljôfar, significando na altura o alto e desproporcionado promontório de que se intitula, e na brancura do aljôfar a neve de que de ordinário e a todo o tempo está coberto. — Seguia-se São Jorge, com borzeguins, calção, samarra tudo de diversas cores, como dando a entender que foram diversos os seus primeiros cultores, e que por ser ilha tão áspera necessitava de botas e borzeguins: levava chapéu de várias e diversas plumas, com a jactância de que tinha parentesco como as principais famílias da Terceira, diversificadas nos nomes e apelidos. Era sua insígnia uma silva, confessando nela que fora o seu primeiro povoador Silveira. — Seguia-se a Graciosa vestida de roupas brancas, porque foi o seu primeiro nome a «Ilha Branca»: cingia um alfange pelo haver ganhado na
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ocasião em que fora de sete naus truquescas acometida, levava cabelo solto e cabeça descoberta, em sinal que é tão limpa que não contém em si mata alguma, nem palmo de terra que se não fabrique: era sua insígnia umas espigas de cevada, significando nelas que era aquele o fruto da sua mor cultura; ostentava no braço esquerdo um escudo de armas, denotando a nobreza dos seus primeiros, de que tomam hoje seus habitadores o nome de fidalguia, que não há nenhum que se não jacte de fidalgo. — Seguia-se as Flores, vestida à trágica, toda semeada de várias flores, com capela e grinalda, denotando nelas o seu nome. Levava por insígnia uma cruz, confessando nela a veneração do seu Senhor da terra, que é o Excelentíssimo Conde de Santa Cruz. De uma e outra banda levava um corvo, figurados com tal engenho e artifício, que não deferiam no parecer, e representação da semelhança daquelas aves; porque buscando-se dois negritos de igual altura neles se formou na parte extrínseca o corpo e feitio daquelas aves, que cobriram de pena com tal curiosidade, que parecia natural. Estes corvos denotavam o Ilhéu do Corvo sufragâneo daquela ilha. — Seguia-se finalmente a Ilha Encoberta, riquissimamente ornada, coberta porém de um ló branco finíssimo, significando assim de que não estava patente à vista. [...] — Fabricaram-se outrossim três altares públicos nas ruas da cidade, um na Praça, outro ao canto da Esperança, outro na rua de São João; estes, além do artifício, que foi com todo o primor da arte, levantados por modo de pirâmides, e o da praça em quatro lados correspondentes, foram ornados com as imagens mais perfeitas que se acharam em Angra, guarnecidos com peças de prata, púcaros e jarros, tudo em tanta cópia, que se poderia afirmar eram aqueles altares mais que de prata batida. Em tanta máquina quanto se há referido posta em público, patente à vista de todos, bons e maus, se procedeu com tal resguardo, e cautela que se não divertiu peça alguma, sendo a cousa única que faltou uma pequena parte de uma joia, que por mal segura se desuniu do principal, que refizeram os Padres com o gasto de dois ou três mil réis, sendo que se avaliava a perda dos furtos de tudo o que nesta ocasião saiu a público em muitos mil cruzados. — Recolhido o Senhor na sua nova igreja, esteve nos três dias seguintes exposto com todo o asseio e realce que convinha, assistido da melhor música que na terra se achava, e de toda a nobreza de Angra, que não faltou neste concurso de tanto empenho: cantou nestes três dias missa solene, sem diácono nem subdiácono, o Padre Reitor Pedro Barroso, que foi um dos mais celebrados religiosos que residiram até àquele tempo no Colégio de Angra, por suas letras, virtude, e prudência: houve pregação de manhã e de tarde em todos os ditos três dias.»
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Contíguo ao edifício, construiram os jesuítas o seu «pátio dos estudos», de que já falámos no capítulo XXV da parte IV deste nosso trabalho. Não durou muitos metes a tranquilidade entre os angrenses: durante ano de 1652 levantaram-se grandes dissidências entre a fidalguia de Angra por se ter suscitado novamente a questão do governo geral, tão discutida em 1643. Uns queriam um vice-rei para os Açores, com atribuições especiais e absolutas, enquanto que a maioria se opunha a tal arbitrariedade. Com esta luta partidária sofreu o povo terceirense, que, querendo pugnar pelos seus direitos, era massacrado pelos nobres, que chegariam a verdadeiros carrascos se acaso não existisse o Castelo de São João Baptista, cuja tropa impunha respeito. Para evitar as consequências funestas desta luta, reuniram-se as três Câmaras na Vila de São Sebastião, de que lavraram o seguinte auto no dia 13 de março daquele ano, resolvendo mandar a El-Rei uma representação: «Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1652 anos, aos 13 dias do mês de março, sendo na Câmara desta Vila de São Sebastião, em que se ajuntaram os oficiais da Câmara desta, e da muito nobre e leal cidade de Angra, e Vila da Praia, e desta dita Vila, a saber juízes e vereadores e procuradores, e juízes do povo, e procuradores dele, e muita nobreza desta ilha; — e todos juntos disseram que eles, em ordem para tratarem do que convinha ao bem público, era o representarem com toda a submissão por seu procurador que na Corte de Lisboa assiste, Tomé Correia da Costa, a Sua Majestade que Deus guarde, e para qual dar seu parecer pediram a Diogo do Canto de Castro, fidalgo da casa de Sua Majestade, e vereador mais velho, representasse o comum sentimento dos três estados desta ilha, o qual disse que havia pessoas que contra a honra, e bem comum, liberdade e mercês que nosso muito alto e poderoso Rei e senhor D. João IV nos fizera, em consideração ao zelo, valor e fidelidade portuguesa com que o serviremos, e botamos fora desta ilha o jugo castelhano, nos fizera mercê de nos isentar de governo geral, sendo por alguns grandes, e com instância procurado, e ora de presente era mais público, aos moradores desta ilha repartir o dito governo geral por particulares em reveses, e muito em dano do bem público, e comum, e serviço do dito Senhor, porque a experiência nos tem mostrado, em poucos dias que houve governo geral, em que a nobreza desta ilha e fidalgos dela foram muito mal tratados, e os povos vexados, e os oficiais da Câmara, perdendo-se-lhes o respeito com vexações, sem se lhes guardar suas liberdades e privilégios, tiranizando os ditos povos, e fazenda de Sua Majestade mal despendida, e desencaminhada, com a confusão que se deixa ver dos livros que estão nos Contos, e os ofícios da justiça providos em sujeitos incapazes: por cuja causa se não administrava com igualdade, e as mais
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praças da milícia: além da vexação das mais ilhas adjacentes obrigando-as a virem assistir nesta, emprazando-os sem causa, moléstias que Sua Majestade foi servido mandar estranhar, e fazer-nos Mercê de que não houvesse governo geral; e dado que entre os moradores destas ditas ilhas haja diferenças, as não há de validade que perturbem a república, porque acudindo as justiças ordinárias, e o corregedor da comarca os aquietam, e apaziguam, e as partes usam dos meios ordinários das leis, que são os mais brandos e suaves, e não os violentos do governo geral, que não lhes permitem nem consentem de usarem dos ditos meios, como vimos em os nossos vizinhos na ilha da Madeira; e nas queixas gastam os tempos em os tribunais; e para se ordenar ao dito procurador desta ilha o que dever requerer e impetrar de Sua Majestade, assim em ordem a não admitir requerimento nem tratar do governo geral, como em o mais que faz ao serviço do dito senhor, e bem comum dos moradores desta ilha, dissesse cada qual seu parecer, e com o mais se escrevesse a Sua Majestade, e se mandasse instrução ao dito procurador. — O que ouvido por todos se assentou que se escrevesse ao dito senhor, e com todo o afecto se lhe pedisse nos fizesse mercê, como Rei e senhor nosso, natural, conservarmos em a paz e quietação em que estamos, sem inovar governo geral, que será total ruína e destruição destas pobres e limitadas ilhas, pois com a junta do comércio não podemos mandar nossas farinhas e vinhos ao Brasil, do que nos vinha o retorno do açúcar, com ele as fazendas do norte de que necessitávamos, pois sem trato e comércio nos não podemos conservar. E que nos mande o dito Senhor deferir aos requerimentos do nosso procurador em os particulares da instrução que se lhe dará para que com breve despacho se possa recolher, e poupar os gastos que tem na Corte. — E de como assim o mandaram, de que foi feito este auto que todos assinaram comigo Bartolomeu Pacheco. — E declaro que assim o acordaram e assentaram. — Bartolomeu Pacheco Tabelião do público, judicial e notas em esta Vila de São Sebastião que o escrevi. — João Mendes de Vasconcelos — João do Canto de Castro — Diogo do Canto do Castro — Manuel de Barcelos Evangelho — João de Ornelas da Câmara — André Coelho Martins Fagundes — Francisco Pamplona Corte-Real — António Veloso — Inácio Toledo de Sousa — Diogo Alvares Machado — Pedro da Costa de Mendonça — Gaspar de Sousa Cardoso — António Coelho Falcão — Manuel Martins — Álvaro Pacheco de Lemos — Manuel Rodrigues Franco — António Valadão Franco — Manuel Martins Fenais — Gaspar Fernandes Machado — Manuel de Linhares — Sebastião Rodrigues Pacheco — João de Teive de Vasconcelos — Manuel Fagundes — Bartolomeu Dias Cardoso — João de Abarca — Francisco Ferreira — Francisco Alvares — Francisco Fernandes — Domingos Camelo — Pedro Toste Gato — Lourenço de Lima Cardoso — Sebastião Pamplona de Azevedo — Mateus de Távora Valadão — Gonçalo de Barcelos».
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Passaram-se alguns meses sem que El-Rei se dignasse responder ao povo terceirense, pelo que se reuniram novamente as Câmaras na Vila de São Sebastião, e assinaram uma segunda reclamação, insistindo sobre o pedido já feito e a supressão do castelo de Angra, e da qual lavraram o seguinte auto: «No ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos cinquenta e dois, em seis dias de novembro, em esta Câmara da Vila de São Sebastião da ilha Terceira de Jesus Cristo nosso Senhor, se ajuntaram os oficiais das Câmaras da muito nobre e sempre leal cidade de Angra, da Vila da Praia, e desta dita Vila, para com a nobreza desta ilha, na conformidade do seu antigo estilo tratarem do bem comum, liberdades e isenções concedidas, e por Sua Majestade que Deus Guarde aprovadas, e confirmadas. — E logo se propôs que o primeiro dia deste mês fora à Corte o capitão Manuel da Câmara impetrar se consignasse ao castelo os trinta mil cruzados do donativo com que estas ilhas contribuem para a guerra das fronteiras, obrigadas do amor e lealdade, que têm a Sua Majestade, sem reparo da miséria e pobreza ser a maior, assim por a guerra que fizeram aos castelhanos, até com morte de muitos reduzirem o castelo, como também pela esterilidade destes anos; com que tem subido com o excesso do preço dos mantimentos, e o comércio estar quase acabado por a proibição dos navios, e não se navegar para o Brasil as farinhas e vinhos, frutos destas ilhas. E por e referido esperam de Sua Majestade e sua grandeza, as alivie, e mande continuar o comércio para se não despovoarem, por a necessidade em que as vai reduzindo a falta do dito comércio, e maior com a guarnição do castelo, grande opressão a esta ilha, que espera não se defira ao governo geral, nem se admitam memórias contra seus moradores em prejuízo do comum; antes Sua Majestade mande conduzir às fronteiras, e nelas sustentar a guarnição do dito castelo com o rendimento das alfândegas, e se represente a Sua Majestade com toda a humildade a carta que Sua Majestade confirmou, e as mais provisões em favor desta ilha. — E que a defesa desta ilha consiste em seus moradores à borda de água defenderem os inimigos de saltar em terra, pois é certo que quem for dela senhor o será do castelo, como a experiência o tem mostrado, e a duas léguas da costa está o perigo de se perder a ilha, do Porto Judeu à Vila da Praia. Neste sítio botou D. Pedro Valdez seu exército, que nossos maiores destruíram com tal matança que conserva o sítio o nome de Casa da Salga. Pouco avante botou o Marquês de Santa Cruz sua gente, e ganhou a terra por traição, e não falta de valor de nossos antepassados, e nunca se atreveu acometer a cidade (sem ter o dito castelo) só com suas forças inexpugnável. — Nem a Sua Majestade, nem à ilha, é de utilidade o dito castelo, antes de despesa de trinta mil cruzados à fazenda real cada ano, e de grande avexação, e considerável perigo à ilha, por os soldados serem delinquentes, vadios, e criminosos,
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sem castigo; faltam na lavoura, e ofícios que haviam de assistir para com seus jornais sustentarem a vida sem cometerem delitos, por temor das justiças, de que estão isentos, contra o parecer do procurador da coroa, povo, e nobreza desta ilha; faltam nos assaltos, e faltarão no combate do inimigo à costa do mar, por assistirem ao castelo, a que são obrigados; e ao menos serão quinhentos homens bem armados, que bastarão a defender um dos pontos da costa, e a estes seguirão seus parentes, amigos, e familiares de oficiais maiores, com os que seguiram ou por lisonjeiros ou cobardes o governador, que se há-de fechar no dito castelo, por a menagem o obrigar a fazer assim: e com esta causa toma munições, petrechos, e bastimentos, tendo para a cidade, como se fosse inimiga, assestada a artilharia, que é justo estivesse dividida por os portos da costa mais arriscados, como esteve na perda da dita ilha, e tempo do Prior do Crato; se o castelhano tirou da dita costa a dita artilharia, e a mais que levou o dito Marquês, e a reduziu ao castelo, que fundou com cem mil cruzados, sessenta da coroa de Castela, e quarenta da de Portugal, foi por se não confiar dos moradores de que procedeu ter no dito castelo setecentas praças, e antes dele três mil homens de presídio, sustentados com as ditas rendas de Castela; estas razões não militam hoje, por Sua Majestade estar em conhecimento de nossas fidelidades, e o ódio que temos aos castelhanos, e assim não diremos presídio ao que serve de refrear inconfidentes, nem guarnição ao que não defende; será antes ocasião de ruína. — Querem os oficiais maiores dar a entender que é conveniente ao Estado a conservação do dito castelo, para ao som de uma peça de artilharia embarcarem cem homens a salvar o galeão Santa Elena, que veio da Índia, à vista desta ilha pelejou com o inimigo, sem em três dias na alfândega se fazer cinquenta. Ao que se responde que dando-se na alfândega só mil réis a cada soldado sobejarão soldados, e faltarão armas, por Sua Majestade não ter armazém na alfândega, de armas nem de dinheiro, por lho levar o dito castelo, mas sempre as naus da Índia, navios da Mina, e armadas foram por nós, e por nossos antepassados socorridas com grande valor, e o seria a dita nau com armas do armazém da cidade, que se pôs em armas, e esperou que se embarcasse os que ociosos fazem tanta despesa à Fazenda, e vexações aos moradores da ilha. — Como, se apontaram a Sua Majestade haver desavenças dos moradores e ministros? Ao que outrossim se responde que enquanto houverem homens haverá desordens (pena do primeiro pecado); mas são os moradores desta ilha (ao fim ilha de Jesus Cristo a quem se devem as graças) tão dóceis que há muitos anos se não cometeu nela morte, nem grave furto. — E a experiência tem mostrado que com capitães-mores foi destruído o exército do dito D. Pedro Valdez na Casa da Salga: com eles reduzido o castelo; e com governo geral entregue a ilha ao dito Marquês de Santa Cruz. Com os corregedores se administra justiça, com os provedores as alfândegas, e capelas com os resíduos; dão cada três anos residências; se
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é punido o desigual, agrava-se e usa-se dos meios ordinários da lei; porém os governadores Saldanha, Pacheco, Borralho não deram residências, nem para os mais há justiça, nem escrivão que continue o agravo, nem parente, ou amigo que requeira justiça, e embarcação em que se embarque a pobreza, que um governo tirano quis consumir, como acharam os moradores das ilhas vizinhas; pelo contrário, as de baixo a esta adjacentes se conservam com grande paz há duzentos anos, por serem governadas por capitães-mores, e isentas de governadores. — Acordaram se represente a Sua Majestade o referido, e com a carta junta lhe peçamos livre das opressões do castelo, que nos obrigam a ter na Corte há tantos anos ao capitão Tomé Correia da Costa, com mil réis de ordenado por dia; e a pedirmos ao cónego Pedro Verdeio acuda às vexações de sua pátria, dando-lhe para um agente assalariado 50$000 réis por ano; e que se lhes encomende e peça que logo instem e peçam a Sua Majestade, e a seus conselheiros e ministros importunem com memorial de nossa justiça, com as misérias da pobreza dos povos, com o grande merecimento de nossos serviços e fidelidade, que pode aos fiéis ser exemplar; e procurem se reduza a guarnição a somente cem artilheiros com o cabo prático, que os discipline, para Sua Majestade os ter para as armadas, e navios da Índia, e nossa costa, e sua artilharia que tem, e não estar em o estado presente tão arriscado como sabemos não convém praticar-se. — E por os sindicos dos conventos foi dito que em nome das preladas suas constituintes requeriam serem conservados os ditos conventos em suas liberdades, e com o clero e cabido tratarem de suas isenções. — Do que se fez este auto que assinaram, e dele mandaram dar os treslados que as de mais Câmaras quiserem, e nas desta ilha se botassem em tombo, e se enviasse a cópia aos ditos seus procuradores e se escrevesse às mais ilhas para recorrerem a Sua Majestade, que use com todos de sua natural clemência, e grandeza, e nos mande acudir, para que o dano não vá em aumento. — E que as Câmaras escrevam ao Conde de Vimioso, que como donatário patrocine a justiça deste requerimento. — Henrique Fernandes Froes escrivão da Câmara da dieta Vila o escrevi. — Diogo do Canto de Castro= Manuel Pamplona de Azevedo — Manuel de Barcelos Evangelho — João de Ornelas da Câmara — António de Sousa Pereira — Pedro da Costa de Mendonça — Gaspar de Souto Cardoso — António Coelho Falcão — Manuel Martins Fenais — Gaspar Fernandes Machado — Manuel Linhares — António Veloso — Manuel Rodrigues Franco — António Valadão Franco — O licenciado Francisco de Sá e Cunha — Pedro Álvares Pereira — Manuel Fagundes — Manuel Cordeiro Montoso — Manuel Sodré — O capitão João de Barcelos Machado — O capitão Bartolomeu Gato Vieira — Manuel Vieira Cardoso— Mateus de Andrade — Afonso Fernandes — Francisco Albernaz — Francisco Fernandes — Bartolomeu Dias — António Faleiro — Francisco Ferreira — Domingos Camelo — O capitão André Coelho — Pedro Toste Gato —
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O capitão João Pacheco Machado — Aleixo Pacheco — António Cardoso — Amaro de Mendonça — Baltasar Afonso — Bartolomeu Pacheco — Álvaro Machado — Baltasar Gonçalves — Sebastião Rodrigues Pacheco — Manuel Gonçalves Leonardes — João de Freitas Garros — Sebastião Martins Rebolo». Após a segunda representação, resolveu D. João IV consultar o procurador da coroa, Tomé Pinheiro da Veiga, obtendo os angrenses, em 1654, o seguinte alvará régio, concedendo apenas a isenção do governo geral: «Eu El-Rei faço saber aos que este Alvará virem que havendo resposta ao que me foi proposto pelos procuradores das Cortes da cidade de Angra, ilha Terceira, nas que celebrei nesta cidade de Lisboa em 22 de outubro de 1653, pedindo-me no capítulo primeiro, que fosse servido que naquelas ilhas não houvesse Vice-Rei, nem governador, pelos inconvenientes que se me tinham representado em todas as Cortes passadas; e que eu havia de achar que o governo que de presente havia nas ditas ilhas era o que mais convinha, por ser o mesmo com que os criaram os senhores reis meus primogenitores; e pelas razões que me representaram e as mais que sobre esta matéria em as Cortes passadas me foram apontadas: — Hei por bem de conceder o que no dito capítulo se concede; tendo juntamente consideração ao merecimento da fidelidade, e satisfação que tenho de como sempre se governaram os moradores da dita ilha; e quando se ofereça ocasião em que convenha alterar-se esta resolução se não tomará dela assento, sem ser ouvida a câmara da dita Câmara de Angra, tendo-se sempre respeito ao favor que folgarei de lhe fazer. — E este Alvará se cumprirá como nele se contem, e valerá posto que sem efeito haja de durar mais de um ano, sem embargo da Ordenação do Livro 2.° t.° 4, em contrário. — Manuel do Couto o fez em Lisboa a 15 de junho de 1654; — e este vai por duas vias. — Jacinto Fagundes Bezerra o fez escrever. — Rei. — Há Vossa Majestade, […]». Durante este período de tempo continuaram as desinteligências entre algumas autoridades, salientando-se o governador do castelo com o contador de fazenda Manuel Vieira Cardoso e com a Câmara de Angra, chegando a intervir com a força armada nalgumas eleições. Daqui resultou uma queixa do senado angrense, assinada a 20 de setembro de 1653, contra o governador do castelo Francisco Luís de Vasconcelos, fazendo ver que «os moradores da cidade mereciam ser estimados e não perseguidos e vexados pelos governadores quando com o poder das armas tiravam a jurisdição». Estas queixas repetidas de tal modo impressionaram o governador, que veio a falecer em 1654, odiado pelos terceirenses, que maltratara com o seu governo despótico. Ficou exercendo interinamente o cargo de governador o
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tenente Sebastião Cardoso Machado até 1655, em que morreu, sucedendo-lhe António do Canto e Castro. Neste mesmo ano de 1654 desembarcava em Angra o insigne orador sagrado o Padre António Vieira, que regressava do Maranhão. Durante o pouco tempo que aqui permaneceu, fez ouvir a sua eloquente palavra na igreja da Sé, onde pregou o sermão do Rosário, e na ermida da Boa Nova onde ensinou a cantar o Terço. Em vários pontos da ilha fez algumas missões, deslumbrando a todos com a sua palavra. Em 1656 aparecia na ilha Terceira, pela primeira vez, a terrível epidemia da varíola, vitimando um grande número de crianças e alastrando-se com grande rapidez por todas as freguesias. A medicina daquela época reduzia-se simplesmente à combustão de louros e ervas medicinais, com o fim de purificar o ar e destruir os germes que ele continha. Naquele mesmo ano falecia em Lisboa, no dia 6 de novembro, El-Rei D. João IV, notícia que só chegou à ilha Terceira no dia 11 de janeiro de 1657. Durante o seu reinado, o único benefício alcançado para a ilha Terceira consistiu na permissão de navegarem anualmente para o Brasil três navios, nos quais podiam os terceirenses exportar o seu vinho e farinhas, alargando-se o seu comércio, que até ali só existia com Portugal. Esta concessão, determinada pela Provisão de 19 de novembro de 1652, foi em deferimento à representação da Câmara de Angra, mandada a El-Rei no ano de 1649. Construiram-se também o forte das Caninas, abaixo da Vila de São Sebastião, e o das Cinco Ribeiras, à custa da Câmara da cidade, no ano de 1653; e reconstruiram-se também algumas muralhas e baluartes que estavam arruinados. No governo do castelo estava João de Sequeira Varejão, fidalgo da casa real, nomeado ainda por D. João IV, pouco antes da sua morte.
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